A entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 103/2023, de 7 de novembro assinala uma nova fase da reforma organizativa do Serviço Nacional de Saúde (SNS), contemplando o alargamento a todo o território nacional das Unidades Locais de Saúde (ULS).

Esta reforma, conduzida pela Direção Executiva do SNS (DE-SNS), surge como uma tentativa ambiciosa de modernizar e adaptar o sistema de saúde às necessidades da população num período de notória instabilidade política. O Governo delegou na DE-SNS as competências plenas na designação dos órgãos de gestão das unidades do SNS, nomeadamente nas 31 ULS que agora emergem – uma decisão até então do Ministério da Saúde e do Ministério das Finanças –, numa tentativa de desgovernamentalizar o processo de designação dos dirigentes das instituições.

Perspetivando a saúde como um bem de todos e para todos, o modelo ULS surge com o intuito de olhar para a saúde além das “fronteiras” do hospital, integrando outras instituições da sociedade local, nomeadamente municípios, juntas de freguesia, escolas e instituições particulares de solidariedade social.

Com este novo modelo de organização, os municípios passam a ser representados nos conselhos de administração das ULS da sua área de atuação, por indicação de um representante para vogal. Contudo, poder-se-ão questionar as competências de alguns destes vogais na gestão dos orçamentos das ULS, em especial das ULS criadas a partir de hospitais universitários.

Não obstante, tão ou mais questionáveis poderão ser as mais-valias na transformação destes centros hospitalares universitários – hospitais de referência que prestam cuidados altamente diferenciados – em ULS.

O modelo ULS assenta num modelo de financiamento per capita, em que as instituições de saúde recebem um pagamento fixo por utente inscrito, independentemente da quantidade de serviços prestados. Se, por um lado, a fixação de um valor por utente introduz uma maior previsibilidade e controlo dos gastos, por outro, ao requerer ajustamento pelos riscos, torna-se difícil com este modelo incorporar todos os fatores.

Apontam-se como vantagens a este modelo a utilização apropriada dos recursos e a maior coordenação e integração entre os níveis de cuidados de saúde. Todavia, dever-se-á atentar para as dificuldades em definir níveis ótimos de atividade e de consumo de recursos que o modelo traz consigo, assim como numa possível tendência para se investir em maior diferenciação, já que o investimento nos cuidados primários só traz retorno a longo prazo.

Apesar de se reconhecerem os incentivos à promoção da saúde das populações, há que considerar também a seleção adversa e o desincentivo à prestação de cuidados a doentes mais complexos decorrentes da implementação do modelo de financiamento per capita.

Embora o modelo de financiamento per capita das ULS vise promover uma gestão mais eficiente dos recursos e melhorar a coordenação dos cuidados, enfrenta desafios significativos, entre os quais a necessidade de equilibrar incentivos financeiros, garantir a qualidade e a acessibilidade dos cuidados, e evitar a seleção adversa. Acresce ainda a desvirtuação das ULS dos incentivos à eficiência mediante o financiamento per capita, continuando-se a assegurar desvios orçamentais através de injeções extraordinárias de capital.

A criação e expansão das ULS representam, de facto, um marco na tentativa de modernização do SNS, com o objetivo de promover uma gestão mais integrada e eficiente dos recursos de saúde. Contudo, o sucesso deste modelo dependerá de um equilíbrio delicado entre a inovação e a sustentabilidade financeira. O desafio passará agora por assegurar que este modelo, apesar das suas limitações, incentive uma prestação de cuidados de saúde justa e acessível, de forma a consolidar um SNS que realmente sirva todos equita e eficazmente.