O Movimento Cívico para a Despenalização da Morte Assistida, através do manifesto “Direito a morrer com dignidade”, veio colocar de novo na ordem do dia uma questão social muito antiga e importante, mas ainda hoje pouco debatida em Portugal e talvez por isso pouco compreendida: a morte assistida e o seu enquadramento legal.
Sendo a eutanásia e o suicídio assistido ainda considerados crime pela lei portuguesa, o que agora se veio mais uma vez defender foi a despenalização destas práticas e a sua regulamentação, dentro do princípio defendido pelos signatários do manifesto de que cada cidadão tem o direito a dispor da sua vida e, em determinadas circunstâncias, a pedir ajuda para terminar com ela de forma digna e sem sofrimento.
O que está em causa?
O que se pede é o reconhecimento de um direito, sem que isso signifique que alguém seja obrigado a pedir a morte, que se permita a eutanásia a pedido de terceiros ou que isso implique um menor investimento nas redes de cuidados paliativos e no apoio aos doentes em sofrimento.
Em sentido contrário surgiu entretanto uma “Petição contra a morte assistida (Eutanásia)”, que defende a sua penalização, por entender que “A vida é uma dádiva divina sobre a qual nenhum ser humano tem direito ou o poder de voluntariamente cessá-la” e que “A Morte Assistida entra em conflito e exclui o acesso aos cuidados paliativos e a sua despenalização significa menor investimento nesse tipo de cuidados”.
Os argumentos a favor e contra a morte assistida giram à volta da forma como se encara a vida, a forma de a viver e o modo como ela pode ou deve terminar. Embora nem sempre tenha sido assim ao longo da história da humanidade, hoje toda a gente concorda que o direito a viver é inviolável, mas nem todos concordam que seja “obrigatório” viver, isto é, que a vida seja um dever irrenunciável, ao qual ninguém se pode eximir.
Muitos pensam que cada pessoa, em sua boa consciência, de forma lúcida e na posse de toda a informação possível sobre a sua doença, tem o direito a querer terminar com um sofrimento por si considerado como intolerável (é pior estar vivo que morrer”) e para isso peça ajuda a terceira pessoa (seja ela um médico ou não).
É um assunto “melindroso” e “incómodo”, que mexe com a cultura ocidental, construída ao longo de séculos sobre uma matriz religiosa judaico-cristã (e até islâmica), em que a vida tem um caráter sagrado. Daí que o seu debate seja fraturante, levando muitas vezes a tomadas de posição extremadas, que não facilitam um debate construtivo.
Um pouco de história e reflexão social
No entanto, esta questão não se coloca apenas nas sociedades contemporâneas. A eutanásia e o suicídio assistido eram aceites por muitos povos primitivos (as tribos nómadas, os celtas, os índios sul-americanos, os eslavos e os escandinavos) e foram defendidos e praticados em várias civilizações antigas (na Índia, na Birmânia, na Grécia antiga, no Império Romano…).
Mas, mesmo nesse tempo, havia vozes discordantes, das quais a mais conhecida foi a de Hipócrates, médico grego que há 2.500 anos já se opunha à eutanásia e jurava não dar a ninguém, mesmo para agradar, remédio mortal, nem conselho que induzisse à “perdição”. Esta e outras normas de conduta faziam mesmo parte do famoso “Juramento de Hipócrates”, que este médico impunha aos seus discípulos e que depois foi incorporado (embora com sucessivas alterações) nos preceitos médicos da “medicina ocidental”, especialmente porque se coadunavam com a visão judaico-cristã da sacralização da vida.
Mas as sociedades evoluem, e aquilo que numa determinada época é aceite pode passar a ser proibido e vice-versa. São exemplos desta constante evolução social o fim da escravatura, o direito à propriedade, o direito de voto das mulheres, o direito à educação, o casamento entre pessoas do mesmo género, o direito ao divórcio e ao aborto, o planeamento familiar, a penalização da violência doméstica, a despenalização do consumo de drogas ilícitas, a co adoção, a proibição de venda de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos, os direitos dos animais e tantas outras questões, ao seu tempo igualmente fraturantes, incómodas e melindrosas e que foram sendo incorporadas na lei e na prática social.
