Novas investigações indicam que o risco de padecer de doenças cardíacas na idade adulta pode ser prevenido e reduzido desde a infância.
É, contudo, possível apostar na prevenção muito precocemente e evitar complicações cardiovasculares mais tarde. Basta ter uma série de cuidados.
O aumento dos níveis de colesterol, o incremento da obesidade e as altas estatísticas do sedentarismo na população portuguesa há muito conduziram a investigações que defendem a necessidade de prosseguir uma dieta saudável, praticar exercício físico diário, vigiar o peso e abandonar substâncias tóxicas como o tabaco e o álcool. Mas a prossecução de hábitos de vida saudáveis deve realizar-se o quanto antes. Desde a infância. A explicação é simples.
O colesterol e os triglicéridos elevados, a hipertensão, o excesso de peso e outros factores até há pouco tempo associados à idade adulta e determinantes para desencadear patologias cardiovasculares, afectam cada vez mais as crianças e os adolescentes.
Assim, evitar-se-iam os riscos cardiovasculares dos nossos tempos. «Muitos doentes já estão a desenvolver doenças cardiovasculares aos 20 e 30 anos.» A afirmação é de Fernando de Pádua, cardiologista sobejamente conhecido pelos alertas que faz desde há décadas para a importância da prevenção das doenças cardiovasculares.
O presidente do Instituto Nacional de Cardiologia Preventiva caracteriza os sub-20 como aqueles a quem se deve alertar para os perigos da falta de prevenção desde cedo. «As crianças devem ser informadas, nomeadamente sobre o tabaco, o risco do consumo de álcool e a importância de praticar exercício físico, pois só assim poderão tomar decisões informadas», explica.
Promover o controlo
Recentemente, a Associação Americana de Cardiologia começou a recomendar que se medisse a tensão arterial às crianças a partir dos três anos de idade e o colesterol no sangue aos cinco. A mesma associação alerta ainda para a importância de realização de análises aos níveis de colesterol aos meninos desde os dois anos de idade se os seus pais tiverem sofrido alguma doença cardíaca ou vascular antes dos 55 anos de idade ou se os seus progenitores tiverem os níveis de colesterol superiores a 240 mg/dl.
Recomendações que vão ao encontro dos sucessivos alertas de Fernando de Pádua: «Os pais devem medir a tensão arterial às crianças por decisão dos pediatras mas também devem ser eles a questionar os especialistas neste sentido. Neste momento, já existem muitos pediatras sensibilizados para esta prática. Os pediatras devem assumir este problema, porque correm o risco de estar a fabricar doentes se não tiverem em conta este tipo de prevenção.»
Actualmente, há evidências de que a acumulação de placas de gordura nas artérias (ateroesclerose) começa na infância, não aos 50, 60 anos. Prova disso são as autópsias feitas em crianças perecidas em acidentes. Outros estudos realizados em jovens soldados que morreram em guerras na Coreia ou no Vietname demonstram que muitos dos que tinham cerca de 20 anos sofriam de princípio de aterosclerose.
São cada vez mais os especialistas que estão de acordo com a existência de uma relação entre os níveis de colesterol e de outras gorduras no sangue durante a infância e o grau de aterosclerose. Na verdade, as crianças e adolescentes que têm níveis elevados de colesterol são mais propensas a esta doença quando atingem a maioridade. Fernando de Pádua corrobora estes estudos ao afirmar que «a aterosclerose é uma doença pediátrica».
E sublinha: «Esta é uma frase que costumo afirmar e que choca muitas pessoas. Esta doença começa na infância. Chegados aos 20, 30, 40 anos, alguns jovens têm precocemente um enfarte de miocárdio ou um AVC e ficam muito espantados mas, na verdade, alimentaram esta doença desde a infância».
Quando deve preocupar-se?
O nível de colesterol nas crianças e jovens dos dois aos 19 anos deve ser inferior a 160 mg/dl e o LDL (mau colesterol) deve ser inferior a 110 mg/dl. O nível total de colesterol superior a 200 mg/dl e os níveis de LDL superiores a 130 mg/dl são considerados altos.
«Antigamente, o valor de colesterol total considerado normal era 240. Hoje, este valor é um alerta vermelho», defende o cardiologista. No que diz respeito à pressão arterial, é mais dif ícil de fornecer dados categóricos.
Por norma, os valores tensionais das crianças são mais baixos que o dos adultos, mas variam dependendo da idade, da altura e do peso (até aos 10 anos, está entre 6 e 8, dependendo do seu percentil). Se quiser saber quais os valores ideais para o seu f ilho, consulte o pediatra. De qualquer forma, o alerta para os factores de risco deve começar cada vez mais cedo.
