«Eu pensava que aquilo ia passar e que voltaria a ser a Dora de antes. Quando me fizeram este diagnóstico, senti que estava diferente e comecei a sentir-me estigmatizada pela sociedade em que vivemos», começa por revelar.
Dora César, de 43 anos, é portadora de transtorno bipolar, uma desordem cerebral que causa alterações incomuns e abruptas no humor.
Os seus estado variava entre a depressão profunda e a euforia descontrolada. Mas nem sempre foi assim. Dora foi uma criança e adolescente com uma vida totalmente normal. «A minha infância e adolescência foram fantásticas», sublinha. Mas, após terminar o ensino secundário, a entrada no curso de assessoria de direção no ISLA, com cerca de 20 anos de idade, viria a ser o ponto de viragem na sua vida.
A reviravolta
A exigência do curso e as dificuldades que sentia em algumas das disciplinas com as quais não vinha familiarizada do ensino secundário fizeram-na entrar em exaustão. «Era um curso exigente, sobretudo para quem não era da área das
matemáticas como eu», recorda. Foi na altura das frequências que a situação começou a tornar-se difícil de sustentar. Mesmo assim Dora não quis desistir, a vontade de terminar o ano foi mais forte do que o cansaço que sentia.
«No final desse ano estava esgotada, sentia-me muito cansada commuitas dores de cabeça, tinha insónias, o ruído à minha volta incomodava-me, não me sentia bem, mas queria fazer um esforço para acabar o ano com notas positivas, nem que fosse o mínimo», explica Dora. Fez o esforço e conseguiu. Mas o cansaço e as estranhas dores de cabeça persistiam. «Parecia um formigueiro por toda a cabeça e, de repente, era como se uma veia desse um estalo e fosse rebentar. Comecei a entrar em pânico e a pensar que tinha um tumor na cabeça», descreve Dora.
Em busca de ajuda
Perante estes sintomas, Dora decidiu procurar um neurologista para fazer exames médicos. Os resultados foram todos normais mas os sintomas persistiram. «Eu tinha medo de sair à rua sozinha porque me sentia tonta e desequilibrada», recorda.
Até essa altura, Dora só tinha falado com os primos que considerava como irmãos mas que acabaram por não lhe dar o apoio de que necessitava. «Senti que estava dentro de uma piscina a afogar-me e que eles não me ajudaram, deixaram-me a boiar sozinha», conta. Contudo, os seus pais, atentos, resolveram procurar ajuda e levaram-na a um psiquiatra, suspeitando que poderia estar com um esgotamento. Assim foi.
Na primeira consulta, Dora pediu ajuda. «Quero voltar a ser como era!», recorda-se de dizer desesperada. «Tinha muitas crises de choro, porque me sentia doente e queria ficar boa, queria a minha saúde de volta», acrescenta. Mas o diagnóstico inicial foi pouco concreto. «A médica disse que poderia ser uma psicose maníaco-depressiva mas não tinha a certeza ainda, contudo, uma depressão nervosa teria seguramente», revela.
O diagnóstico
Dora receou o estigma de uma doença mental e pediu aos pais para não a internarem. «Não me internem, eu não sou maluca», suplicou.
Foi então seguida em sistema ambulatório por uma psiquiatra particular e a mãe deixou de trabalhar para tomar conta dela.
«Nesta fase, a médica disse-lhe para me deixar dormir e descansar e só me acordar para fazer as refeições, tomar os medicamentos e fazer a higiene pessoal», salienta.
As melhorias começaram a surgir mas Dora sentia que algo tinha mudado em si. «Quando fiquei melhor, vi que algo se tinha modificado em mim, sentia-me apática, tinha muitos medos, era muito ansiosa, comecei a isolar-me; convidavam-me para sair e eu não ia, comecei a ter um prazer doentio em estar sozinha; olhava-me ao espelho e não reconhecia em mim a Dora de outros tempos», descreve.
Entretanto, a impossibilidade de poder continuar com consultas privadas forçou-a a recorrer a uma psiquiatra no Hospital Júlio de Matos. Nessa altura, a médica sujeitou-a a uma série de testes com o intuito de realizar um diagnóstico mais concreto e foi então que foi diagnosticada a doença. Segundo Dora,«foi entre os 25 e 26 que lhe foi realmente diagnosticada a psicose maníaco-depressiva.
Dora sofreu um grande choque. «Eu pensava que aquilo ia passar e que voltaria a ser a Dora de antes. Quando me fizeram este diagnóstico, senti-me estigmatizada, diferente». Até então só se tinha revelado a fase depressiva da doença. «Só reconhecia a parte depressiva em mim, só pensava que não iria conseguir nada do que eu tinha sonhado nem os projetos que tinha feito para a minha vida», recorda.
O outro lado da doença
Dora sentia necessidade de tornar a sua vida mais ativa. «Precisava de me sentir útil», recorda. Felizmente, várias pessoas apontaram-lhe um caminho mais positivo. Com a ajuda das médicas que a acompanhavam ultrapassou o medo que sentia em andar sozinha e iniciou um curso na área de informática.
«Aí, fiz novas amizades e deixei de estar sozinha», refere. Neste curso, menos exigente, começou a sentir-se mais capaz e com vontade de lutar. «O curso era adaptado às nossas limitações mas não éramos tratados de forma especial pois tínhamos que estar preparados para o ambiente de trabalho normal; eu até achava que as formadoras por vezes eram um pouco bruscas, porque me sentia mais sensível, mas não desisti do curso», afirma.
