Desde a tomada de posse de Ana Sofia Antunes como secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, notou-se um especial enfoque nesta população: ativação de descontos na CP, novos balcões de atendimento para pessoas com deficiência, prioridade nas filas de espera, promessa de fundos de vida independente… Como é que avalia esta evolução?

Domingos Rosa, presidente da Fundação AFID Diferença

Domingos Rosa: A atuação da Drª. Ana Sofia Antunes tem sido muito boa. O seu esforço para melhorar os serviços de apoio às pessoas com deficiência tem sido notável, esforçado. As questões associadas às restrições orçamentais têm-na impedido de fazer mais e melhor.

Ela é conhecedora das necessidades das pessoas com deficiência, até porque vive o problema na primeira pessoa, mas a situação económica e financeira do país não deixa margem de manobra para melhorar os níveis de apoio e, consequentemente, a qualidade de vida das pessoas com deficiência. Em geral, a nota do seu ainda curto mandato é altamente positiva.

Portugal ainda tem um longo a caminho a percorrer na busca pela equidade?

Domingos Rosa: Sim. As necessidades começam logo na infância, nomeadamente na quase inexistência de intervenção precoce para as crianças com deficiência. Apenas se conhecem alguns bons projetos e não existe nada estruturado e consolidado. A articulação da Segurança Social, Saúde e Educação nesta matéria está estagnada, para não dizer nula. Fala-se na centralização deste tipo de intervenção na Segurança Social, mas o papel da Saúde é fundamental, pois o primeiro contacto com esta problemática acontece, na generalidade, nos hospitais aquando do nascimento das crianças.

No que diz respeito à educação especial, as confusões são muitas e a intervenção é deveras insuficiente. Os CRI (Centros de Recursos para a Inclusão) são modelos interessantes mas com apoio e controlo insuficiente. Fala-se na reorganização desta área, mas esta situação já acontece há muitos anos, com alterações em cima de alterações, sem um modelo final à vista.

As crianças são as únicas penalizadas, dado que são anos sem apoio capaz e, consequentemente, sem possibilidade de ter retorno no seu devido acompanhamento. Mais do que pensar em ter um qualquer professor a dar apoio às crianças com necessidades educativas especiais, há que pensar na criança, no que ela necessita e fazer intervir uma equipa técnica capaz e com o tempo necessário para dar apoio.

Portugal, apesar dos constrangimentos orçamentais, tem feito um esforço para manter um bom nível de apoio e felizmente não está, em minha opinião, na cauda dos países europeus no que se refere ao apoio aos deficientes

No emprego, ainda existe discriminação?

Domingos Rosa: Existe muito que fazer na área da formação profissional e emprego das pessoas com deficiência. Em primeiro lugar, estabelecer regras muito claras na definição de quem deve ser integrado nesta área. Um aspeto transversal, mas fundamental, nas políticas e práticas de intervenção com as pessoas com deficiência deverá ser a inclusão social e profissional destas pessoas. Os resultados hoje são reduzidos na área profissional e razoáveis na integração social.

É preciso criar mecanismos de avaliação e controlo das competências adquiridas pelos formandos e, finalmente, criar soluções de apoio ao emprego, que não sejam apenas pecuniárias. Em relação às restantes áreas, CAO (Centros de Atividades Ocupacionais) e lares, as respostas estão relativamente bem estruturadas. No entanto, as respostas ainda são reduzidas.

Outro problema que começa a surgir prende-se com o envelhecimento da população com deficiência. Aqui parece haver já uma preocupação das entidades oficiais, mas julgo que já devia estar em marcha a elaboração de planos de intervenção específicos para, de uma forma célere, serem dadas respostas adequadas a esta necessidade, não abordando apenas o contexto económico e financeiro, como parece acontecer muitas das vezes.

É mais difícil ser-se deficiente em Portugal do que no resto da Europa?

Domingos Rosa: Depende dos países. O apoio às pessoas com deficiência está intimamente ligado à capacidade financeira dos países, podendo também associar-se à forma como os governos encaram a deficiência. Portugal, apesar dos constrangimentos orçamentais, tem feito um esforço para manter um bom nível de apoio e felizmente não está, em minha opinião, na cauda dos países europeus no que se refere ao apoio aos deficientes. Aliás, tem excelentes práticas nesta matéria apesar de haver ainda muitas pessoas a necessitar de apoio.

Na União Europeia, qual o país que mais tem feito pelo apoio a pessoas com deficiência? 

Domingos Rosa: Os países mais avançados no apoio a pessoas com deficiência são os países nórdicos, em que os modelos de intervenção são fortemente centrados na pessoa com deficiência e sua família, dando condições de apoio técnico e financeiro, institucional e pessoal a cada caso. Lembro-me que há cerca de 15/20 anos, em reuniões internacionais sobre a reabilitação, a generalidade dos países da Europa, em especial os países do Sul, tinham como preocupações os modelos de intervenção e a forma de financiamento. Para os países nórdicos era a determinação e consolidação dos orçamentos de apoio individual e das suas famílias.

Falta consciência política para o tema da Inclusão das Pessoas com Deficiência?

Domingos Rosa: Não poderei falar em falta de consciência política para o tema. O que me parece é que é um tema que não se consegue sobrepor aos temas da economia e finanças. Por muita consciência que os políticos digam ter para esta matéria, na hora da verdade o que manda são os problemas orçamentais ou mesmo os problemas da política partidária. Aliás, talvez sejamos um dos países da Europa com as melhores leis produzidas sobre a área da reabilitação e habilitação das pessoas com deficiência, o que significa haver consciência política, mas na sua aplicação talvez sejamos dos piores da Europa, o que significa que não é um problema de consciência mas sim de prática política.

E a sociedade? Nota-se um aumento da consciência social? Ou o carro estacionado no parque para mobilidade reduzida ainda é uma realidade diária?

Domingos Rosa: A consciência social está na linha do que referi para a consciência política. Hoje existe consciência Social sobre o tema e sua prática. Há 40 anos, se uma pessoa com deficiência entrasse num transporte público a maioria das pessoas que viajasse nele, afastavam-se, não interagiam e tinham muita dificuldade em encarar a pessoa - adultos pensavam: “O problema pega-se?”. Enquanto que as crianças da altura diziam: “Dói?”.

Hoje existe consciência social, mas ainda não se consegue sobrepor ao individualismo e ao pouco respeito pelo outro, mesmo que ele seja uma pessoa com deficiência.