HealthNews (HN) – A desmotivação dos profissionais de saúde é atualmente o principal problema do Serviço Nacional de Saúde? Na saúde, foi esse o “calcanhar de Aquiles” do Partido Socialista?
Alexandra Leitão (AL) – Os profissionais do serviço público de saúde são o coração do nosso Serviço Nacional de Saúde. Todos, sem exceção. Médicos, enfermeiros, assistentes operacionais, técnicos de saúde, todos dão corpo à maior conquista da nossa democracia. Hoje, são cerca de 150 mil, mais 30 mil do que em 2015, e continuar a valorizá-los é, naturalmente, uma obrigação.
Ninguém como o Partido Socialista trabalhou para valorizar as carreiras dos profissionais de saúde. Foi o Partido Socialista que alcançou um acordo para progressão salarial de 20 mil enfermeiros e que chegou a acordo com os médicos para aumentos de 15% na entrada da carreira. Mais, criámos o regime de dedicação plena, que permite aumentar em 43% os médicos que aderem a este modelo, generalizámos as Unidades de Saúde Familiar modelo B, que pagam mais 60% a todos os profissionais, e os Centros de Responsabilidade Integrados, que remuneram os profissionais em mais 43%. Na verdade, com o Partido Socialista no poder, foi possível investir mais 83% em pessoal do SNS, o que representa mais de 6,3 mil milhões de euros.
Agora estamos empenhados em encontrar formas de reforçar este caminho que tem de ser feito com os profissionais, num espírito de diálogo e de compromisso.
HN – “Insanidade é continuar a fazer sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes.” Um estudo da Faculdade de Economia da Universidade do Porto alerta que sem mudança de políticas podemos cair para antepenúltimo em nível de vida em 2033. Na saúde, com o Partido Socialista novamente no poder, Portugal pode realmente mudar para melhor, ultrapassando os principais obstáculos e fragilidades?
AL – Se há certeza que podemos ter é que o Governo do Partido Socialista não fez a mesma coisa na área da saúde. Na verdade, o processo de reorganização e modernização do Serviço Nacional de Saúde não parou desde 2015, mesmo quando o país teve de responder coletivamente, com grande impacto na área da saúde, a uma pandemia sem precedentes.
O Serviço Nacional de Saúde está a viver a maior reorganização desde a sua fundação. Depois da criação da Direção-Executiva do SNS, em 2024 arrancou uma nova fase da reforma organizativa do SNS, com o alargamento a todo o território nacional das Unidades Locais de Saúde (ULS) e a generalização das Unidades de Saúde Familiar de modelo B nos cuidados de saúde primários.
Este ano o SNS faz 45 anos e muita coisa mudou nestas mais de quatro décadas: as necessidades em saúde da população, as suas expetativas e exigências, a disponibilização de inovação em saúde. O que sabemos é que é mesmo o SNS que garante cuidados de saúde para todos sem exceção, em todo o país, independentemente da complexidade das doenças ou da disponibilidade financeira de cada um.
Não tenhamos dúvidas: só um SNS assente nos princípios da solidariedade, universalidade e gratuitidade poderá responder com qualidade e tempo às necessidades de saúde da população. É por isso que o estamos a reestruturar e a preparar para responder às gerações de amanhã.
HN – A Associação Portuguesa de Seguradores revelou que, no primeiro semestre de 2023, quase 3,6 milhões de portugueses tinham seguro de saúde. Como é que o PS, defensor de um “Estado social moderno e inclusivo, que efetive os direitos sociais e combata a pobreza, um Serviço Nacional de Saúde resiliente que deve ser reformado e continuamente melhorado e não descapitalizado e privatizado”, citando o programa eleitoral, encara este número?
AL – Só posso comentar a relevância desse número se considerarmos, de igual forma, a relevância da sua taxa de utilização. É que os seguros de saúde não chegam a representar 4% de todas as despesas em saúde realizadas em Portugal.
O que este dado revela é que é no serviço público de saúde que as pessoas mais confiam e ao que mais recorrem, porque é nele que encontram as respostas mais diferenciadas aos problemas mais complexos. Os portugueses sabem que o SNS é a única garantia de cuidados de qualidade nos momentos de maior adversidade e nos momentos de maior fragilidade.
Acrescentaria ainda, se me permite, que não podemos ignorar que muitas destas adesões a seguros privados são “involuntárias”, resultam de contratos de trabalho e da forma como a generalidade das empresas privadas, num quadro de responsabilidade social e de manutenção da sua atratividade de contratação, reforçam os benefícios laborais através de seguros de saúde.
