Desde muito nova que tive problemas de intestino. Em 2010 fui submetida a uma cirurgia corretiva a uma fístula perianal, que teve como consequência paralela uma perda de tonicidade do esfíncter anal. Simplificando, a perda de tonicidade comprometeu a capacidade em reter ou controlar eficazmente a saída das fezes e daí originou-se aquilo que comumente conhecemos como incontinência fecal.
Só acontece aos “outros”. Esta é uma convicção que nos guia, até o dia em que “nós” passamos a fazer parte do lote dos “outros” e tudo muda de perspetiva. Uma vida que até aqui vulgarmente considerava “normal” sofreu um significativo abanão. A incontinência não é uma condição que gostemos de partilhar. O impacto psicológico é violento: vergonha, perda de autoestima e autoconfiança, receio constante de um odor, de uma mancha na roupa e de um “evento” sem casa de banho por perto.
Ainda fui submetida a uma esfincteroplastia, para tentar resolver o problema, mas foi apenas mais uma cirurgia sem os resultados pretendidos. O meu desejo, obviamente, era conseguir reverter esse cenário. Idealmente, reverter totalmente e deixar para trás esta condição. Não sendo a reversão total possível, pelo menos recuperar uma qualidade de vida que me permitisse também recuperar a confiança e perder os receios. Afinal ainda não tinha 40 anos.
A mudança
Foi isto que consegui graças à aplicação de um neuroestimulador que é colocado nas raízes sagradas, que estimula os nervos sagrados, permitindo dessa forma a resposta esperada – o controlo esfincteriano. Sucintamente, este implante (tipo um “pacemaker”) está ligado ao nervo sagrado e tem como missão fazer a função de controlo e regulação em falta no sistema de um doente que padeça de incontinência.
As melhorias são notórias. Para além de ter recuperado a minha autoestima, e muita da minha qualidade de vida, sinto-me perfeitamente à vontade para falar da minha condição a outras pessoas. Afinal aquilo que só acontece aos “outros” pode acontecer connosco. E mesmo que não aconteça connosco, pode estar muito bem a acontecer com alguém que nos é próximo, amigo ou familiar. Durante este percurso conheci pessoas com o mesmo problema que eu e com causas diversas, desde consequência de sucessivos partos a quedas que comprometeram a região nervosa sagrada.
Todo o meu percurso, do ponto mais baixo ao ponto em que atualmente me encontro, faz-me também perceber que tenho um papel a desempenhar. Tenho, para mim própria, o dever de ajudar a quebrar preconceitos e barreiras sociais para que a incontinência deixe de ser um motivo de reclusão e vergonha. E tenho, para com outras pessoas que sofram do mesmo problema, a obrigação de partilhar a solução encontrada para o meu caso, na expectativa de assim ajudar mais pessoas a encontrarem uma qualidade de vida satisfatória.
Este meu testemunho serve também para anunciar a criação de uma Associação de doentes de incontinência fecal, a primeira em Portugal. Esta Associação, cujo nome será “Associação Calças Brancas”, servirá para unir todos aqueles que sofrem desta patologia, numa partilha de experiências, vivências e, sobretudo, direcionada para difundir e levar às pessoas potenciais soluções.
Para aqueles que me leem e sentem curiosidade em saber mais, deixo o nosso endereço de mail doentesincontinenciafecal@gmail.com.
Joana Paredes, doente de incontinência fecal e futura presidente da Associação de Doentes de Incontinência Fecal.
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