Não sente que anda mais esquecido? As vidas agitadas dos dias de hoje, associadas a menos descanso e maiores situações de stress, estão a contribuir para um aumento generalizado de alterações e perturbações da memória.
O seu agravamento acaba por conduzir a demências e a situações de declínio das capacidades cerebrais que acabam por condicionar e afetar negativamente a qualidade de vida de quem sofre deste problema.
Este tipo de situação tem a agravante de ser frequentemente confundido com os processos normais de envelhecimento, provocando atrasos indesejáveis no diagnóstico. Para contrariar esta situação, abriu, em março de 2012, a Unidade de Neurocognição e Demências (UniNeD) do Hospitalcuf Porto, uma unidade de intervenção multidisciplinar inovadora no domínio das demências e problemas de memória em Portugal.
Em entrevista à Prevenir, o neurologista João Massano, coordenador da UniNeD, realça a importância de diagnosticar atempadamente este tipo de problemas, enuncia as principais causas de problemas de memória e demências e critica o tipo de tratamentos atualmente disponíveis. «Atuam em processos muito tardios», lamenta.
Que métodos existem para detetar problemas de memória? Quais os meios de diagnóstico mais utilizados?
Os problemas são detetados e diagnosticados ao longo de um processo que envolve a entrevista clínica e o exame neurológico realizado na consulta, que são complementados com a realização de avaliações formais de memória recorrendo a escalas e testes apropriados, que são aplicados por pessoas com experiência nesta área, podendo desta forma interpretar devidamente os resultados.
Em seguida, são geralmente realizados alguns exames complementares de diagnóstico com o objetivo de rastrear causas específicas de défices cognitivos, nomeadamente tomografia computorizada ou ressonância magnética cerebral, bem como análises de sangue relevantes.
Qual é a importância de um diagnóstico precoce?
O diagnóstico precoce é fundamental para que seja possível começar o tratamento cedo no curso da doença, de forma a garantir a otimização da qualidade de vida das pessoas afetadas e suas famílias. Por outro lado, permite às pessoas tomarem decisões importantes relativamente ao futuro das suas vidas, o que poderá não ser possível mais tarde de uma forma eficaz, nomeadamente no que se refere aos negócios, aos testamentos, à gestão dos bens...
Estudos internacionais comprovam que as alterações de memória são cada vez mais frequentes. Que fatores contribuem para esta tendência?
O fator mais importante é, sem dúvida, o envelhecimento progressivo da população. Esta situação tem vindo a suceder nos países industrializados ou em desenvolvimento.
Por outro lado, é possível que a prevalência crescente de fatores de risco vascular sob controlo deficiente contribua também para esta situação.
O facto de as falhas de memória decorrerem do processo normal de envelhecimento atrasa o processo de diagnóstico. Como conseguimos perceber que estamos a atingir um nível que pode ser mais problemático?
A performance cognitiva é diferente consoante a idade dos sujeitos mas não é de esperar um declínio relacionado com a idade que interfira com as atividades normais da vida das pessoas. Um idoso saudável é capaz de fazer compras como sempre fez e andar no autocarro como sempre andou. Existem alguns sinais de alerta que podem trazer a suspeita de um declínio preocupante das capacidades mentais. Essa lista está disponível aqui.
Quais são as principais causas da demência? Em termos neurológicos, quais são os mecanismos que estão na sua origem?
As principais causas de demência são a doença de Alzheimer e a demência vascular, provocada por acidentes vasculares cerebrais. Existem outras causas como a demência com corpos de Lewy, a demência fronto-temporal e a doença de Parkinson, para citar algumas das mais importantes.
Nas pessoas jovens, os traumatismos cranianos são também uma causa de relevo no nosso país. Cada uma destas situações provoca destruição neuronal em regiões específicas do cérebro, produzindo desta forma sintomas que são relativamente típicos da doença subjacente.
De que forma podemos inverter essa situação? De que forma podemos prevenir a demência e a partir de que idade?
A demência previne-se desde cedo na vida e a melhor forma de o fazer é adotar um estilo de vida saudável e inteletualmente ativo que estimule o cérebro.
É importante ter uma alimentação regrada, com pouco sal e baixo consumo de gorduras saturadas e álcool, bem como fazer exercício físico de forma regular e evitar consumo de tabaco e outras substâncias maléficas ao organismo.
Não existem estratégias comprovadamente eficazes baseadas no consumo regular de medicamentos.
Em que consiste o projeto pioneiro integrado na Unidade de Neurocognição e Demências do Hospitalcuf do Porto, ao qual está ligado? Que novidades traz ao nível da reabilitação cognitiva?
Na UniNeD, trabalhamos de forma concertada no sentido de diagnosticar de forma correta casa situação que se nos depara, nomeadamente qual a causa da demência, as repercussões práticas e qual a melhor estratégia terapêutica. A reabilitação cognitiva é mais um aspeto que contribui para a manutenção ou melhoria de capacidades mentais da pessoa com demência, baseando-se em exercícios específicos de treino e estimulação.
Quais são os tratamentos mais adequados para a demência? Como atuam?
Hoje em dia existem essencialmente quatro medicamentos com eficácia comprovada no tratamento da maioria das demências: donepezil, rivastigmina, galantamina e memantina. Estes atuam aumentando a eficiência da transmissão de sinais entre os neurónios, o que se repercute numa melhoria clínica. Cada doente tem um perfil próprio, pelo que a escolha da medicação deve ser personalizada.
Em termos terapêuticos e/ou farmacológicos, quais as lacunas em termos de tratamentos que ainda existem atualmente? O que é que, na sua opinião, deveria ser prioritário?
Os tratamentos atuais atuam em processos muito tardios na cadeia de eventos que conduz à demências.
A investigação deve ser concentrada em medicações que tenham o poder de, de uma forma eficaz e segura, modificar o curso da doença atuando nos processo que primariamente levam ao desenvolvimento da doença.
Cada situação tem por base processos patológicos próprios, pelo que será necessário desenvolver fármacos específicos para cada doença. Por outro lado, deveria ser dada ênfase especial à prevenção, nomeadamente através de campanhas que estimulassem um estilo de vida saudável e ativo. Se nenhum destes objetivos for perseguido, corre-se um sério risco de colapso futuro dos sistemas de saúde e segurança social e, em última análise, da própria sociedade.
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