HN – Se vencerem as eleições, o que é que vão fazer para acabar com os atrasos em consultas, exames e cirurgias?
AL – O SNS registou, nos anos mais recentes, uma atividade assistencial sem precedentes. Em 2024, o serviço público de saúde assegurou mais de 13 milhões de consultas nos hospitais, mais de 800 mil cirurgias e mais de 33 milhões de consultas nos centros de saúde. Deu resposta a mais de 6 milhões de episódios de urgência.
Portanto, o sistema está a responder ao aumento das necessidades de saúde de uma população que vive mais, com maior carga de doença e mais exigente. Temos mesmo de continuar o caminho de recuperação da atividade pós-pandemia, que se contraria produzindo ainda mais no SNS.
Daí o nosso compromisso com mais recursos financeiros, mais recursos humanos e mais atividade, investimento que será ancorado no novo modelo organizativo, com a criação das Unidades Locais de Saúde, permitindo assim responder às necessidades dos cidadãos em proximidade e numa lógica de integração de cuidados. Os Centros de Responsabilidade Integrados, a nível dos cuidados hospitalares, permitem também premiar a inovação e o desempenho dos profissionais, aumentando a sua produtividade, com a garantia de que os cidadãos passam a usufruir de mais acesso e melhores resultados em saúde.
HN – A grande aposta do PS é realmente o modelo ULS? Como é que a organização que abraçaram conseguirá resolver os principais problemas dos portugueses: acesso, tempo de espera, pobreza e falta de profissionais de saúde?
AL – A visão das ULS quebra a tendência hospitalocêntrica do nosso país, considerando os cuidados de saúde primários e trazendo outras instituições para as decisões de saúde, como o poder local, as escolas e as instituições de solidariedade social, dando sentido à ideia de comunidade.
Pela sua importância, amplitude e dimensão, não faz sentido parar uma reforma cuja implementação se iniciou em janeiro deste ano. Este facto só nos responsabiliza mais e por isso temos mesmo de acompanhar e avaliar esta reorganização no terreno e ajustar o que for necessário.
Mas não tenhamos dúvidas: o alargamento das ULS a todo o país, ao reunir numa única gestão os hospitais, os centros de saúde e os cuidados continuados de uma determinada região, só pode ser bom para o utente. Facilita o percurso das pessoas no sistema de saúde, ao integrar as respostas. É o sistema que se organiza em torno da pessoa e não a pessoa que tem de procurar saber onde se dirigir. Esta mudança é mesmo uma qualificação da resposta do SNS e um importante contributo para garantir cuidados de saúde atempados e de qualidade à população, e para melhorar os indicadores de saúde e bem-estar no país.
HN – Relativamente aos profissionais de saúde, como é que os podem motivar e fixar no SNS?
AL – Existe trabalho a fazer para fortalecer os progressos obtidos nos últimos oito anos de governação, e para isso é necessário insistir na criação de um ambiente de diálogo e cooperação. As lideranças têm um papel fundamental na motivação e no apoio aos trabalhadores, mas também na dignificação do serviço público de saúde.
Entendemos que, para além das questões salariais, é necessário considerar na equação as aspirações de uma nova geração de profissionais de saúde que justamente relevam a justiça organizacional, as exigências laborais e a conciliação entre o trabalho e a vida pessoal e familiar.
No âmbito da valorização dos profissionais de saúde, estamos determinados a aprofundar o processo de revisão das carreiras e de valorização salarial, apostando claramente num modelo de formação e investigação, ao mesmo tempo que melhoramos as condições de trabalho. Neste processo, continuaremos firmemente a incentivar a dedicação plena e em exclusividade ao SNS, através de incentivos à produção.
No contexto de combate à iniquidade territorial no acesso à saúde, estamos também determinados em criar um sistema de incentivos aos profissionais que trabalhem em territórios menos atrativos, através de apoios ao alojamento e às famílias.
HN – O que propõe o PS se as greves dos profissionais de saúde continuarem e com isso dezenas de urgências encerrarem semanalmente, medicamentos não forem entregues e cirurgias e consultas tiverem de ser adiadas?
AL – Partimos para esta campanha com uma convicção muito forte: o Partido Socialista fez imenso pela valorização das carreiras dos profissionais de saúde, mas este progresso social e laboral merece ser e tem de ser aprofundado. Este caminho só pode ser feito numa base de diálogo e de cooperação, franca, constante e permanente. Esse é um ponto de partida do qual uma sociedade moderna e progressista não pode abdicar.