E tudo isto sem que o direito de voto obrigue alguém a votar, sem que a uma grávida que não o deseje seja imposto um aborto ou que um jovem vá consumir heroína apenas porque não vai preso se o fizer. Um casal não se divorcia só porque o pode fazer, mas um marido violento não deixa de bater na mulher apesar de isso ser proibido e penalizado. Do mesmo modo, ninguém deve ser obrigado a morrer às mãos de terceiros, embora se possa aceitar que alguém queira deixar de viver e peça ajuda para o fazer.
Saber mais para decidir melhor
Quando se abordam questões tão complexas como esta da morte assistida, o mais importante é que se saiba exatamente de que está a falar e que se conheça o significado dos diversos conceitos envolvidos na discussão. Se muitas pessoas preferem “não saber”, muitas outras procuram “saber mais” para melhor poderem formar a sua opinião.
Por isso importa, de seguida, explicar o que é a morte assistida (e outros conceitos relacionados com a eutanásia e o suicídio assistido), esclarecer algumas questões ligadas à dor, ao sofrimento, aos cuidados continuados e paliativos e às diretivas antecipadas de vontade (Testamento Vital), fazendo, quando necessário, algumas considerações ou comentários sobre os mesmos (sendo certo que a terminologia tem variado ao longo do tempo e que nem todas as definições apresentadas são consensuais nem esgotam o tema).
O significado de cada termo: vários modos de ler a morte
O termo “morte assistida” designa o ato de se antecipar ativamente a morte de um doente em sofrimento intolerável, a seu pedido expresso e utilizando técnicas que não implicam sofrimento para o doente. Neste conceito estão incluídos a eutanásia e o suicídio assistido.
O termo “eutanásia”, proposto em 1623 pelo grande humanista Francis Bacon, vem do grego “eu” (bem, bom, belo) e “thanatos” (morte), o que se poderia traduzir como “boa morte” ou “morte serena, sem sofrimento” e até foi considerada como “morte em estado de graça”. A eutanásia é, na sua essência, a conduta de alguém que deliberadamente causa a morte serena de outrem, a seu pedido e com a finalidade de o libertar de um grande sofrimento provocado por uma doença incurável.
Uma das definições mais recentes de eutanásia é a seguinte: “o ato médico deliberado, voluntário e compassivo de abreviar ou antecipar sem sofrimento e dignamente a morte de alguém que, padecendo de profundo sofrimento físico ou psicológico sem esperança de cura ou de alívio razoável, o solicita reiteradamente de forma consciente, lúcida e informada”. Alguns autores designam este ato como “eutanásia ativa”, por oposição a outras formas possíveis de eutanásia, que se apresentam abaixo.
Apesar de ser aconselhável, não é indispensável (nem é exigida em todos os locais) que a eutanásia seja praticada por um médico, existindo técnicas eficazes ao alcance de outros profissionais de saúde ou até de familiares ou amigos do doente.
A “eutanásia passiva” (ou “ortotanásia”, para alguns autores) consiste na suspensão do tratamento ou dos procedimentos (quimioterapia, antibióticos, soros, transfusões de sangue, administração de oxigénio…) que prolongam a vida de um doente terminal, abreviando-lhe assim a morte. De modo a que o doente morra sem sofrimento, devem manter-se as medidas que visam reduzir a dor.
O termo “ortotanásia”, propriamente dito, significa morte natural ou “morte no tempo certo”, que ocorre pelo livre curso da doença, sem que esta seja tratada. No fundo, é o que se passa quando uma pessoa com uma hemorragia grave recusa uma transfusão de sangue ou um doente oncológico não quer ser operado ou sujeito a quimioterapia, mesmo sabendo que por isso a morte será antecipada.
Hoje em dia já é possível (em Portugal e em muitos outros países) determinar com antecedência que nível de tratamento cada pessoa está disposta a aceitar ou recusar, estabelecendo as suas “Diretivas Antecipadas de Vontade” no Testamento Vital (o que já foi feito por cerca de 2.000 portugueses). Este documento, que pode ser revogado ou alterado a qualquer momento, tem de ser confirmado de 5 em 5 anos e permite ainda a nomeação de um “Procurador de Cuidados de Saúde”, pessoa da confiança do testador, que será chamado a decidir em seu nome no caso dele se encontrar incapaz de expressar a sua vontade de forma autónoma.
