Entrou para medicina mas cedo percebeu que ser médico estava longe de ser o que mais o entusiasmava. No fim do curso, ainda se tentou manter na área mas quis o destino que se viesse a apaixonar pela ilustração e por outro homem. Daniel Gray-Barnett, ilustrador, escritor e ativista australiano, ganhou mediatismo no dia em que decidiu casar. Foi um dos primeiros homossexuais a contrair matrimónio no país.
Depois de ilustrar vários livros para crianças, resolveu, há dois anos, começar a escrevê-los. Nos últimos meses, a marca de cosméticas norte-americana Kiehl's convidou-o para criar o grafismo da Kiehl's x Pride, a linha de produtos de edição limitada que acaba de lançar que pretende homenagear o orgulho LGBTQI. Em entrevista exclusiva ao Modern Life/SAPO Lifestyle, fala da vida e da carreira.
Foi estudante de medicina. Em que altura é que percebeu que pretendia mudar de área e trocar a bata e o estetoscópio pelo mundo das artes e da literatura?
Não percebi! Tive a noção que não queria ser médico a meio da minha licenciatura, talvez. Ainda assim, nessa altura não fazia ideia do que pretendia seguir em termos de carreira. Decidi, no entanto, acabar o curso e comecei a trabalhar numa empresa farmacêutica que fazia ensaios clínicos. Demorou mais um par de anos até perceber que esta não era, de todo, uma indústria para mim, uma vez que queria fazer algo criativo.
Um dia, despedi-me e comecei a tirar um curso de gestão musical, na expetativa de ir gerir a carreira de bandas ou de dirigir uma editora discográfica. Adorei, claro! Mas a parte que me agradou mais foi aquela em que tínhamos de criar os cartazes para promover as digressões dos músicos que agenciavamos. A dada altura, um dos meus professores começou a passar-me alguns dos trabalhos que lhe encomendavam.
Fui descobrindo, dessa maneira, que ser ilustrador poderia ser efetivamente uma profissão, algo que nunca me tinha passado pela cabeça antes. Pareceu-me, nessa altura, que poderia ser a profissão perfeita para mim e, desde essa data, tenho aprendido com os meus mentores e tenho evoluído. Fui, pouco a pouco, entrando no mundo da ilustração profissional e já há cerca de oito anos que trabalho por conta própria.
Nos últimos dois anos, comecei a ilustrar e também a escrever livros para crianças, o que me abriu outras portas e também tornou o meu trabalho ainda mais recompensador. Além de serem livros que vão estar disponíveis durante mais tempo, permitem às crianças que os leem viverem experiências muito satisfatórias e positivas. Isso faz-te pensar no tipo de mensagens que queres transmitir com o teu trabalho.
E que mensagens é que lhes pretende passar quando ilustra e/ou escreve um desses livros?
Procuro transmitir-lhes que a nossa imaginação é uma coisa mágica e incrivelmente poderosa. Temos de os encorajar e incentivar a usá-la! Se conseguirmos imaginar uma vida melhor, podemos mudar o mundo. Também sublinho a importância da compreensão e da empatia. É importante ver as coisas na perpetiva dos outros. Acredito que conseguiremos ultrapassar todas as nossas diferenças se tivermos um pouco mais de empatia por eles.
Quando está a escrever e a ilustrar um livro, há uma dessas atividades que acaba por se sobrepor à outra?
Eu adoro as duas coisas. Ilustrar, para mim, é mais fácil, é como barrar a manteiga no pão. Mas também adoro o tempo que passo a escrever e há alturas em que é possível aliar as duas! Eu adoro a forma como a linguagem escrita pode estimular a imaginação. É muito trabalhoso mas a verdade é que gosto mesmo de fazer as duas coisas. São duas faces da mesma moeda. No fundo, ambas servem para contar uma história...
Como é que foi acordar no dia 9 de dezembro de 2017 e perceber que seria uma das primeiras pessoas a casar-se com um parceiro do mesmo sexo na Austrália?
Em termos práticos, não fomos, na realidade, os primeiros a casar. Demos essa honra a outro casal! Fomos, no entanto, os primeiros namorados a entregar um pedido na conservatória a solicitá-lo, assim que a legislação australiana foi alterada para permitir o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo. Mas, para ser completamente honesto consigo, não nos apercebemos de imediato do significado desse gesto.
Só tivemos essa noção no dia em que chegámos à conservatória para nos casarmos e nos deparámos com as câmaras de televisão e com os jornalistas à porta! Acabou por ser um feliz acaso o de estarmos na primeira linha deste acontecimento e fico feliz por termos sido dos primeiros. Passámos a fazer parte da história da nossa comunidade. Saber que nos podíamos casar legalmente foi uma vitória emocional muito grande.
Em que é que se inspirou para criar o grafismo da linha de produtos Kiehl's x Pride?
Eu procurei criar algo que fosse divertido e vibrante e que capturasse o espírito de celebração e de unidade do orgulho LGBTQI [lésbicas, gays, bissexuais, transgénero, intersexuais e pessoas com dúvidas]. Incluí algumas coisas de Nova Iorque de que mais gosto e [elementos gráficos da] comunidade LGBTQI e, claro, da Kiehl's.
Por falar nisso, como é que vai celebrar o orgulho LGBTQI?
Adorava estar em Nova Iorque, mas provavelmente estarei na Tasmania, na pequena localidade onde resido [Huon Valley], na Austrália. O mais certo é festejar com o meu marido na companhia de amigos, de copo na mão. Brindaremos, seguramente, a todos os que abriram caminho para que, hoje, o pudéssemos fazer, ouviremos música pop e, como aqui está frio, acenderemos uma fogueira e olharemos para as estrelas.
O que é que a palavra orgulho, que é muito repetida nesta altura do ano, significa para si?
Significa muitas coisas, tanto a nível pessoal como político... É uma altura em que a comunidade LGBTQI se une e se torna mais visível, mais segura de si e até mais inclusiva. Para mim, é uma oportunidade para celebrar as adversidades que enfrentámos ao longo da nossa jornada de autoaceitação e também para relembrar as lutas que travámos para sermos uma comunidade aceite e tratada com igualdade.
Há países que ainda não têm os direitos que nós temos. É uma celebração da sobrevivência e da coragem necessária para nos aceitarmos uns aos outros e vivermos as nossas vidas de uma forma aberta e honesta, independentemente das diferentes cores, géneros e até sexualidades. Em última análise, é também uma celebração da esperança que temos no futuro e que gostaríamos que fosse transversal a todas as pessoas do mundo.
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