A Comissão Europeia (CE) divulgou na terça-feira a atualização do Regulamento para os Gases Fluorados com efeito estufa (Gases-F). Esta aguardada revisão pretendia um controlo mais rigoroso e alinhado com os objetivos da União Europeia (UE) de redução de emissões e neutralidade climática.

"Os gases fluorados são poluentes climáticos ultrapotentes, com efeito de estufa centenas a milhares de vezes mais potentes que o dióxido de carbono (CO2) e que são comumente usados na refrigeração, na climatização (ar condicionado, bombas de calor, etc.), proteção de incêndio, aerossóis e espumas. Representam cerca de 2,5% do total das emissões de gases com efeito de estufa da UE e, em Portugal em 2019, estes gases representavam já 5% (em CO2 equivalente) das emissões de gases com efeito de estufa. Desta família fazem parte os conhecidos hidrofluorocarbonetos (HFC) e o infame hexafluoreto de enxofre (SF6) com um potencial de aquecimento global (PAG) de 25,200 e um período de vida de 1.000 anos (IPCC AR6)", informa a ZERO em comunicado.

"A UE tem liderado a ação de redução dos gases fluorados, pelo que era grande a expectativa em relação a esta proposta. Apesar de apresentar aspetos positivos relevantes como acelerar a redução gradual destes poluentes (cortes na quota de emissões, a redução da disponibilidade final de emissões para 2% em comparação com a linha de base – abaixo dos 20% estabelecidos pelo regulamento anterior – e a introdução de um objetivo a longo prazo que alinha o regulamento da UE com o calendário da denominada emenda de Quiigali ao Protocolo de Montreal, que regula o mercado de refrigerantes a nível mundial) e ainda abordar o comércio ilegal, não encontra porém, nem a ambição pedida pelas Organizações Não Governamentais nem corresponde com a capacidade tecnológica já existente no mercado, gerando um cenário de estagnação incompatível com o recente alerta do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (sigla IPCC, em inglês) e representando, por isso, um perigoso atraso na luta urgente contra as alterações climáticas", lê-se na nota.

Aspetos críticos desta nova revisão

Um dos aspetos que permanece tímido nesta nova proposta é a substituição destes gases pelos designados refrigerantes naturais, com impacto climático reduzido e com bons perfis de eficiência energética. Esta transição é fundamental e comprovadamente possível, como a ZERO já anteriormente divulgou e como aferido em 2012 pela própria Comissão, cuja avaliação de impacto concluiu que a transição para alternativas naturais e eficientes em termos energéticos era, simultaneamente, rentável e tecnicamente viável na maioria dos subsectores até 2020. No entanto, a falta de sinalização clara ao mercado (com proibições detratoras dos competidores poluentes dos refrigerantes naturais e a promoção destas alternativas) resultou numa adoção muito mais lenta das alternativas amigas do clima do que se considerava rentável e exequível, considera a organização.

"No rescaldo dos recentes acontecimentos geopolíticos, o aceleramento da descarbonização da climatização, em especial do aquecimento a combustível fóssil (como as caldeiras a gás natural) a par da iniciativa REPowerEU, em que a CE ambiciona instalar 30 milhões de novas bombas de calor até 2030, colocam em cheque a transição verde sustentável pretendida. Assistimos assim, ao impulso frenético de transição entre tecnologias sem que se garanta a adoção da opção mais eficiente e com maiores benefícios climáticos a curto, médio e longo prazo. Ao não restringir o uso de Gases-F em novos equipamentos, e apesar de já existirem alternativas, esta regulamentação perpetua a dependência destes poluentes que se estenderá por décadas acompanhando o tempo de vida destes equipamentos", refere o comunicado.

"Não poderíamos deixar de referir por fim, a decisão de ignorar o princípio da precaução e a meta de poluição zero do Pacto Ecológico Europeu, permitindo a introdução de novas substâncias comercializadas como alternativas de baixo PAG mas sobre as quais a comunidade científica internacional tem demonstrado alarmantes reticências. Estas substâncias são conhecidas como PFAS, substâncias perfluoroalquiladas,  sendo que os gases fluorados categorizados como PFAS não serão assim regulamentados por esta proposta mas pela regulamentação REACH (registo, avaliação, autorização e restrição de substâncias químicas) que se encontra presentemente em revisão, e prevista apenas para 2023. Estas substâncias são de difícil categorização e consideradas poluentes tóxicos para os seres humanos e ecossistemas (em geral bioacumuláveis, persistentes e móveis) ao remeter para a nova proposta REACH, a CE perdeu a oportunidade de atuar preventivamente e, mais uma vez, de incentivar as alternativas naturais já existentes", indica.

"É importante referir que ao persistirmos na permanência destas substâncias nocivas para o ambiente e pouco ambiciosas climaticamente, em detrimento das verdadeiras alternativas já presentes e testadas no mercado, perpetuamos essa relação pelo tempo de vida do investimento realizado e dos equipamentos adquiridos e, portanto, comprometemos as metas que estabelecemos e que esta regulamentação deverá servir", adverte.

Para Francisco Ferreira da ZERO, “a proposta divulgada esta semana pela Comissão Europeia aparenta ser um compromisso entre o mercado instalado e o emergente, que politicamente sinaliza a necessidade de cumprir as metas climáticas europeias, mas que falha na operacionalização da transição que preconiza. Ao não assumir na prática as restrições e a concretização das medidas que são urgentemente necessárias para direcionar o mercado no sentido dessa transição, compromete a concretização do objetivo a que se propõe.”