HN – Quais são as principais medidas do PS para os cuidados de saúde primários (relembrando os mais de 1,7 milhões de portugueses sem médico de família) e para os cuidados hospitalares?
AL – A prestação de cuidados de saúde não pode, com a atual reforma organizativa do SNS, ser compreendida sem considerar a criação das novas Unidades Locais de Saúde, que permitem aproximar os cuidados do cidadão e do seu ciclo de vida, e a generalização das USF modelo B, que alargam o número de pessoas com médico de família e valorizam os profissionais destas unidades de saúde.
Em relação aos médicos de família, sabemos que estamos a atravessar o pico das reformas, mas também estamos a formar cerca de 2 mil médicos, 500 profissionais por ano, que nos permitirão reduzir as dificuldades que enfrentamos.
No âmbito da valorização e diversificação dos cuidados de saúde de primários, porta de entrada no Serviço Nacional de Saúde, o Partido Socialista está determinado em reforçar e diversificar a oferta de cuidados de proximidade, melhorando o acesso a respostas de saúde oral e visual, pediatria, terapia da fala, psicologia clínica, saúde mental e nutrição. Neste âmbito consideramos prioritária a criação de uma rede de atendimento permanente, a funcionar em centros de saúde de referência, que serão equipados com alguns tipos de meios complementares de diagnóstico, contribuindo para reduzir o recurso às urgências hospitalares, e reforçar as respostas imediatas a pessoas sem médico e enfermeiro de família, mobilizando equipas multiprofissionais, envolvendo médicos e enfermeiros e outros profissionais a serviço ou que estejam aposentados. Determinante será também generalizar os rastreios visuais e auditivos na infância e prosseguir o reforço da oferta de cuidados de saúde oral de proximidade, através da criação da carreira de medicina dentária no SNS.
Nos cuidados hospitalares, apostaremos na criação de centros de excelência clínica no SNS, com os recursos humanos e tecnológicos necessários, permitindo um aumento da qualidade na prestação de cuidados e a redução do tempo de resposta, reforçar a autonomia dos conselhos de administração hospitalares e das unidades de proximidade, sem esquecer a aposta na criação de novos Centros de Responsabilidade Integrados, estruturas que estabelecem um compromisso de desempenho assistencial, económico e financeiro com os hospitais e que têm acesso a vários incentivos, incluindo financeiros, diretamente relacionados com o desempenho alcançado.
HN – E para os cuidados continuados e paliativos?
AL – A Rede de Cuidados Continuados e Paliativos é uma prova de maturidade de um país. O Governo do Partido Socialista apostou forte no alargamento da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, atualizando os preços das respostas e assumindo o objetivo de alargar a disponibilidade de lugares na rede, contribuindo para a sustentabilidade dos sistemas de saúde e de proteção social e para a preservação da sua matriz solidária e de acesso universal.
Vamos necessariamente continuar o trabalho de expansão e cobertura ao nível da Rede Nacional de Cuidados Continuados e de Cuidados Paliativos, reforçando a oferta de proximidade em termos de unidades e de camas disponíveis, sem deixar de investir e desenvolver programas de redução dos internamentos sociais, de hospitalização domiciliária e de assistência de saúde a idosos no domicílio.
HN – Que relação deverá existir entre público, privado e social?
AL – Há uma coisa da qual os portugueses podem ter mesmo a certeza: é no SNS que vamos continuar a investir, porque o SNS não tem concorrente. O nível de qualificação e diferenciação do SNS não pode mesmo ser garantido senão no serviço público de saúde. É onde estão e onde formamos os melhores especialistas, onde se luta contra as doenças mais graves, como o cancro, onde se combatem as doenças raras, onde se fazem transplantes e onde se fazem cirurgias pioneiras.
Consideramos que a relação entre o SNS e os parceiros privados deve nortear-se por uma estratégia de articulação, baseada na transparência e regulação, assumindo o princípio da supletividade e colocando o utente no centro dessa articulação e cooperação. É exemplo disso, com grande sucesso, a relação com os laboratórios clínicos de meios complementares de diagnóstico e terapêutica e, mais recentemente, o envolvimento das farmácias comunitárias no processo de vacinação contra a covid-19 e a gripe, com grandes vantagens para o Estado, para o cidadão-contribuinte e para os utentes.
HN – As PPP são para retomar?
