«O cão aprendeu a interpretar-nos, olha para os nossos olhos, a nossa postura e sabe o que isto significa», refere. É assim que Gonçalo da Graça Pereira, médico veterinário e especialista em medicina do comportamento, define a essência deste animal. O problema é que, por vezes, não compreendemos o que nos diz ou não agimos da melhor forma, ainda que involuntariamente.

Se a isto adicionarmos o impacto que a nossa rotina tem na vida do animal, não admira que precise de ajuda. Um cão ou um gato deve ir ao psicólogo? Muitos especialistas não têm qualquer dúvida. A resposta é… sim! Veja também as doenças infecciosas e parasitórias dos animais que podem ser transmissíveis aos seres humanos.

Nem tudo o que se lê… 

Devemos ser o líder da matilha. É uma regra universal, mas está errada, diz o médico veterinário. «São teorias dos anos 70 baseadas na observação de lobos em cativeiro. Hoje, sabemos que o lobo se organiza de forma distinta e o cão não olha para nós como um igual», diz. A ideia de que os gatos não podem ser treinados é outro mito.

Parte do problema está no «desconhecimento sobre as necessidades e linguagem corporal de cães e gatos», continua. «As pessoas interpretam mal e tomam atitudes que os levam a reagir agressivamente», refere, ainda, este especialista.

Vários sinais indicam que um cão está a ficar ansioso, nomeadamente exibir uma pupila dilatada, lamber os lábios, virar o focinho, colocar a cabeça baixa ou, ainda, colocar a cauda entre as pernas. Parece submissão, mas é um alerta que o cão dá antes de começar a rosnar.

Os principais problemas 

A agressividade lidera as razões da consulta, no caso dos cães. «Antes era a ansiedade por separação, mas atualmente, devido aos métodos de treino, aumentou a agressividade. Nos gatos, no topo está a marcação de território e a urinação inadequada. A agressividade está em terceiro lugar e acredito que se deva ao fato de ser mais complicada e a pessoa entregar o gato em vez de procurar ajuda», diz.

Stresse, medo ou condições inadequadas de vida são os principais fatores. «A origem de 95 por cento desse problema está no medo, mas, muitas vezes, quando chega à consulta o animal já não exibe medo, já não rosna. Tem uma agressividade mais impulsiva porque aprendeu a não dar os sinais prévios ao ser punido», acrescenta.

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Sozinho em casa

Passar horas em casa sozinho, contribui para a ansiedade, que pode manifestar-se por comportamentos exagerados ao fim do dia como «caçar as pernas do dono», exemplifica. «Na perspetiva do gato, não há nada mais engraçado do que duas pernas a mexer e alguém que grita», acrescenta. Outro sinal de que o seu animal precisa de estímulo é aquilo a que o médico chama o cão-velcro, que o segue a cada instante.

«São cães perfeitos quando estamos em casa, mas sozinhos destroem as coisas, portas, urinam e vocalizam», explica. O stresse pode ter consequências físicas, incluindo úlceras, vómitos, diarreia ou problemas dermatológicos, como a alopecia psicogénica (overgroomin) em gatos que se limpam de forma excessiva para se acalmarem e perdem o pelo.

Em consulta 

A abordagem segue várias etapas. Primeiro é feito um check-up geral para despistar patologias na origem dos problemas de comportamento. De seguida, filma-se o comportamento do animal e os tutores preenchem um questionário detalhado, para que o médico possa compreender o que o cão/gato está a viver. «Uma vez reunidos os dados, agenda-se a consulta onde analisamos novamente o questionário e os vídeos», explica.

«Depois, analiso a evolução comportamental do animal, como é que ele aprende e onde poderá estar a origem do problema. Por fim, falamos da abordagem a seguir. Muitas vezes, recorremos a medicação que permita reduzir a ansiedade do animal para que ele possa aprender», afirma ainda.

ABC animal 

No dia a dia, para contribuir para o bem-estar do seu animal mantenha-o ocupado. «Para o estimular, pode comprar objetos ou inventar jogos. Faça uns buracos numa garrafa vazia e coloque-lhe ração. Assim, para obter alimento, o cão ou gato têm de rodar a garrafa», sugere.

Ao fim do dia, faça passeios. «O cão gosta de cheirar, dê-lhe oportunidades para isso. Fale com ele e nunca regresse a casa logo depois de ter feito xixi, senão ele irá tentar aguentar para prolongar o passeio». Em casa, o gato tem as suas exigências. O local onde come deve ser diferente daquele onde bebe e, por sua vez, da casa de banho, que não gosta de partilhar.

À noite, «o cão pode dormir na cama do dono», adverte. O problema é se a regra muda mediante a situação como, quando vem o namorado, fica na sala. «Isso confunde o animal e gera problemas de comportamento. Para os cães as coisas devem ser preto ou branco. O gato é diferente, precisa de um território onde dorme, mas que pode ir mudando», alerta.

Texto: Manuela Vasconcelos