O grande desconhecimento que ainda existe sobre a doença fez com que a fibrose pulmonar se tornasse, nos últimos anos, numa das principais razões para transplante do pulmão. O objetivo do biobanco Fibralung é melhorar o prognóstico e a qualidade de vida dos doentes, refere Hélder Novais e Bastos, pneumologista do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), investigador do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) e professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto . Os resultados das análises recolhidas pelo biobanco vão ser divulgados publicamente no próximo ano.
HealthNews (HN) – Foi a partir do grupo de Doenças Pulmonares Difusas do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), com uma longa experiência assistencial e de investigação nesta área, que se avançou para a criação do biobanco Fibralung?
Hélder Novais e Bastos (HNB) – No Hospital de São João existe, desde há mais de duas décadas, uma consulta organizada para as doenças pulmonares difusas. Começou com poucos doentes, numa altura em que ainda havia poucos diagnósticos e um relativo desconhecimento destas doenças. Ao longo dos anos tornou-se um centro de referência e neste momento temos cerca de 1500 doentes em seguimento ativo com uma multiplicidade de doenças pulmonares difusas. Cerca de metade apresenta doença fibrótica.
HN – Qual é a causa e como se expressa a fibrose do pulmão?
HNB – Em alguns casos, a fibrose do pulmão é o produto final de um conjunto de doenças inflamatórias e, noutros, inerentemente fibrogénicas, que tornam o pulmão progressivamente mais rígido, mais pequeno e mais difícil de expandir para receber o ar. Por outro lado, a própria membrana que separa o alvéolo do capilar fica mais espessa, sendo cada vez mais difícil de assimilar o oxigénio. Isso faz com que o doente tenha progressivamente mais falta de ar ao caminhar e caminhe cada vez menos. A dada altura, terá necessidade de oxigénio para caminhar, e de débitos sucessivamente maiores, até que começa a precisar de oxigénio também em repouso. Eventualmente, acabará por falecer se não tiver acesso ao transplante pulmonar.
Aliás, a fibrose pulmonar está possivelmente a tornar-se no principal motivo para o transplante pulmonar em Portugal e no mundo. Historicamente, era a Doença Pulmonar Obtrutiva Crónica (DPOC) mas, progressivamente, foram crescendo os casos diagnosticados com fibrose pulmonar. A doença atinge normalmente pessoas mais velhas, frequentemente com outras patologias debilitantes associadas, pelo que nem todos os doentes podem beneficiar do transplante.
HN – Que outras possibilidades de tratamento existem?
HNB – Depois de vários estudos e tentativas, só em 2014 foram lançados no mercado os primeiros tratamentos dirigidos especificamente à fibrose pulmonar: a pirfenidona e o nintedanib. Estas duas terapêuticas revolucionaram a nossa prática.
A regressão da fibrose não é possível mas conseguimos atrasar a sua progressão e aumentar o tempo de vida dos doentes que, anteriormente ao tratamento fibrótico, era de três a cinco anos após o diagnóstico. Só o cancro do pulmão e do pâncreas ultrapassavam, em gravidade, a fibrose pulmonar idiopática, que é a principal e mais grave forma de fibrose pulmonar.
Foi essa a primeira indicação da terapêutica anti-fibrótica. Recentemente, temos também a possibilidade de a utilizar para os outros tipos de fibrose progressiva. Mas, na verdade, continuam a faltar ferramentas diagnósticas e terapêuticas mais eficazes do que aquelas que temos hoje.
HN – Foi por esse motivo que surgiu a necessidade de criar o biobanco Fibralung?
HNB – Para estas doenças, largamente desconhecidas, foi importante organizar um biobanco de amostras biológicas, em que acumulamos sangue, lavado broncoalveolar e tecido de biópsia dos doentes para várias análises moleculares.
Estamos, desde há um ano, a seguir um grupo de cerca de 100 doentes de forma bem protocolada e com colheitas de sangue em vários momentos da doença. O alvo é reunir 150 doentes em dois anos mas penso que iremos superar largamente esse número.
O projeto visa conhecer melhor os mecanismos da fibrose e desvendar potenciais biomarcadores para conseguirmos melhorar o diagnóstico, a definição do prognóstico e proporcionar as ferramentas necessárias para produzir novos fármacos e mais eficazes.
HN – Além do CHUSJ, quais são as outras entidades envolvidas no biobanco?
HNB – Trabalhamos em consórcio com o Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S) e a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Contamos também com a colaboração do “Life and Health Sciences Research Institute (ICVS), da Escola de Medicina da Universidade do Minho, colegas do “Institute for Research in Biomedicine” (IRB), de Barcelona, e do “Broad Institute”, associado ao Hospital Geral de Massachusetts e à “Harvard Medical School”.
Depois da fase de organização do biobanco e da expansão das amostras, estamos agora na fase de análise. Os resultados serão apresentados publicamente no decurso do próximo ano.
Entrevista de Adelaide Oliveira
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