A "morte por duplo efeito" ou "eutanásia de duplo efeito" ocorre quando a morte é acelerada como consequência indireta das ações médicas que visam o alívio do sofrimento de um doente, como a utilização de altas doses de analgésicos ou sedativos, que podem agravar uma insuficiência respiratória ou cardíaca ou até provocar uma paragem cardiorrespiratória. Este tipo de procedimentos é atualmente aceite pela Igreja Católica.
A “sedação paliativa” consiste em suavizar, por meio de medicamentos, a dor do doente, diminuindo ou mesmo anulando o sofrimento da pessoa em estado terminal. É um dos pilares da atuação das unidades de cuidados paliativos, que alivia o sofrimento mas não antecipa o momento da morte.
A “distanásia”, também conhecida como “obstinação terapêutica” ou “encarniçamento terapêutico” é o oposto da eutanásia passiva, consistindo em prolongar inutilmente a vida de um doente incurável através de meios artificiais e desproporcionais (terapia fútil), mesmo que com a continuação do sofrimento do doente. Exemplos de distanásia são a reanimação de doentes oncológicos terminais que entram em paragem cardiorrespiratória e a manutenção, sem qualquer proveito para o doente, da ventilação artificial nos estados de morte cerebral. No entanto, pode ser lícito manter estas pessoas vivas durante algumas horas ou dias com a finalidade de manter o seu “corpo” em condições para a recolha de órgãos para transplante.
A distanásia é condenada pelos códigos deontológicos dos profissionais de saúde, pelas comissões de ética e pela generalidade das igrejas, que deixam à ciência médica a definição dos critérios de morte e, em consequência, a definição de quando uma pessoa está viva ou morta.
A “mistanásia”, por vezes designada, embora erradamente, como “eutanásia social”, significa “morte “miserável”, ocorrida fora e antes do seu tempo, por omissão de socorro ou de prestação de cuidados médicos a populações, em geral pobres. A mistanásia tem a ver com o grau de precariedade dos serviços de saúde, que nem sempre têm recursos suficientes para lidar com determinadas doenças físicas ou mentais que, devidamente tratadas, evitariam maiores sofrimentos e mortes prematuras. Dois exemplos: a incapacidade económica de muitos países para suportar os custos do tratamento da sida, da hepatite C ou do cancro e a ausência de meios de socorro adequados para assistência às vítimas de acidentes graves ou catástrofes naturais.
Ainda quanto à eutanásia, existe outra forma de a classificar, conforme a responsabilidade do agente, em “eutanásia voluntária” (executada conforme a vontade do paciente), “eutanásia involuntária” (executada contra a vontade do paciente) e “eutanásia não voluntária” (executada independentemente da manifestação de vontade do paciente).
A “eugenia“, também conhecida como “higienização social” ou “profilaxia social”, consiste na eliminação de pessoas portadoras de deficiências físicas ou mentais, de doentes graves, de idosos em fase terminal ou de quaisquer outras pessoas que, pela sua deficiência, doença, raça ou outra situação sejam consideradas como um fardo para a sociedade ou um risco de conspurcação da “pureza” genética de quem pratica a eugenia.
A eugenia foi prática comum em sociedades primitivas, especialmente as nómadas, que dependiam da mobilidade para a sua sobrevivência e não podiam transportar consigo os doentes e incapacitados, mas também não os queriam deixar ao abandono, expostos aos inimigos e aos predadores. Mais recentemente (e a par de outras técnicas de “limpeza étnica”, como a esterilização forçada ou a proibição do casamento e das relações sexuais entre grupos considerados puros e não puros), foi praticada por regimes totalitários, como sucedeu com o regime nazi.
Uma forma mais alargada de morte seletiva é o “genocídio”, que consiste no assassinato deliberado de pessoas, devido a diferenças étnicas, nacionais, raciais ou religiosas, com vista à eliminação de todas as pessoas pertencentes a esses grupos, existindo ainda controvérsia sobre a inclusão dos motivos políticos e sociais nesta definição. Alguns exemplos de genocídio são os crimes cometidos ao longo dos séculos sobre huguenotes franceses, índios norte-americanos, irlandeses, filipinos, arménios, tibetanos, chechenos, curdos, bósnios ou ruandeses.