AL – As Parcerias Público-Privadas são um bom exemplo de como o PS não tem dogmas ideológicos. Na verdade, todas as PPP na área da saúde foram lançadas e contratualizadas por governos do PS. Quando se iniciou o processo de avaliar a possibilidade de renovação das PPP então vigentes, a verdade é que foi pedido ao Estado que pagasse mais, o que, per si, enviesa completamente a discussão do benefício deste modelo.
Apostar no melhor serviço para o utente também passa por proteger o interesse público. A nossa prioridade é clara: sem dogmas, assegurar a otimização dos recursos disponíveis no SNS, de forma a responder da melhor forma possível às necessidades de saúde da nossa população.
HN – Assumem no programa a intenção de modernizar e desenvolver tecnologicamente o SNS. O que é que pretendem fazer em concreto?
AL – Existe um amplo projeto de investimento em curso na modernização tecnológica do Serviço Nacional de Saúde. Com as verbas do Plano de Recuperação e Resiliência, estamos a reformular decisivamente o uso da tecnologia no SNS. O investimento destinado à transformação digital da saúde no âmbito do PRR supera os 300 milhões de euros, destinado a reforçar as infraestruturas e redes de dados, a desenvolver novas ferramentas para os cidadãos, a valorizar o trabalho dos profissionais e a criar novos circuitos de armazenamento e utilização de dados.
Neste domínio estamos comprometidos com o investimento na infraestrutura tecnológica da saúde, melhorando as infraestruturas e a interoperabilidade entre sistemas, bem como a uniformização e integração de registos e processos e a comunicação entre fornecedores, prestadores de cuidados e entidades pagadoras. Existe ainda trabalho que tem de ser aprofundando no Registo de Saúde Eletrónico do Utente e nas ferramentas informáticas de apoio à decisão clínica, nomeadamente no âmbito da inteligência artificial.
A estrutura que está a ser criada permitirá ainda prosseguir o nosso objetivo de aprofundar as ferramentas de interação digital entre os cidadãos e o SNS, na realização de atos diversos, como a marcação de consultas e exames e a consulta de registos clínicos, bem como apostar na telemedicina e na telessaúde, generalizando a sua utilização nos cuidados de saúde primários.
HN – Como é que, simultaneamente, garantem a sustentabilidade financeira do SNS?
AL – Um Estado Social forte é o garante do acesso de todos à escolarização e às qualificações, à saúde, à dignidade e ao bem-estar. A consolidação, reforço e aprofundamento do nosso Estado Social é mesmo uma das prioridades do PS na próxima legislatura.
Nos últimos anos, o PS mostrou que é possível manter as boas contas públicas e investir ao mesmo tempo no serviço público de saúde. Ao longo dos últimos 8 anos, os governos do PS deram um novo impulso ao SNS, reforçando as suas valências e criando as bases orçamentais para a sua resiliência e sustentabilidade. A dívida do SNS em 2023 teve o valor mais baixo da última década, um resultado que se insere na trajetória de contínuo reforço orçamental e sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde. Entre 2015 e 2024, o orçamento do SNS aumentou em mais de 5,6 mil milhões, permitindo aumentar o número de profissionais, valorizá-los e aumentar a atividade do SNS. É este caminho de progresso que vamos manter.
HN – Corremos realmente o risco de perder o SNS ou deixar de o reconhecer? Se sim, como é que podemos impedi-lo?
AL – Os portugueses sabem que é com o SNS que todos contamos perante as maiores adversidades e nos momentos de maior fragilidade. O Partido Socialista vai continuar a investir na revitalização, consolidação e expansão do nosso Serviço Nacional de Saúde. É preciso superar as dificuldades, e a solução é mesmo mais SNS. Nunca nos furtaremos à responsabilidade de garantir a saúde a todos os cidadãos. Devemos isto aos nossos filhos, aos nossos pais, aos nossos avós; devemos isso a todos os cidadãos.
O Serviço Nacional de Saúde é um dos pilares do Portugal democrático e a grande construção dos socialistas no pós-25 de abril. A melhoria progressiva, e significativa, da qualidade de vida dos portugueses nos últimos 50 anos é indissociável da criação de um serviço público universal e tendencialmente gratuito. O que distingue o SNS dos demais prestadores é, de facto, a centralidade que atribui ao estado de saúde das pessoas e o foco na preservação e melhoria dos índices de saúde da população. É nele que continuaremos a investir.
Entrevista de Rita Antunes
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