Como se transmitem as mutações que estão a tornar algumas estirpes do vírus da imunodeficiência humana (VIH) resistentes aos medicamentos antirretrovirais? Esta é uma das dúvidas que diariamente intriga Ana Abecasis, 33 anos, investigadora no Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa, doutorada em Medical Sciences pela Katholieke Universiteit Leuven, na Bélgica. Esta também é uma das questões a que a cientista pretende responder com o projeto de investigação científica distinguido com um prémio monetário de 20.000 euros pelo júri científico que atribuiu as Medalhas de Honra L'Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência no início de 2013, um estudo que visa usar os resultados obtidos para melhorar a eficácia dos tratamentos para o VIH e, assim, melhorar a qualidade de vida dos doentes seropositivos. Atualmente, cerca de 8% dos diagnósticos de HIV na Europa correspondem a casos em que a estirpe do vírus sofreu mutações que o tornam resistente aos antirretrovirais.   Essa condicionante obriga, em muitas situações, os médicos a recorrer a um regime terapêutico de segunda linha, mais tóxico, mais dispendioso e com um período de eficácia mais curto. Com base na teoria da evolução, o projeto de Ana Abecasis utiliza métodos de filogenética e epidemiologia molecular para identificar e caracterizar clusters de transmissão de resistências aos antirretrovirais, uma abordagem que permitirá estimar taxas de transmissão, reversão e persistência nas cadeias de transmissão de cada mutação de resistência aos antirretrovirais.   Os parâmetros obtidos serão depois integrados em modelos matemáticos para calibrar e prever níveis futuros de transmissão de resistências aos antirretrovirais. Se for bem-sucedida, a nova informação gerada pelo estudo permitirá estabelecer diretrizes que melhorem a relação custo-benefício do tratamento, definir regimes terapêuticos de primeira linha e estabelecer linhas de prevenção para a transmissão de resistências aos antirretrovirais, melhorando a qualidade e esperança de vida do doente. Em entrevista à Saber Viver, Ana Abecacis revela o que sente por ver o seu trabalho de investigação distinguido, explica como surgiu o interesse pela terapêutica a aplicar aos doentes seropositivos, fala das dificuldades que viver da ciência num país como Portugal implica e desvenda mais sobre a aplicação prática da análise científica que tem atualmente em mãos.   O que representa para si ganhar este prémio? Sinto-me uma privilegiada por receber a Medalha de Honra L'Óreal para as Mulheres na Ciência. É um prémio que reconhece, incentiva e dá visibilidade ao trabalho que tenho vindo a desenvolver na minha carreira científica. É também um excelente apoio monetário ao projeto que me propus realizar.

Qual é a maior inovação do projeto que acaba de ver distinguido e qual a aplicação prática que poderá vir a ter?

Atualmente, cerca de 8% dos novos diagnósticos de VIH na Europa correspondem a casos em que a estirpe do vírus possui mutações de resistências aos medicamentos antiretrovirais, em que houve transmissão de resistências aos antiretrovirais. Nestes casos, é necessário muitas vezes iniciar o tratamento com um regime terapêutico de segunda linha, mais tóxico, mais caro e com uma eficácia por um período de tempo mais curto. Com base na teoria da evolução, este projeto utilizará métodos de filogenética e de epidemiologia molecular para identificar clusters de transmissão de resistências aos antirretrovirais e estudar as suas características. Esta abordagem permitir-nos-á estimar taxas de transmissão, reversão e persistência nas cadeias de transmissão de cada mutação de resistências aos antirretrovirais individual. Os parâmetros obtidos serão depois usados em modelos matemáticos para calibrar e prever níveis futuros de transmissão de resistências aos antirretrovirais.   Veja na página seguinte: As portas que a investigação de Ana Abecacis abre Se formos bem sucedidos, a nova informação gerada neste estudo permitirá estabelecer guidelines que aumentem a relação custo/benefício do tratamento, definir regimes terapêuticos a usar em primeira linha, melhorar a qualidade e esperança de vida do doente e estabelecer linhas de prevenção para a transmissão de resistências aos antirretrovirais.

Fazer o que faz atualmente era um sonho de criança? Se não, como surgiu o gosto por estes temas?

No final da minha licenciatura em ciências farmacêuticas, experimentei as várias saídas profissionais mais tradicionais do curso, mas nenhuma me preencheu. No estágio de farmácia hospitalar, tive a sorte de conhecer o Dr. Ricardo Camacho, o meu orientador de sempre, que me incentivou a começar a trabalhar no Laboratório de Virologia do Hospital de Egas Moniz e fazer investigação na área do HIV, uma área que já me fascinava muito. Gostei muito da experiência e senti-me muito realizada. Correu tudo muito bem e passado algum tempo, fui fazer o doutoramento para Leuven/Louvain, na Bélgica, sob orientação da professora doutora Anne-Mieke Vandamme, que também se mantém minha orientadora até hoje.

É difícil ser investigadora e mulher em Portugal?

Não é específico de Portugal, mas ser investigador não é fácil porque as oportunidades de trabalho estáveis escasseiam. Julgo que, infelizmente, se está a tornar também uma situação comum em muitas outras profissões. Neste momento, em Portugal, há muitos investigadores a chegar perto dos 40 anos como bolseiros de investigação. A situação tem vindo a melhorar sobretudo através do Programa Ciência, que permitiu que alguns tenham passado a ter contratos como investigadores. Em relação a ser mulher, falo por mim, mas não tenho razões de queixa... Este prémio até é atribuído a mulheres na ciência. Não sinto que no meio académico/científico em Portugal seja mais difícil para uma mulher ter uma carreira de sucesso do que para um homem. Conciliar a carreira com a vida familiar pode ser mais difícil para as mulheres, porque a maioria de nós acaba por ter mais tarefas em casa. No entanto, se o tempo for bem gerido, tudo se consegue. Texto: Luis Batista Gonçalves