O(s) suicídio(s)
O “suicídio assistido“ consiste na facilitação do suicídio de um doente, a seu pedido, quando este doente não consiga suicidar-se sem ajuda. Neste caso, o agente facilitador (profissional de saúde, amigo, familiar…) não provoca diretamente a morte do doente que se quer suicidar, mas coloca ao seu alcance os meios adequados a esse fim, a que ele não conseguia aceder e que lhe permitem morrer sem sofrimento (medicamento em dose fatal, veneno, gás, etc.). No suicídio assistido é o doente que pratica pessoalmente o ato que o vai levar à morte.
Uma definição recente de suicídio assistido é a seguinte: “o ato deliberado e voluntário e compassivo de alguém que, padecendo de profundo sofrimento físico ou psicológico sem esperança de cura ou de alívio razoável, abrevia ou antecipa por si mesmo a sua morte, sem sofrimento e dignamente, sob orientação e/ou assistência médica, após o ter solicitado reiteradamente de forma consciente, lúcida e informada”.
É precisamente o pedido de ajuda a terceiros para morrer de forma digna e sem sofrimento que diferencia a morte assistida do “suicídio” (perpetrado de forma autónoma, sem qualquer ajuda), que atualmente não é considerado crime em Portugal (apenas se considera crime o “incitamento ou ajuda ao suicídio” e a “propaganda do suicídio”).
O termo “suicídio” designa todo o caso de morte que resulta direta ou indiretamente de um ato positivo (enforcamento, tiro na cabeça, inalação de gás tóxico, ingestão de veneno…) ou negativo (greve de fome, recusa de medicamentos essenciais à manutenção da vida, como a insulina num diabético insulinodependente, etc.) planeado, iniciado e praticado deliberadamente pelo indivíduo, ato esse que a vítima sabia dever produzir este resultado (caso contrário seria um “acidente” e não um suicídio). Em conformidade, chama-se “suicida” a todo o indivíduo que se mata intencionalmente.
Uma questão muito importante no suicídio tem a ver com o que o suicida pretende quando se mata. Na maioria dos casos, o suicida, tendo perdido a sua autoestima, os seus apoios externos e a sua capacidade de sofrer, pretende terminar com um sofrimento pessoal (geralmente psicológico) considerado intolerável, para o qual não encontra solução adequada que não seja a de terminar a vida. No entanto, em contexto religioso, político, social ou familiar, o suicídio pode ser considerado altruísta e tomar a forma de ”martírio“ ou de “sacrifício“ por uma causa nobre, como sucede na guerra, nas revoluções, em contextos de fundamentalismo religioso, na defesa da honra pessoal ou alheia ou até para evitar trabalhos a familiares em caso de doença grave.
Uma característica quase universal dos suicidas é a ambivalência: no fundo eles desejariam encontrar uma solução que incluísse a manutenção da vida, mas não acreditam que isso seja possível ou que eles se consigam adaptar aceitavelmente a essa solução de vida futura. Esta ambivalência pode explicar porque é que “falha” a maioria das “tentativas de suicídio”, agora designadas “para-suicídio” (em Portugal calcula-se que existam 30 tentativas falhadas por cada caso de suicídio consumado, o que dá cerca de 30.000 tentativas para cerca de 1.000 suicídios por ano).
Uma pessoa que esteja em grande sofrimento psicológico, e por isso deseje morrer, tem normalmente um desejo paralelo de encontrar outra solução que não a da morte, faltando-lhe apenas os meios ou o caminho para ter o apoio que lhe falta. É neste contexto que essas tentativas falhadas são tantas vezes chamadas de atenção para os problemas vividos pelos doentes e uma forma de criar as pontes que faltam para se chegar às soluções mais adequadas.
É precisamente a questão da ambivalência que tem limitado a aceitação da morte assistida para os doentes com depressão, achando os seus detratores que muitos pedidos de suicídio assistido formulados por estes doentes são mais um grito de revolta e uma chamada muito forte de atenção do que verdadeiramente uma decisão inabalável no sentido do fim da vida. Por outro lado, tem-se verificado que alguns doentes gravemente deprimidos, quando têm a possibilidade de pedir o suicídio assistido, passam a aceitar melhor as propostas terapêuticas e por vezes melhoram o suficiente para retirarem os seus pedidos.
A dor e o sofrimento
A “dor” é uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a danos nos tecidos do organismo, podendo estes danos ser reais ou potenciais. Embora a maioria das situações de dor tenha uma causa objetiva e até quantificável (picada, corte, contusão, calor, frio, agente químico, infeção, compressão, espasmo…), a sensação de dor é sempre subjetiva, variando muito de pessoa para pessoa e até numa mesma pessoa, consoante as circunstâncias.
