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Direito pouco contribui para uma melhor prática da medicina, defende investigador de Coimbra
20 de janeiro de 2014 - 10h45
O sistema legal de responsabilidade médica em Portugal “diaboliza” a prova de culpa do médico e protege pouco o doente, sustenta um investigador da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC).
Segundo André Dias Pereira, docente daquela faculdade e membro da direção da World Association for Medical Law (Associação Mundial de Direito Médico), o direito pouco contribui para uma melhor prática da medicina e para a efetiva sanção dos médicos negligentes.
O fenómeno deve-se, essencialmente, ao facto de se “estar, no caso português, perante um sistema de responsabilidade médica que centra toda a investigação na procura da culpa individual (médico) e esquece a estrutura complexa em que o profissional está inserido”, defende o investigador.
“O sistema legal português é ritualista e demasiado demorado, sendo muito difícil fazer prova de culpa do médico”, sublinha André Dias Pereira, baseado no estudo que desenvolveu no âmbito da sua tese de doutoramento intitulada “Direitos dos pacientes e responsabilidade médica”, sob orientação dos catedráticos da FDUC Guilherme de Oliveira e Sinde Monteiro.
“Ao ignorar a complexidade da estrutura, promove-se a ocultação das falhas e dificulta-se o apuramento das causas sistémicas, no sentido de melhorar a medicina e a saúde das gerações futuras, e promove-se a medicina defensiva”, salienta o especialista, citado numa nota hoje distribuída pela reitoria da Universidade de Coimbra.
“O sistema português falha face ao médico, mas, paradoxalmente, falha especialmente perante o doente, porque é muito difícil obter prova pelo dano e quando se alcança, os valores de indemnização são modestos”, afirma André Dias Pereira, sustentando que “deve apostar-se num sistema legal que recompense as vítimas de forma célere e crie condições para o estudo do erro médico e desenvolver um direito disciplinar mais rigoroso”.
Além disso, na prática médica moderna, altamente complexa e geradora de “acidentes normais”, bastam “pequenas falhas no âmbito desta complexidade para acontecerem catástrofes”, como mortes por infeções hospitalares, por troca de medicamentos ou pelos riscos inerentes à atividade médica, exemplifica.
Detendo-se sobre os sistemas legais de responsabilidade médica de toda a Europa, o investigador concluiu que o modelo francês é o mais equilibrado.
De acordo com aquele modelo, “uma comissão de litígio, constituída por magistrados e peritos médicos, num prazo de seis meses, apura a responsabilidade do médico, ou não, e em caso de grande incapacidade o paciente recebe um apoio do Estado, através de um fundo nacional para as vítimas de infeções nosocomiais e acidentes médicos”.
O sistema francês cria, assim, “um clima de confiança entre as partes, procurando a colaboração do médico na identificação das causas do acidente e dos maus médicos e, sobretudo, apoia eficazmente os doentes”, explica.
Lusa
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