Com Saving 6 (edição Singular) a escritora irlandesa Chloe Walsh regressa ao convívio com os leitores portugueses. O novo livro, inscrito na série "Boys of Tommen" encaminha-nos para a história de Joey Lynch de 12 anos. Joey toma conta da mãe e dos irmãos mais novos. Contudo, a chegada à adolescência intensifica as suas lutas e um vício ameaça destruí-lo por completo, enquanto se mantém leal à sua família. A única pessoa que o impede de se afundar é a intransigente Aoife Molloy, filha do patrão. Joey não quer envolver-se com ela, mas a verdade é que lhe é impossível manter-se longe daquela rapariga vivaz e muito segura de si. Por sua vez, Aoife conhece um rapaz de cabeça quente no seu primeiro dia na escola secundária. Joey desperta na jovem uma nova e ardente curiosidade. Um rapaz que, por acaso, até trabalha para o seu pai.
Ainda que o destino pareça querer juntá-los, será o que os une suficientemente forte para resistir aos desafios que a vida lhes reserva? Uma pergunta a que Chloe Walsh dá resposta nas páginas deste livro. Uma obra que se junta ao portfólio de livros de uma autora dedicada à escrita e à publicação de romances desde há uma década. Foi com a série "Boys of Tommen" que a sua popularidade explodiu, nomeadamente no TikTok, Goodreads e Amazon. Amante de animais, viciada em música, e em televisão, Chloe adora passar tempo com a família e é uma acérrima defensora da sensibilização para as questões relacionadas com a saúde mental.
Do livro, publicamos um excerto.
30 de agosto de 1999
O encontro casual
JOEY
– Tudo o que precisas de fazer é manter a cabeça baixa e controlar o teu temperamento. És um rapaz inteligente. Tu consegues fazer isto. Limita-te a manter a boca fechada e não reajas a nenhum disparate que te digam. Queres que vá contigo?
– Uma merda é que quero.
– Não faz mal estares nervoso, Joey.
– E também não faz mal estares assustado.
– Pareço assustado? – resmoneei, irritado por ele estar sempre a confortar-me. – Não sou um bebé, Dar.
– Eu sei que não – concedeu o meu irmão mais velho ao entrarmos no caminho para a Ballylaggin Community School, uma viagem que ele tinha feito todos os dias da semana durante os últimos seis anos. O seu tempo na escola secundária estava agora terminado, enquanto o meu estava mesmo a começar. – Só preciso que isto corra bem para ti.
– Pois – resmunguei. – Bem, ambos sabemos que isso não vai acontecer.
– Este é o teu recomeço, Joey – disse ele. – O que quer que tenha acontecido na escola básica ficou agora para trás. Não carregues nenhum desses problemas contigo.
– Não existe isso de «recomeços» – respondi, com desdém. – Muda-se de sítio, mas a porcaria é a mesma.
– És novo de mais para seres tão cínico.
– E tu és demasiado inteligente para desperdiçares o teu tempo e o teu fôlego nesta conversa motivacional – rebati. – Não sou a Shannon, meu. Não preciso de palavras ou que me segures na mãozinha.
– É assim tão errado da minha parte querer acompanhar-te no teu primeiro dia no secundário?
– Não precisavas de me acompanhar à escola. Não sou um bebé.
– És o meu irmão bebé.
– Nunca fui um bebé em nada, Dar.
– Sempre tão autossuficiente – abanando a cabeça, fez-me um sorriso triste. – Bem, talvez eu quisesse passar mais algum tempo contigo.
– Partilhamos um quarto – declarei, inexpressivamente, enquanto a tonelada de peso da minha mochila para o meu outro ombro. – Já passamos tempo suficiente juntos.
– Amo-te, Joey – surpreendeu-me ao dizê-lo. – Sabes isso, não sabes?
– Tu amas-me? – Com os pés a vacilar, virei-me para cima para o fitar. – Que raio se passa contigo?!
– Nada – respondeu, num tom carregado de emoção. – Eu apenas… preciso que o saibas.