As dores agudas (que duram até 3 a 6 meses) são geralmente “úteis”, quase sempre sinais de alerta para perigos ou doenças, fazendo parte dos nossos sistemas de defesa: se não sentíssemos dor com a proximidade de um objeto quente, não nos afastaríamos dele até nos queimarmos, se não tivéssemos dores de garganta não desconfiaríamos de uma amigdalite…
As dores crónicas (que duram mais de 3 ou 6 meses) são geralmente “inúteis”, passando muitas vezes a ser experiências devastadoras e alienantes, que reduzem de tal forma a qualidade de vida que podem obrigar a tratamentos agressivos (farmacológicos ou cirúrgicos) e até levar à vontade de morrer para terminar com o sofrimento que acarretam.
Quer a dor seja “nociceptiva”, somática ou visceral (originada nos recetores mecânicos, térmicos ou químicos da área que sofre uma lesão ou agressão) ou “neuropática” (provocada por uma lesão ou doença do próprio sistema nervoso), ela tem sempre de ser transmitida até ao cérebro, moldada por hormonas (estrogénios, testosterona, endorfinas…), pelas experiências anteriores de dor e até por influências sociais e culturais, e depois percebida pelas estruturas cerebrais, que lhe darão a sua “forma final”, mais ou menos intensa.
Existe ainda uma forma de dor não baseada em causas orgânicas, a “dor psicológica ou psicossomática”, que é rara e difícil de tratar. Sendo de origem emocional, é muito difícil de confirmar, embora seja tanto ou mais incapacitante que as outras formas de dor.
Apesar de existirem escalas de dor (numéricas, analógicas, cromáticas…) e de se fazerem “diários da dor”, ainda não é possível registar objetivamente, medir ou quantificar uma dor nem o efeito dos tratamentos analgésicos sobre a sua intensidade, ficando sempre um espaço muito amplo de subjetividade na sua apreciação.
É este campo subjetivo que dá margem a que se possa aceitar que uma certa pessoa, em determinadas circunstâncias, entenda que a sua dor é intolerável e que o sofrimento que ela gera não é aceitável, podendo então surgir a eutanásia e o suicídio assistido como portas de saída, radicais e definitivas para o problema, mesmo que outras pessoas achem que a dor está controlada e o sofrimento é tolerável.
Se a dor é uma experiência tão subjetiva (apesar da sua origem ser quase sempre objetiva), o que se poderá dizer do “sofrimento”? O sofrimento é uma interpretação mental de algo desagradável que nos acontece, é uma experiência aversiva e a sua emoção negativa correspondente, é o oposto do prazer.
Quer a origem do sofrimento seja física ou psicológica, quer ele seja provocado por uma dor, pela perda de um familiar querido ou por um desgosto de amor, o resultado final é sempre uma sensação de desprazer que apenas pode ser sentida por quem sofre. Tal como o amor, a raiva, a inveja e tantas outras emoções, o sofrimento cabe apenas no interior de cada um, numa esfera individual a que ninguém de fora tem acesso real.
Em jeito de conclusão
Inevitável realidade social, a discussão sobre a eutanásia e o suicídio assistido está na ordem do dia. É um assunto que exige uma reflexão profunda (social, cultural, religiosa) por parte de todos os intervenientes, a começar por cada um dos cidadãos e a acabar na classe política e nos profissionais de saúde.
Terá ainda de se fazer uma discussão jurídica propriamente dita, relativa à possibilidade de se legislar ordinariamente sobre a despenalização da morte assistida, à necessidade de se fazer um referendo sobre o assunto e até às possíveis formas de se encarar o bem jurídico “vida” e de o enquadrar nas outras “liberdades, direitos e garantias” constitucionalmente definidas.
Por ser uma matéria tão “sensível”, quando então um dia for necessário legislar, então exigir-se-á que se faça uma legislação específica e uma regulamentação apropriada, capazes de evitar abusos e ao mesmo tempo de acompanhar os avanços da medicina e da sociedade.
Até lá, espero que ninguém se coloque de fora do espaço de reflexão que uma cidadania consciente e participativa exige de todos.
Por Viriato Horta, Médico Especialista em Medicina Geral e Familiar, Clínica Europa Carcavelos
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