Apesar de se tratar de uma doença prevenível e curável, a tuberculose mantém-se como uma verdadeira tragédia global. A nível mundial, foi responsável por dez milhões de novos casos, com 1.5 milhões de óbitos, apenas durante o ano de 2020. Estes números colocam a tuberculose como a segunda causa de morte mundial por doenças infeciosas, apenas precedida pela Covid-19.
Criada há mais de 100 anos, a vacina de Bacille Calmette-Guérin (BCG) tem problemas de produção e distribuição, que condicionam o seu acesso a quem mais dela beneficiaria. Foi inclusive, um dos motivos que levou alguns países, incluindo o nosso, a vacinar apenas grupos de risco, durante a crise dos stocks e cadeias de distribuição da BCG em 2014-16. Apesar de ser responsável por milhões de vidas salvas, a vacina oferece uma proteção de apenas 70-80%, pelo que se torna necessário e urgente, o investimento em novas vacinas contra a tuberculose, de forma a oferecer efetividades mais robustas.
A tuberculose é uma doença da pobreza. Como tantas outras, é nos mais pobres e excluídos, que a doença mais se propaga e mais severidade apresenta. Esta distribuição assimétrica, é observável não só nas populações de cada país, como nas comparações internacionais. Países de menor rendimento, ou com sistemas de saúde sem base universal, produzem mais pessoas doentes com tuberculose. Aumentar o investimento e os recursos disponíveis no combate à doença, é uma forma moralmente justa de reduzir as desigualdades na sociedade, concedendo oportunidades para que todos possam atingir o seu potencial.
Não pode ser ignorado a ligação entra a tuberculose com outra pandemia silenciosa: o HIV. A relação não é nova, mas nunca é demais lembrar que países com maiores taxas de prevalência de HIV, possuem igualmente prevalências mais elevadas de tuberculose, como a Ucrânia ou África do Sul. Portugal, embora com valores bastante inferiores, é igualmente uma evidência desta perigosa e fatal relação na Europa Ocidental. Não só a tuberculose se torna mais fatal em conjunto com o HIV, como pela influência dos determinantes sociais da saúde, cria oportunidades à génese de novas mutações e resistências. O combate à tuberculose não pode ignorar estas relações, nem a poderosa influência que os determinantes sociais produzem nesta dinâmica. Sem uma abordagem integrada, entre o setor saúde, setor social e poder local, qualquer resposta ficará sempre aquém das expectativas.
Precisamos de mais financiamento e interesse político. As lições que aprendemos com a Covid-19 podem ser mobilizadas para o combate à tuberculose. O combate às doenças infeciosas, não pode resumir-se a ser apenas um objetivo secundário das políticas publicas de saúde. Precisamos da criação de novos métodos e processos de diagnóstico precoce, investimento em novas vacinas e tratamentos, em conjunto com campanhas de sensibilização e abordagem transdisciplinar aos determinantes sociais da saúde.
Em 2020, toda a Europa reportou uma diminuição de 24% do número de notificações de novos casos de tuberculose. No entanto, não são números que nos levem a celebrar. Uma redução tão acentuada, num curto de espaço de tempo, sem que nada de estrutural tenha sido alterado, é mais consequência da disrupção dos sistemas de vigilância e diagnóstico, devido ao impacto da Covid-19, que propriamente uma vitória sobre a tuberculose. É preocupante, pois significa que muitos casos ficaram por diagnosticar e tratar, que se irão traduzir em novas cadeias de transmissão. Em Portugal o investimento necessário é essencial para, numa primeira fase, recuperar o controlo da doença, e posteriormente, conseguir igualar os números apresentados na restante Europa ocidental.
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