– Porquê? – Quis saber, sentindo-me desconfortável com a sua declaração intempestiva. Era descabida e parecia-me completamente inapropriada. – O que se passa?
– Nada – a sorrir, estendeu a mão e despenteou-me o cabelo. – Não se passa nada, cabeça de ar. Só queria dizer-to.
– OK… – Olhei-o desconfiado, sem estar muito certo de acreditar inteiramente nele. – Mas se de algum modo estás a pensar abraçar-me em frente de todas estas pessoas, dou-te um pontapé nos tomates.
– A tua voz está a começar a mudar – riu-se. – O meu irmão mais novo está a começar a crescer.
– Não preciso de uma voz grave para te dar um pontapé no cu – repliquei, com os pelos da nuca a eriçarem-se.
Ele revirou os olhos.
– Claro que não, vozinha estridente.
– Todas as miúdas aqui usam saias assim tão curtas? – Com os olhos arregalados, observei um grupo de raparigas a descer de um autocarro escolar e a caminharem para o passeio à nossa frente. – Retiro o que disse, Dar. – Sorri para o meu irmão. – Acho que vou gostar da escola secundária.
– Nem sequer penses nisso – o Darren riu-se, dando-me uma cotovelada nas costas. – Aquelas raparigas estão no décimo segundo ano. Para elas, és um bebé do sétimo.
– Já te disse que nunca fui um bebé em nada – repliquei, com uma piscadela de olho, e depois voltei de novo a atenção para a vista gloriosa das pernas nuas e dos rabinhos lindos.
– Não és demasiado novo para andares com ideias acerca de raparigas?
– Tenho treze anos.
– Não até dezembro.
– Mas já vi mais mamas do que tu.
– As da mãe não contam.
Desatámos ambos à gargalhada, fazendo com que algumas das raparigas à nossa frente se voltassem.
– Oh, meu Deus! Darren Lynch! – guinchou uma das loiras, enviando um sorriso caloroso ao meu irmão enquanto caminhava na direção dele. – O que é que estás a fazer aqui? Não tiveste, tipo, mil valores no teu diploma final, em junho passado? Não é possível que estejas a repetir o décimo segundo ano.
– Não, não estou a repetir. Estou apenas a acompanhar o meu irmão mais novo no seu primeiro dia – disse o Darren, aceitando o meio abraço que a rapariga estava a dar-lhe. – E podia fazer-te a mesma pergunta. O que é que estás a fazer rebaixando-te num uniforme da BCA, menina do Tommen?
– Eu… hmm… transferi-me para aqui. Vou acabar o décimo segundo na BCS – explicou a loira num tom tenso. – É… ah… assim meio que para o melhor, considerando tudo, percebes?
– Pois. – Assentiu o meu irmão, com compaixão no olhar, o que me confundiu como o caraças. – Percebo.
– Então, como é que vai tudo, Dar? – Ela foi rápida a ultrapassar o que quer que fosse que os tinham feito olharem-se de forma significativa. Revirei os olhos e reprimi a vontade de vomitar. – Não te vejo desde aquele fim de semana.
– Tenho andado por aí – respondeu-lhe ele, coçando a nuca. – Só a lidar com as coisas, sabes?
– Pois. – Trocaram outro olhar significativo. – Eu sei.
– Eu não sei – decidi intervir, porque, por que raio não? – Importam-se de explicar de que diabo é que estão ambos a falar?
O meu irmão suspirou com resignação, e começou as apresentações.
– Caoimhe, este chato é o meu irmão mais novo. – Virou-se para mim e apontou para a rapariga. – Joe, esta é a Caoimhe Young. Provavelmente, és demasiado novo para te lembrares dela da escola primária, mas tem uma irmã mais nova que é amiga da Shannon.
Os seus olhos azuis aterraram na minha cara, e ela sorriu.
– Então, és o Lynch que se segue na ordem hierárquica, hem?
– Parece que sim. – Encolhi os ombros com indiferença, e voltei-me para o Darren. – Já acabaste o passeio pelos bons velhos tempos ou preciso de ficar especado mais uns dez minutos?