«Muitas vezes, os pais têm dificuldade em deixar de fumar e a nossa aposta vai para as crianças, que já assumem hoje o papel de veiculador de mensagens. Muitas delas têm o poder de fazer com que os pais deixem de fumar», salienta Fernando de Pádua. Conhecido pelas frases originais e que chamam a atenção de todos nós, afirma no decorrer da entrevista, relativamente ao tabaco, que a consciência deve começar de pequenino.
«É muito fácil não fumar. O melhor é não começar!», diz parafraseando a Organização Mundial de Saúde e justifica a afirmação: «Ninguém sabe quando começa a fumar por brincadeira se se vai transformar em fumador. Os que ficam presos ao vício do tabaco, percebem mais tarde o quanto vão gastar em tratamentos para deixar de o ser.» E para as mulheres que pensam que vão engordar logo após o abandono do vício do tabaco, é necessário sublinhar que a ideia é errada.
Os ganhos em saúde são notórios. «Antigamente, mandavam-se os miúdos para o campo passar férias. Vinham com mais três, quatro quilos porque ao respirarem o ar puro, ficavam com mais apetite e ganhavam mais saúde. O tabaco, só por si, lesa a mucosa gástrica e provoca uma gastrite. Logo, ao deixar de fumar, é provável que a pessoa fique com mais fome. Nesse caso, há que intervir, prevenindo outros factores de risco e começar por seguir uma alimentação saudável e fazer mais exercício», explica Fernando de Pádua.
«Felizmente, os nossos autarcas têm sido sensíveis a esta mensagem. Já
não há terra onde não existam locais adequados a grandes passeios ou
caminhadas. Os pais devem lutar pela vida com menos actividade
stressante. Quando se trabalha toda a semana, é necessário descansar, e o
melhor descanso é através do convívio com a Natureza», defende o
cardiologista.
Para Fernando de Pádua, o sedentarismo é o factor de
risco mais prevalente «e, potencialmente, o mais rentável pois, quando
corrigido, modifica todos os outros factores de risco».
Podem tomar medicamentos?
Ainda que a Agência Nacional do
Medicamento dos Estados Unidos da América tenha aprovado em 2002 o uso
de estatinas (actualmente, os fármacos mais eficazes para controlo do
colesterol) para rapazes com mais de 10 anos que não reduziram os
níveis de colesterol com dieta e exercício ou para filhos de pais que tenham tido um
acidente coronário antes dos 40 anos, a sua utilização é ainda
altamente controversa e, pelo contrário, não se recomenda o uso destes
medicamentos nas meninas antes do aparecimento da menstruação pela
primeira vez.
Em geral, os pediatras apostam no tratamento de
crianças com colesterol elevado causado por antecedentes familiares (o
que se conhece como hipercolestorolemia familiar por afectar mais de um
membro da família devido a causas genéticas) com os procedimentos
convencionais: dieta baixa em gorduras e prática de exercício físico.
As
crianças respondem muito bem a estas medidas, reduzindo os níveis de
colesterol entre os 15 e os 25 por cento. Estas medidas referidas podem ser
iniciadas por volta dos três anos de idade. A alimentação deverá
ser pobre em gorduras sem esquecer, no entanto, que é necessário manter o
aporte nutricional e calórico necessário para o correcto
desenvolvimento do organismo.
Se, com estas medidas
convencionais não se conseguir reduzir os níveis elevados de colesterol
na infância, pode recorrer-se então ao uso de ácidos biliares que actuam
directamente no intestino, sem serem absorvidos, arrastando o
colesterol para fora com as fezes. Em geral, as crianças toleram melhor
tal medida do que propriamente os adultos.
Sedentarismo em excesso
Portugal e Polónia são os países com as crianças mais gordas da Europa. Muitas das estatísticas devem-se aos erros dos pais. Como responsável directo da obesidade, além das horas intermináveis à frente do televisor ou a jogar videojogos, entra o sedentarismo, considerado por Fernando de Pádua, como a doença do século XXI.
Cerca de 80 a 90 por cento de pessoas, em Portugal, não praticam qualquer actividade física. «Com o exercício, gastamos as tais calorias que o melhor apetite consegue aumentar.
E, muito importante, diminuímos o stress. Não há melhor pílula calmante do que um bom passeio a pé. Portugal é um país de deprimidos e a actividade física diminui estados depressivos», alerta. É, por isso, fundamental promover o exercício físico diário nas crianças. Pode convencê-las com desportos ou actividades ao ar livre, em particular ao fim de semana, quando o maior tempo disponível permite agendar actividades físicas para toda a família.
A dieta mediterrânica
Fala-se nela há 40 anos. Um cardiologista americano veio para a Europa pesquisar porque é que os europeus morriam menos de doenças cardiovasculares.
