Em conjunto, as tecnologias expandem o alcance e a precisão da edição genética, e abrem caminho para corrigir mutações que causam cegueira genética, anemia falciforme, fibrose cística e milhares de outras doenças debilitantes.

Uma das abordagens, chamada de edição de base, executa uma "cirurgia química" diretamente no ADN, alterando permanentemente segmentos defeituosos sem cortar a estrutura do genoma.

A segunda técnica corrige erros num outro tipo de material genético, o chamado ARN, onde algumas anomalias podem afetar a saúde ou causar morte.

As ferramentas - junto com experiências em células humanas doentes para mostrar que funcionam - foram descritas em estudos publicados simultaneamente, esta quarta-feira, nas revistas científicas Nature e Science.

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"Uma quantidade tremenda de trabalho ainda é necessária antes que estas máquinas moleculares possam ser usadas para tratar doenças humanas em pacientes", disse David Liu, da Universidade de Harvard, que liderou as equipas de edição de base, "mas ter uma máquina é um ponto de partida importante".

O ADN fornece às células individuais instruções detalhadas sobre como executar uma tarefa especializada. Os quatro blocos de construção química do ADN, chamados de bases, são representados pelas letras A, T, G e C, e estão sempre  unidos em pares - "A" com "T" e "G" com "C".

Enganar a célula

"Cada um de nós carrega dois conjuntos de três mil milhões de pares de bases de ADN em quase todas as nossas células, um da mãe e um do pai", disse Liu.

Basta um único par estar no lugar errado - uma mutação genética - para que as coisas corram mal.

Outra ferramenta de edição de genes já amplamente utilizada, chamada CRISPR-cas9, corta o filamento de ADN, geralmente para inserir ou excluir um par de bases. 

Mas a técnica de edição de Liu provoca  mudanças sem quebrar a cadeia em espiral do ADN. "A CRISPR-cas9 é como uma tesoura molecular, enquanto os editores de base são como o lápis", comparou Liu, esclarecendo que cada uma das técnicas era adequada para utilizações diferentes.

Num grande avanço no ano passado, a equipa de Liu mostrou como trocar um par de bases C-G por um T-A.

Laboratórios em todo o mundo usaram com sucesso a técnica para corrigir as chamadas "mutações pontuais" em organismos que variam de milho a embriões humanos, passando por bactérias e camundongos. Mas apenas cerca de 15% das mutações pontuais em humanos ligadas a doenças podem ser consertadas dessa forma.

Mas isso muda com a nova ferramenta - denominada "ABE" (Adenine Base Editor) -, que persuade habilmente um par de bases A-T a tornar-se um par de bases G-C, reparando "uma classe de mutação que representa cerca de metade das 32.000 mutações pontuais patogénicas conhecidas em humanos", disse Liu.

Como não existe nenhuma enzima na natureza capaz de transformar uma base "A" em uma "C" - o passo-chave na manobra "anular e substituir" -, os cientistas tiveram que criar uma.

Além do procedimento ter apresentado uma taxa de sucesso muito maior do que outras técnicas de edição de genes, não houve praticamente nenhum efeito secundário, como duplicações ou exclusões de ADN indesejadas.

Para provar o seu potencial terapêutico, os cientistas isolaram, em laboratório, uma célula de um paciente que sofria de hemocromatose hereditária (HH), uma doença incapacitante causada pelo excesso de acumulação de ferro.

A ABE corrigiu permanentemente a mutação, mostrando como poderia, a princípio, funcionar um dia.

"A capacidade de alterar diretamente os quatro pares de bases com tal especificidade acrescenta mais munição à artilharia de edição do genoma", comentou Helen O'Neill, diretora de programas de Ciência da Reprodução e Saúde da Mulher na University College de Londres. "Isto será incrivelmente poderoso na investigação de doenças e na restauração futura de mutações causadoras de doenças".

No estudo da Science, uma equipa liderada por Feng Zhang no MIT - que foi pioneira no uso da CRISPR-cas9 - descreveu um novo sistema para mudanças precisas no ARN. Ao contrário do que acontece com a edição de base, as mudanças não são permanentes, o que em alguns casos pode ser uma vantagem.