– Oh, caramba, Dar – disse ela com uma gargalhada. – Estás metido em sarilhos com este, hem?
– Não me digas nada – respondeu o meu irmão, com um suspiro. – Foi bom ver-te, Caoimhe. – Agarrou-me pela nuca e conduziu-nos de volta ao caminho em direção à escola. – Cuida-te.
– Tu também, Dar – disse ela, atrás de nós. – Vai dando notícias.
– Vai dando notícias? – Abanei a cabeça e libertei-me do seu aperto. – Que raio significa isso?
– Quem sabe? – murmurou o Darren. – Sabes como são as miúdas.
– Já fizeste sexo com ela?
– O quê?! – O Darren parou de andar e virou-me para o encarar. – Não, não fiz sexo com ela. Porque é que haverias sequer de me perguntar isso?
– Não te ponhas para aí todo armado em importante – ri-me, empurrando-lhe o peito. – Sei que já estiveste com raparigas.
O Darren suspirou pesadamente.
– Não dessa maneira, nunca estive.
– Bem, acho que ela gosta de ti – sugeri, acompanhando de novo o ritmo da sua passada. – Ela estava a olhar para ti com uns olhos todos melosos.
– Olhos melosos – o Darren riu-se. – És um palerma.
– Estava – dei uma gargalhada. – Estou surpreendido por ela não ter desmaiado quando te viu. – Pigarreei, encostei uma mão à testa e imitei:
– Oh, Darren Lynch. És tu quem os meus olhos estão a ver? Acalma-te, meu coração acelerado!
– És cá um idiotazinho – o meu irmão deu uma gargalhada.
– E tu és um garanhão – repliquei, dando-lhe uma cotovelada. – Tens mais loiras aí escondidas pela escola, prontas para te caírem aos pés? Porque terei todo o gosto em tirar-tas das mãos.
– Deixa lá isso – afirmou, abanando a cabeça com ar arrependido. – Sinceramente, não é nada disso. Ela é apenas uma boa amiga.
– Não te preocupes, Dar. Eu sei que tu és homossexual. Só estou a meter-me contigo…
– Santo Deus, Joey! – silvou o Darren, apertando-me o ombro com força. Olhou à nossa volta, com os olhos arregalados e apavorados, depois suspirou e murmurou:
– Não tão alto, OK?
– Porque é que fazes isso? – interroguei, os bons modos esquecidos, enquanto sacudia a sua mão de cima de mim, a sentir o meu mau humor a aumentar. – Porque é que escondes quem és?
Ele abanou a cabeça, os olhos azuis completamente em pânico.
– Joey.
– Não, é uma merda, Dar – pressionei, sem vontade de deixar o assunto cair. – Não me envergonho de ti, e tu também não devias envergonhar-te.
– Não tenho vergonha de mim – respondeu ele, tranquilamente.
– Bom, ótimo – atirei. – Porque não tens porra alguma de ter vergonha.
– Pois, bem, de acordo com o pai, tenho.
– Pois, bem, o pai que se foda – cuspi. – Ele é que devia ter vergonha de si próprio, não tu.
– Tens noção de que até há seis anos, ser homossexual era um crime punido com cadeia neste país?
– Pois, e também eram os preservativos e qualquer outra forma de controlo de natalidade – rosnei. – O que apenas demonstra que as leis são uma treta.
– Joe…
– Este país é atrasado, Darren. Sabes bem disso – argumentei. – Sim, está a ficar melhor agora, mas ambos sabemos que os fundamentos sobre os quais as nossas leis são construídas assentam mais na religião do que no bom senso.
– Não quero mesmo falar disto agora, Joe.
– Bem, e eu não quero ver-te a andar por aí com o rabo entre as pernas sem qualquer razão – rebati. – É tudo merda, Darren. Todas as palavras que saem da boca daquele homem são uma imensa merda, por isso, não deixes que ele te faça sentir mal contigo próprio. O pai vive na Idade das Trevas, portanto, não te atrevas a deixá-lo arrastar-te com ele para lá.
– O que é que sugeres que faça, Joe? – perguntou, num tom cansado. – Enfrentá-lo cara a cara?
