O Direito à Saúde é um inequívoco imperativo constitucional. A OMS escolheu este mote (“My health, my right”) para 2024 e está pleno de oportunidade para Portugal. Aproveitemos a oportunidade da efeméride para mobilizar a militância, ao mesmo tempo que ocorre uma mudança governativa.
Os últimos 13 anos de governação e a intercorrência da pandemia COVID19 contribuíram para o agravamento do SNS enquanto Serviço. Porque é de um serviço público que se trata e não vale a pena mascarar a sua importância estruturante com a designação de “sistema” para iludir a utilização do mesmo acrónimo. Sabemos bem o que é o Serviço Nacional de Saúde fundado em 1979 com uma Lei promovida e desenvolvida com a militância cívica, política e esclarecida de António Aranut.
Quando Fernando Araújo escreveu em maio de 2022 que “a porta está quase a fechar-se” queria naturalmente dizer que estávamos a chegar a um ponto de não viragem no Serviço Nacional de Saúde.
E quando António Arnaut, a dois dias de morrer, pediu ao então Primeiro Ministro António Costa “ó Costa aguenta lá o SNS” queria fazer despertar o interesse político ao mais alto nível pela defesa do serviço público de saúde.
É, pois, indispensável mantermos a esperança de recuperação deste Serviço que nos habituamos a ter disponível com elevada qualidade e bons resultados. Pensar que o destino do SNS é um Serviço para os pobres e para os doentes complexos e difíceis não pode implantar-se impunemente. A orientação constitucional de um Serviço de acesso universal, geral e tendencialmente gratuito tem que ser defendido e promovido. Este é um desígnio inegociável porque garante a qualidade da prestação de cuidados de saúde, um direito das pessoas e um direito à saúde. Chamar sistema de saúde, como agora se ouve dizer, e deixar cair o SNS como Serviço pode iludir os mais distraídos, mas não pode minimizar a militância de quem defende o SNS.
A cultura organizacional é um património insubstituível de todas as instituições credíveis, aprendentes e sustentáveis. Cada unidade de saúde do SNS tinha a sua cultura organizacional e era habitual desencadear entre os seus profissionais um orgulho salutar e afirmativo. As várias influências e diversas contribuições são necessárias ao desenvolvimento de uma cultura organizacional como “conjunto complexo e multidimensional de tudo o que constitui a vida comum nos grupos sociais”. A cultura organizacional de muitas unidades de saúde tem vindo a desaparecer e a transformar-se em amalgamas de indicadores comprometidos com a indigência e assumidos como banal gestão. E como os médicos e outros profissionais se habituaram a ser mal tratados, alhearam-se da cultura organizacional da sua unidade de saúde.
A discussão sobre identidade organizacional deverá ser assumida como necessária para restaurar uma cultura. Para ultrapassar os problemas quotidianos e assumir o trabalho de equipa vai ser necessário criar uma nova cultura organizacional que comprometa os profissionais e os solidarize em torno de princípios e valores.
Com o fim do SNS enquanto Serviço é necessário assumir uma nova cultura organizacional que substitua com vantagem a que se perdeu numa década de atrapalhações políticas e de gestão, que afastaram os médicos reais das lideranças efetivas.
As necessidades das pessoas de hoje são diferentes e alteram-se a rapidamente. Este novo paradigma caracterizado pela velocidade do processo de mudança das necessidades não tem sido acompanhado pela rapidez dos processos de oferta de cuidados de saúde. O ficcionamento artístico dos orçamentos da saúde de cada ano tem contribuído para o descrédito do SNS. Tem sido assumido, cada vez com maior clareza, que é necessário transformar o Serviço em sistema de saúde. Mas as pessoas precisam conhecer o que mais lhes convém em defesa do “Direito à Saúde”. Afigura-se como fundamental aumentar a literacia em saúde para que as pessoas possam estar mais capacitadas e preparadas para usufruir dos cuidados de saúde que em cada momento precisam.
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