Está enraizado nos nossos hábitos culturais que “o café faz subir a pressão arterial e que os hipertensos não devem beber café porque pode agravar a doença hipertensiva”, afirma o Prof. Gorjão Clara, professor da Faculdade de Medicina de Lisboa e especialista europeu em hipertensão. Este é um entre os muitos mitos contemplados nas conversas sobre café e que abordamos neste artigo. A ingestão de café “aumenta a frequência cardíaca, o tremor, a ansiedade, os movimentos intestinais, a insónia, aos que o tomam pela primeira vez ou das primeiras vezes”. Estes efeitos iniciais desaparecem gradualmente à medida que a ingestão se vai tornando crónica.

Quem bebe e gosta de café, por vezes comenta: “Eu gosto muito de beber café, mas não o faço porque sinto taquicardia, ansiedade, aumento dos movimentos dos intestinos, e tira-me o sono. E como gosto muito, mas tenho todas estas reacções, só o bebo de vez em quando.” Ou seja, muitas destas pessoas que ingerem café têm estes sintomas “porque surge sempre o efeito da primeira vez. A esmagadora maioria dos homens e das mulheres tem capacidade para gerar mecanismos de destruição dos componentes do café, dos quais a cafeína é o mais importante”, acrescenta Gorjão Clara.

Apesar desta realidade, algumas pessoas são incapazes de produzir enzimas, que são estimuladas pela ingestão do café. “Nestas, o café é sempre responsável pelos efeitos acima descritos.” A esmagadora maioria dos consumidores de café pode beber com regularidade sem ter os inconvenientes das primeiras ingestões. Gorjão Clara garante que “o café não faz subir a pressão arterial senão nas primeiras ingestões”. O mesmo se passa com a tensão baixa. “Beber café para aumentar a tensão arterial só resulta se o consumo de café não for habitual”, diz-nos o especialista europeu em hipertensão.

São estas informações enraizadas que originam todas estas ideias contraditórias. “Como a pressão arterial sobe com a ingestão de café em pessoas que não o costumam ingerir, gerou-se o conceito de que o café faz sempre subir a pressão arterial, que aumenta a frequência cardíaca e que é mau para o coração. E não é. Em média, passados cerca de três dias a ingerir café, o organismo habitua-se”, salienta Gorjão Clara.

Da mesma forma, existem estudos recentes que apontam o café como útil na prevenção do Parkinson, para uma menor incidência de Alzheimer nos bebedores crónicos de café e para “o aparecimento mais tardio da diabetes tipo 2 (porque a nossa capacidade de produzir insulina com qualidade vai diminuindo à medida que envelhecemos)”.

O café e os medicamentos

Desengane-se quem pensa que o café é prejudicial na toma de medicação. “Existem determinados tipos de medicamentos que são interferidos por outros factores, tais como o tabaco. Se um paciente fumar, pode interferir ou anular o efeito do um tipo de medicamento que se prescreve para a hipertensão ou doença coronária”, explica o professor da Faculdade de Medicina de Lisboa. Muitas das pessoas que bebem café associam-lhe um vício terrível, que é fumar. Há um quadro de Almada Negreiros que retrata Fernando Pessoa à mesa do café com um cigarro na mão e uma chávena de café em cima da mesa, que destaca a ligação entre os dois.

No que respeita aos fármacos anti-hipertensores, “o café não anula o seu efeito”. Para os doentes hipertensos, a boa notícia é a de que “podem beber até três cafés por dia”. No entanto, quando se relaciona a hipertensão com a diabetes, o panorama muda. “A hipertensão e a diabetes caminham lado a lado”, afirma Gorjão Clara. As duas doenças andam muitas vezes associadas. Por exemplo, se o leitor bebe cinco cafés por dia, coloca cinco pacotes de açúcar no café.” Colocar açúcar é seguramente um factor grave para a saúde. “Eu aconselhava as pessoas a beber café, mas sem açúcar”, afirma Gorjão Clara.

Malefícios do café

O café é irritante para a mucosa gástrica. “Há pessoas que têm determinada doença gástrica, cujo consumo de café pode agravar os sintomas. Depois, há o referido pequeno grupo de pessoas que são intolerantes e que podem ter uma contra-indicação relativa”, salienta o especialista.

A cafeína é uma substância biologicamente activa, que dá dependência. E a dependência manifesta-se através daquilo que todos os consumidores sentem: “Tenho de ir beber um café.” As pessoas precisam de café porque se habituaram “e o cérebro tem receptores prontos para o café que, quando a concentração baixa, nos pedem a sua ingestão. A pessoa que deixa de beber café fica com dores de cabeça. Há quem refira que tem uma enorme dor de cabeça durante o dia ou a noite e que desconhece que esta queixa pode resultar do intervalo muito longo entre a ingestão de duas chávenas de café.– é a chamada síndrome de privação de cafeína”, salienta Gorjão Clara.

Propriedades do café poderão reduzir o risco de cancro do fígado

O café, com o seu sabor, cheiro e cafeína, é um dos grandes prazeres da nossa sociedade e rotina diária de milhares de pessoas em todo o mundo para iniciarem o dia. A sua composição é muito complexa, misturando milhares de componentes químicos, sendo a cafeína a substância activa e o principal elemento.

Um relatório emitido pelo Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência (CEMBE) da Faculdade de Medicina de Lisboa revela que a ingestão moderada de café pode reduzir o risco de cancro hepático. De acordo com os investigadores deste centro português, esta conclusão pode ser explicada pelas quantidades consideráveis de antioxidantes que o café possui, que têm propriedades inibidoras da carcinogénese hepática, pelas acções anti-inflamatórias do café, que podem reduzir o efeito que a doença hepática crónica provoca na estrutura morfológica e funcional do fígado (fibrose e cirrose), ou pelo ferro, que é um conhecido carcinogénio hepático (os doentes com hemocromatose têm um risco elevado de CHC), pelo que a ingestão aumentada de compostos de polifenol existentes no café poderá manter um status de baixo armazenamento hepático de ferro, com diminuição de CHC.

De salientar que o carcinoma hepatocelular (CHC) é o tumor maligno primário mais comum do fígado e uma das neoplasias de maior incidência mundial. Este cancro manifesta-se habitualmente no contexto de doença hepática crónica, especialmente na infecção pelo vírus das hepatites B e C e em doentes com cirrose hepática. De acordo com o relatório do CEMBE, a ingestão de três a quatro chávenas de café por dia pode diminuir adicionalmente o risco de doença hepática e de cirrose.

Texto: Cláudia Pinto

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