Sim.
– Tu consegues dar conta dele.
– Não, não consigo – replicou. – Além disso, nem todas as divergências na vida acabam em luta de cães.
– Na nossa vida, sim – corrigi-o acaloradamente. – Por isso, é melhor atirares-te para a luta e teres a porra da certeza de que és o cão maior.
– Como tu, vozinha estridente?
– Não sou o cão maior da luta – admiti, a contragosto –, mas tive sempre os dentes mais afiados.
– É tipo aquela frase: não é o tamanho do cão que importa, mas a garra que o cão tem?
Assenti.
– Agora, estás a falar a minha língua.
O Darren lançou-me um olhar estranho.
– Então, na tua cabeça, vivemos num mundo de cão?
– Não é na minha cabeça, Dar. É um facto.
– Sabes – disse ele, com ar meditativo, num tom melancólico. – Não consigo perceber se essa tua espinha dorsal dura será a tua salvação ou a tua ruína.
– Seja qual for, está bem – afirmei, com um encolher de ombros. – Porque não me importa de todo.
– Isso não é verdade – respondeu ele –, tu importas-te.
– Não – ri-me, sem humor. – Não me importo mesmo.
– Preciso que comeces a importar-te, Joey.
– Eu importo-me – resmunguei. – Importo-me contigo e com a Shan, com o Tadhg e o Ols…
– Preciso que comeces a importar-te contigo, Joe.
– Caraças.
Os meus pés pararam abruptamente no instante em que os meus olhos se fixaram numa loira alta, com cara de anjo, sentada no muro à entrada da escola.
– O que foi? – perguntou o Darren, olhando à volta. – Onde é o fogo?
Mudo com aquela visão, e sem qualquer vontade de continuar aquela conversa com o meu irmão, apontei para a rapariga cujo longo cabelo loiro se espalhava à sua volta com a brisa.
– Não a conheço – notou o meu irmão. – Deve ser do sétimo ano.
Parecendo algo que os meus olhos nunca tinham visto, observei-a, com as suas longas pernas a pender do muro, enquanto lambia um Chupa Chups, completamente desinteressada do rapaz que tentava falar com ela.
– Mãe do céu – soltei um suspiro. – Estou-me nas tintas se és homossexual ou não. Não podes negar que aquela rapariga é a miúda mais bonita que alguma vez viste.
O seu olhar encontrou-se com o meu. Quando os nossos olhos se cruzaram, uma onda de calor atravessou-me diretamente o peito.
Caraças.
Estava absolutamente à espera que ela corasse e afastasse o olhar. Não o fez. Em vez disso, inclinou a cabeça para um lado e examinou-me com um olhar semelhante àquele que de certeza eu estava a mostrar. Arqueando uma sobrancelha, removeu o chupa-chupa da boca e olhou-me com um ar expectante.
Voltei o meu olhar inquisidor para o rapaz de cabelo escuro, que ainda tentava, e não conseguia, chamar a atenção da rapariga, antes de regressar ao rosto dela. Com um erguer desafiador do queixo, enviou-me um olhar que dizia De que é que estás à espera?
Bem, merda.
De que é que eu estava à espera?
– Calma, irmãozinho – riu-se o Darren enquanto me obrigava a andar em direção ao edifício principal e afastando-se da loira. – Ela é engraçada, mas não atires já a espada ao chão. Garanto-te que lá dentro encontrarás mais cinquenta raparigas do teu ano igualmente adoráveis.
Duvidoso.
– Não quero mais cinquenta raparigas – respondi, torcendo-me para trás para descobrir que ela ainda me observava. – Só quero aquela rapariga.
– Oh, voltar a ser um caloiro – ria o Darren às gargalhadas, enquanto me arrastava com ele até ela ficar fora da nossa vista. – Se não te ensinei mais nada nos últimos doze anos, então pelo menos lembra-te disto: mantém o temperamento sob controlo, a cabeça nos livros, o teu rabo fora das ruas e as tuas mãos longe de raparigas como aquela.
– Como aquela?