Chegou-se à conclusão que, no Sul da Europa, as pessoas comiam mais vegetais e fruta, usavam mais o azeite e tinham uma vida mais activa que nos EUA e no Norte da Europa, onde se notava o consumo de muito mais manteiga e queijo e cada vez menos vegetais, fruta e actividade física.
A dieta mediterrânica enquanto opção de vida saudável ganhava assim crescente interesse e fundamento científico. Um ensinamento que vale a pena continuar a passar de geração em geração.
Lanches saudáveis entre as refeições
Para que o coração dos seus filhos seja saudável, eles devem aprender a fazer escolhas saudáveis também entre as refeições principais. Estas são algumas das indicações que lhes deve transmitir:
- Diga adeus ou diminua o consumo de snacks, nomeadamente de pacotes de batatas fritas e de bolos com chocolate. Fazem as delícias das crianças (até porque desde sempre lhe foram apresentados como boas recompensas) mas são prejudiciais ao coração.
- Aposte em frutos secos ou naturais. As nozes, as amêndoas, cubos de morangos, bananas e cenouras cruas são uma excelente opção.
- Uma sessão de cinema caseiro sem pipocas não combina! Prefira sempre as pipocas caseiras, cozinhadas num tacho com um fio de azeite. Se optar pelas de microondas (pouco benéficas para o coração), escolha as que, no rótulo, indiquem que não têm adição de sal nem gorduras vegetais hidrogenadas, as perigosas gorduras trans.
Reduza o consumo de sal
Os portugueses usam e abusam do consumo de sal. Consomem cerca de 15 gramas de sal quando não se deve ingerir mais de cinco.
«Daí que eu aconselhe a qualquer doente hipertenso que faça um doseamento de urina de 24 horas para ter o cálculo de sal que ingere durante o dia e, se o resultado for mais de 5 gramas, é demais», salienta Fernando de Pádua.
Para o especialista, é fácil reduzir gradualmente o consumo de sal.
Basta ir substituindo-o pouco a pouco (para ir habituando o paladar) por ervas aromáticas. «É fácil, em dois a três meses, já estar a comer sem sal», afiança o conhecido médico. Comece já hoje e verá a diferença daqui a poucos meses.
Proteínas e gorduras boas
Uma das formas de ajudar as crianças
a manter um coração em forma é ensinarlhes alguns conceitos fáceis de
Nutrição. Se preparar uma refeição saudável que a criança não gosta da
primeira vez, seja paciente. Normalmente, pode demorar três a cinco
tentativas até que a criança se habitue a algo novo.
Conselhos práticos
- O frango pode ser um verdadeiro salva-vidas. É um alimento que as crianças gostam muito e, se lhe remover a pele e não adicionar sal, pode
ser saudável a nível cardiovascular. Terá proteínas sem gordura.
Sirva-o assado, com massa integral e cenouras salteadas. Jantar resolvido!
- O salmão é uma boa gordura e um dos peixes que os pequenos melhor
toleram. Assado no forno ou grelhado, acompanhado de um sumo de laranja
natural, será muito bem recebido pelo seu filho!
- «Criança gorda não é uma criança saudável. Invente formas de tornar os
alimentos agradáveis às crianças.
Convide-as para cozinharem consigo e
dê largas à imaginação!», aconselha Fernando de Pádua. É uma boa
alternativa para que comecem a sentir interesse e apetite pelas
refeições que ajudaram a preparar.
- Experimentem novos temperos com ervas aromáticas ou pedaços de fruta,
em substituição do sal. «O sal favorece a pré-hipertensão e a tensão
alta, por isso não se devem habituar a ele», alerta o cardiologista.
Fruta natural, em pedaços ou em bebida
- Tenha fruta sempre à mão. Aos mais pequenos, ofereça-lhe peças prontas a comer: lavadas ou cortadas aos bocadinhos. Ficará surpresa com a velocidade com que as crianças as comem. Maçãs, pêras, uvas, tangerinas. Eles adoram e que bem que fazem!
- Se, ainda assim, sentir resistência por parte dos mais pequenos para comer fruta, prepare sumos naturais com polpa e com pele (lavada) ou batidos para beber no momento. Em vez dos sumos de pacote, dê largas à imaginação. Misture diferentes tipos de fruta e adicione leite.
- Permita os doces que sejam naturais, baixos em gordura e caseiros. Faça os seus próprios gelados ou sorvetes com leite magro. Prepare um bolo, pão ou biscoitos caseiros, cozinhados com óleo de girassol e farinha integral.
Texto: Cláudia Pinto com Fernando de Pádua (cardiologista e presidente do Instituto Nacional de Cardiologia Preventiva)
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