Por outro lado, também foi incentivada a voltar a praticar desporto. «As minhas vizinhas ajudaram-me muito, tiraram-me de casa. Voltei a fazer aeróbica num ginásio e frequentei um centro paroquial onde fiz novas amizades», refere.
Esta nova fase começou a trazer um pouco mais de confiança em si mesma e
num futuro mais risonho. O nascimento de uma criança no seio familiar
viria a ser determinante nessa mudança.
«Ver as coisas através do olhar de uma criança que está a ver o mundo
pela primeira vez foi muito terapêutico. Voltei a ter prazer em estar
viva e a apreciar a Natureza e o que me rodeava. Ajudou-me a renascer, a
ver que valia a pena viver», recorda Dora.
Nesta nova fase sentia-se
cada vez mais segura, útil e confiante, e acabou por deixar o apoio
psicológico.
«Estava numa boa fase, tinha dinheiro, tinha feito novas
amizades, saía à noite e deixei de ir ao psicólogo», descreve. Dora ainda não sabia mas revelava-se agora o outro lado da sua doença. «Agora sei que, quando abandonei as consultas, estava numa fase de
hipomania», desabafa.
Estas fases caracterizam-se por um aumento, muitas vezes
incontrolável, da autoestima e do bem-estar geral que levam o doente a
ter comportamentos desadequados e a entrar em estados de euforia, que,
no caso de Dora, se consubstanciam apenas em estados curtos e
momentâneos de mania (hipomanias).
«Eu sou uma bipolar de nível dois que
faz mais crises depressivas e que nunca chego a um pico de euforia,
tenho só apenas umas pequenas hipomanias, para além das alterações
sazonais características da minha bipolaridade», explica Dora.
Ainda assim, durante as fases de mania, antes de estar medicada, Dora
reconhece que chegou a ter comportamentos pouco adequados que prefere
reservar, adiantando só que aconteceram coisas como ser um pouco mais
promíscua e compactuar com atos que nada têm a ver com os seus
princípios e valores morais.
O estigma
Para Dora César a sociedade ainda estigmatiza muito as doenças psicológicas e acredita que isso se deve muito a uma falta de conhecimento. «Se eu disser que tenho um problema canceroso ou cardíaco, está tudo bem, mas quando se passa para o campo mental as pessoas não estão informadas e facilmente nos apontam o dedo», explica.
Devido a más experiências anteriores não fala nem revela facilmente o seu problema. «Tenho dificuldade em confiar nas pessoas e não admito facilmente que tenho bipolaridade, só o faço se entender que a pessoa tem uma mentalidade suficientemente aberta para me ouvir», admite Dora.
Os apoios que tem tido tanto a nível familiar como psiquiátrico, psicológico e da Associação de Apoio aos Doentes Depressivos e Bipolares (ADEB) ajudaram-na muito a ultrapassar as dificuldades e a lidar melhor com a doença. «Tenho um problema, sei identificá-lo e aprendi a lidar com ele muito graças à associação e ao apoio fundamental da minha psicóloga, dos meus pais e do meu irmão», assume.
O lado negro e o lado luminoso
Apesar da medicação
estabilizar e amenizar estas diferenças abruptas de humor, a
bipolaridade leva Dora a viver entre dois lados, um lado positivo e
outro lado muito negativo.
Durante os invernos torna-se numa pessoa
menos sociável e triste. «Se para as pessoas o inverno já é melancólico
e triste, para mim é muito difícil, torna-se doloroso», revela Dora. Depois, com a
chegada da primavera, há como um acordar desse estado de tristeza e
melancolia profundas.
«Sinto-me mais feliz, embora na minha situação
pessoal nada mude. A crise revela-se num bem-estar geral, maior
autoestima, numa vontade de fazer novas coisas e querer conhecer
pessoas, ter mais apetite sexual e alimentar, vontade de sair», conta.
Esta instabilidade dificulta muita a sua vida pessoal e profissional.
Apesar desta dualidade, Dora está bem centrada nos seus objetivos. «Lutar para conseguir controlar as minhas variações de humor, arranjar
um trabalho econseguir mantê-lo e tornar-me totalmente independente, ter
alguém especial que me compreenda e me apoie e assim constituir uma
família, apesar de não querer ter filhos biológicos devido ao carácter
hereditário da doença», refere.
A longo prazo sonha ainda com a possibilidade
de «viajar e conhecer novas culturas». Dora luta por ter uma vida normal e para que os outros a olhem como alguém que possui uma limitação mas que não está incapacitada. «A ideia é aprender a lidar com a doença e a viver com ela e não deixar que sejamos vítimas dela; isso parte de nós, se eu andar sempre a pensar que sou bipolar então aí é que não consigo fazer nada», revela.
Os conselhos de Dora César
- Não passe a vida a pensar que é bipolar.
- Viva a vida.
- Lute pelos seus sonhos e objetivos.
- Procure ajuda. Tire dúvidas com médicos, leia sobre a doença e vá a colóquios.
- Aprenda a controlar a sua ansiedade e viva sem medos.
- Arrisque de forma consciente mas arrisque.
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