– Como se tivessem destruidora de corações escrito em todo o corpo.
– Então, por outras palavras, vou passar os próximos seis anos de escola a viver como um padre – resmunguei, libertando-me dele quando chegámos ao edifício. – Onde é que assino?
– Ei, foi o que eu fiz. – O meu irmão riu-se, notoriamente divertido com o meu aborrecimento. – Resultou comigo.
– Porque tu és um chato de merda – disse-lhe eu. – A sério, Dar. É um milagre que sejamos sequer aparentados.
– Bem, somos – recordou-me ele, e puxou-me para um abraço. – Vou ser sempre teu irmão, aconteça o que acontecer, OK? Nunca te esqueças disso.
– O que é que eu te disse? – silvei, desesperado para me afastar dele antes que alguém me visse a abraçar o meu irmão, entre todas as pessoas.
– Cuida-te – a sua voz estava áspera com a emoção, enquanto me observava a fazer-lhe uma careta. – Amo-te.
– Credo, acalma-te com essa treta do amor – resmunguei, sentindo-me extremamente desconfortável. – Vou começar a escola secundária, palerma, não me estás a mandar para a guerra.
Ele assentiu rigidamente.
– Eu sei.
Sentindo-me a perder o equilíbrio, olhei-o desconfiado, abanei a cabeça e pus-me a andar na direção da entrada.
Para.
Não vás.
Há alguma coisa errada.
Volta.
Isto está tudo errado.
– Dar? – Inseguro, como se estivesse suspenso, voltei-me e vi-o já a afastar-se. – Vejo-te depois da escola, certo?
O meu irmão não respondeu.
– Dar?
Também não se voltou para me olhar.
– Darren?
Em vez disso, puxou o capuz e continuou a afastar-se de mim.
– Então, aquele tipo é o teu guarda-costas ou consegues pensar por ti próprio? – perguntou uma voz de rapariga, e virei-me para encontrar nada mais nada menos do que a loira do muro, de pé, à minha frente… e caraças, se ela não era ainda melhor vista de perto.
Esquecidos todos os pensamentos sobre a estranha despedida do Darren, concentrei-me totalmente na cara que me fitava. Maçãs do rosto salientes, boca a fazer beicinho, olhos verdes grandes e um cabelo que parecia qualquer coisa saída de uma revista, ela era, sem dúvida, a coisa mais bonita que os meus olhos alguma vez tinham visto. – Consigo, com toda a certeza, pensar por mim próprio.
– Viste-me ali atrás – declarou tranquilamente, os olhos verdes a aprisionarem-me.
– Pois vi.
– E continuaste a andar.
Assenti com a cabeça como se fosse maluco.
– Pois continuei.
– Não voltes a fazer isso.
Foda-se.
– Não volto.
Ela examinou-me uma vez mais, assentindo em aprovação.
– És giríssimo.
Bem, merda.
– Igualmente.
– Hmm. – Os seus lábios ergueram-se. – Então, tens nome, rapaz-que-consegue-pensar-por-si-próprio?
– Isso é importante? – rebati, a precisar de recuperar algum do terreno que tinha perdido para este portento de miúda. – Ambos sabemos que no final do dia vais estar a chamar-me «querido».
Ela lambeu os lábios para esconder o sorriso.
– Ai, sim?
Aproximei-me dela.
– Diz-me tu, loirinha.
Agora ela sorria, e era uma visão gloriosa.
– OK, essa foi mesmo bem jogada.
Sorri ironicamente.
– Obrigado.
– Sou a Aoife. – Riu-se, estendendo-me a mão.
– Joey – respondi, aceitando a sua mão pequena na minha.
– Joey. – Inclinou a cabeça para um lado e examinou-me sem o menor vestígio de timidez. – O teu nome combina contigo.
– Podia dizer o mesmo de ti – repliquei. – O teu nome significa radiante e bonita, certo?
Ela riu-se.
– Tu dominas o teu irlandês.
Pois, eu dominava o meu irlandês, mas não assim tão bem.
