É um T0 espaçoso para a sua pequenez, barato para quem se encosta a um canto e observa a imensidão do quarto. Por vezes, cheio de ideias que lhe extravasam a calote e ocupam a mais recôndita esquina, o mais recôndito espaço por entre as velhas folhas da estante inutilizada. Um apartamento sufocantemente cheio de nada, que lhe tira o ar pela falta de espaço. Outras vezes vazio, com as ideias e tudo o que importa e o preocupa do lado de fora daquela porta velha por encerar. Um dia, perde a cabeça e arranja-a. Ou dá-lhe um jeito, vá. Uma entrada bonita ludibria casas antigas.

O ranger das escadas transmite a grandeza da história e fá-la sentir-se. O respeito é tanto que, um dia, perde a cabeça e manda arranjá-las. Pelo menos dar-lhes um jeito. “E o condomínio?" - perguntam uns, enquanto os outros acumulam desculpas para protelar soluções. Típico deles, nosso, meu e teu também - não te rias. Quando não ouve o barulho das escadas e está prestes a adormecer, vem o som ensurdecedor da solidão. Mais uma insónia, mais perguntas no trabalho e a companhia da dor de cabeça, por baixo do chapéu e do analgésico, dentro da carteira. Que merda! Se ao menos houvesse um rasgo de barulho que o fizesse descansar, uma campainha sem horas ou uma companhia que o relaxasse e fizesse sucumbir ao sono por, uma vez na vida, se sentir útil.

Volta a subir o ranger das escadas, abre, de novo, a velha porta por encerar e entra na imensidão do T0. Após uma estafante busca, encontra a cama onde deita a pesada cabeça na sua confortável almofada de pedra. É hoje que descansa, pensa. Quando se encontra no limiar do sono, ouve um novo ranger das escadas velhas a aproximar-se. São oito da noite. "Será para mim?" - pensa. Ouve a porta do lado a bater.

Silêncio.

Dez horas de um ensurdecedor silêncio que terminam com a música do despertador.

Esta velha esperança dá-lhe olheiras e envelhece-o com a rapidez da dor de quem já amou, no passado. Um dia, ainda perde a cabeça e, ao invés de arranjar a esperança, dá-lhe um jeito.