A criação da maior base de dados sobre epilepsia e a melhoria de vida dos epilépticos são os objectivos do projecto Epilepsiae. António Dourado, investigador e docente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, fala-nos sobre o projecto que já envolve Portugal, Alemanha e França.

Hospital do Futuro (HdF) - Em que consiste o projecto Epilepsiae?

António Dourado (AD) - O projecto Epilepsiae tem dois objectivos principais:

- desenvolver um dispositivo transportável pelo doente, que adquire o EEG (electroencefalograma) do doente e o transmite a um computador com tecnologia sem fios. No computador correm algoritmos de processamento da informação procurando prever uma crise epiléptica que se aproxima, enviando ao doente um sinal de alarme que permitirá a este tomar as atitudes que julgue mais convenientes para salvaguarda da sua segurança e privacidade.

- desenvolver e preencher uma base de dados europeia de epilepsia com cerca de 300 doentes no final do projecto. Esta base de dados servirá para estudos de epilepsia em geral e de previsão de crises em particular.

O projecto ambiciona contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos doentes epilépticos sem esperança de cura, seja por medicamentos seja por cirurgia (os que sofrem de epilepsia refractária, de todas as idades e condições). São cera de 50 milhões a nível mundial.

HdF - Como surgiu este consórcio?

AD - O consórcio surgiu por iniciativa da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), coordenador do projecto, em colaboração com a Unidade de Monitorização de Epilepsia e Sono (UMES) dos Hospitais de Coimbra (HUC), que contactou os outros parceiros com vista à concepção e desenvolvimento da proposta a submeter ao FP7 da União Europeia.

Compõem o consórcio três laboratórios de investigação académica (Universidade de Coimbra, Centre National de la Recherche Scientifique de Paris), a Universidade de Freiburgo (Alemanha), 3 hospitais universitários (Hospitais da Universidade de Coimbra, Hospital La Pitié Salpêtrière da Universidade Pierre e Marie Curie e Centre Nationale de la Recherche Scientifique), a Clínica Universitária de Freiburgo, e um parceiro industrial, a Micromed de Itália.  É um consórcio que procura desenvolver todas as competências necessárias para um projecto deste tipo.

HdF - Quais são os passos que têm de dar para conseguirem ter uma base de dados europeia?

AD - O  primeiro passo é adquirir o EEG (Electroencefalorama) intra-craniano, superficial ou misto com um elevado número de canais (pelo menos 31) e o ECG (Eletrocardiograma), com uma frequência de amostragem elevada (até 2048 Hz), e armazená-lo convenientemente. Todas as anotações feitas pelos clínicos no EEG (tipos de epilepsia, crises, picos, medicação, cirurgias, etc.) são também incluídas na base de dados em tabelas apropriadas. A base de dados usa o software Oracle.

Actualmente a base de dados tem 3 réplicas (Paris, Freiburgo, Coimbra), mas o plano é que após a finalização do projecto ela seja aumentada pela colaboração de outros hospitais europeus. Presentemente é a maior base de dados mundial de epilepsia, contendo já 198 doentes de Portugal, Alemanha e França.

HdF - Que tipo de tecnologia vão utilizar para desenvolverem algoritmos que permitam a criação de uma plataforma transportável pelo paciente?

AD - Estamos a desenvolver 2 tipos de algoritmos: usando inteligência computacional e usando conceitos fisiológicos circadianos. Os primeiros são desenvolvidos em Coimbra e Paris e os segundos em Freiburgo. Em Coimbra desenvolvemos redes neuronais artificiais e máquinas de vectores de suporte.

Do EEG extraímos 31 características por cada canal (temporais, de energia e potência, de frequência, de onduletas, estatísticas, etc.) e características do ECG. Essas características são a base para a detecção de um estado pré-ictal, aquele que antecede uma crise. Até agora conseguimos progressos significativos, mas falta ainda um longo caminho para se obterem algoritmos bons para todos os doentes. Temos a convicção que não será possível obter um algoritmo que seja bom para todos os doentes, mas teremos que fazer um estudo exaustivo doente a doente para encontrar o melhor algoritmo personalizado.

Do ponto de vista do hardware, desenvolvido pelo nosso parceiro industrial, usamos a electrónica de aquisição de sinal mais avançada possível e a mais recente tecnologia Bluetooth de transmissão sem fios. O aparelho já existente é transportável pelo doente, embora seja no futuro ainda mais miniaturizado e com capacidade de computação própria eventualmente suficiente para calcular as características do EEG num número seleccionado de canais e de correr os preditores.

HdF - O que é necessário para que o projecto possa avançar?

AD - O projecto está a avançar, mas temos ainda que aperfeiçoar os algoritmos de previsão. Não podemos ainda avançar com uma data para a sua comercialização. Temos ainda um longo caminho a percorrer, com muitos desafios apaixonantes. Mas esperamos vencê-los.

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 2010-10-27