Havia uma rapariga na minha turma do ensino básico chamada Aoife, que contava constantemente como lhe tinham posto o nome de uma rainha-guerreira irlandesa, com um nível de beleza que garantiam só ser comparável ao de Helena de Troia.
No entanto, eu não tinha intenção de contar este pormenor em particular a esta Aoife.
Não quando precisava de toda a vantagem que conseguisse.
– Então, em que turma é que estás? – perguntou, retirando o horário desdobrável do bolso da sua curta saia plissada. – Eu estou no Sétimo Ano 3.
O caraças se eu sabia.
Endireitei a bola de papel amassada que era o meu horário para este ano letivo. Fiquei entusiasmado como a porra quando li as palavras Sétimo Ano 3.
– Também eu.
Ela estava na minha turma.
Talvez a minha sorte estivesse a mudar.
– Então és tão mau aluno como eu – sorriu ela. – O meu irmão está no Sétimo Ano 1. É a turma dos cérebros.
– Tens um irmão gémeo?
Assentiu.
– Para mal dos meus pecados.
– Então estamos na terceira turma mais inteligente?
– Ou na terceira mais burra. – Deu uma gargalhada. – Depende de como vês o copo a encher.
– Porquê? Em quantas turmas foi dividido o nosso ano?
– Cinco.
– Jesus. Isso não é muito elogioso para nós, pois não?
– Nope – sorriu-me. – Longe disso. Então, de que escola é que vens?
– Sagrado Coração – respondi. – E tu?
– St. Bernadette – disse ela, com uma careta. – É aquela…
– … só para raparigas, dirigida por freiras, fora da cidade? – estremeci de compaixão. – Bem, que azar do caraças hem?
– Podes crer. Oito anos com as freiras. Consegues ver o meu halo a brilhar?
– Oh, sim, é ofuscante.
– De acordo com a irmã Alphonsus, eu devia continuar a minha educação num ambiente só para raparigas – afirmou com ar meditativo e um sorriso diabólico. – Ao que parece, tenho um lado selvagem em mim, com uma predileção pela forma masculina que nenhuma quantidade de orações pode eliminar. – Revirou os olhos. – Tudo porque eu disse que achava que o tipo que fez o papel de Jesus num filme que nos mostraram era jeitoso.
Arqueei uma sobrancelha.
– Jeitoso?
– Porquê?! Era!
– Bem, parece-me que precisas de passar menos tempo ajoelhada a rezar e mais tempo com…
– Não o digas – avisou, estendendo o braço para me tapar a boca com a mão.
– … com a forma masculina. – Ri-me, retirando com a minha mão os seus dedos da minha boca.
– Então devo passar mais tempo com a forma masculina em geral? – perguntou, e de alguma forma os nossos dedos estavam agora entrelaçados. – Ou contigo? Porque acho que é seguro dizer que estou impressionada com a forma masculina que está de pé à minha frente.
– É essa a tua forma de me dizeres que não tens namorado?
– Não, é a minha forma de te dizer que terei namorado assim que tu me pedires em namoro.
– Bolas – A minha batida cardíaca acelerou. – Não estás com rodeios em relação a nada, pois não?
Ela piscou-me o olho e deixou descair a mochila dos ombros.
– O que é que há de divertido nisso?
Desorientado com esta miúda, agarrei a mochila que ela me estendia e pendurei-a no meu ombro livre.
– Muito bem – disse ela, assentindo em aprovação, admirando a sua mochila rosa-brilhante no meu ombro. – Isso deve servir.
– Deve servir para quê?
– Para avisar as outras raparigas que devem afastar-se.
As minhas sobrancelhas ergueram-se.
– Acabaste de me marcar com a tua mochila?
– Claro que sim – replicou, sorrindo-me docemente, e depois deu meia-volta e começou a andar despreocupadamente em direção às salas. – Agora, vamos, querido.
Dei uma gargalhada, porque, francamente, o que mais poderia fazer?
Tinha a distinta impressão de que iria fazer muito mais do que seguir esta miúda.
Ainda assim, os meus pés mexeram-se para ir atrás dela.
Imagem de abertura do artigo cedida por Freepik.
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