Se à Fisioterapia científica interessa a relação que se estabelece entre a “postura” e o estado funcional das suas componentes “neurais”, ao fisioterapeuta “postural” interessará, bastas vezes, mais prover o papel da postura, da relação entre as Cadeias musculares, no funcionamento dos “receptores” podal, ocular e mastigatório (Bricot 1), bem como no modo como estes afectam a “representação” da primeira nas estruturas corticais e subcortcais. Aliás, é provável que muitos fisioterapeutas lembrem, concomitantemente, o papel do equilíbrio ascendente, olvidando, quiçá, o papel da descendência “neural”.
Mas a descendência é tão ou mais importante para o funcionamento do sistema músculo-esquelético do que o dogma “postural” permite muitas vezes alavancar. Ideias ultrapassadas relativas ao fortalecimento dos extensores do tronco e à Higiene Postural (que é actuar conscientemente sobre músculos que funcionam na base de um colectivo neuro-mio-fascial essencialmente inconsciente) não sofrem grande evolução se o paradigma mézièrista 2, 3 não integrar a função neurológica, incluindo a propriocepção. Aliás, os excessos daquele paradigma são do âmbito do alongamento excessivo da musculatura posterior, considerada fundamentalmente hipertónica, que é o mesmo que admitir que um dogma se sobrepõe à urgência da função, multiplicando as necessidades compensatórias. E, no entanto, podem as últimas fazer vigorar outros modos de equilíbrio, outras relações entre a descendência neural e tónica e a ascendência sensorial e proprioceptiva. Não podemos considerar que um equilíbrio absoluto é passível de ocorrer, mas sabemos que um doseamento das compensações não pode negligenciar o papel dos receptores no modo como enformam uma representação que, por sua vez, influi no equilíbrio muscular.
A harmonia deve, assim, ser empírica, na medida de um duplo sentido, não sendo, muitas vezes, possível saber onde tudo começa ou acaba. Os receptores em causa são, apesar de tudo, localizações precisas do encadeamento das Cadeias musculares, com estas a modificarem os seus funcionamentos e vice-versa, e todos desenham aquilo com que um novo “princípio” reinicia o ciclo. Para que o círculo vicioso não crie dor ou disfunção não compensáveis, em alguma parte do Sistema há que providenciar a “compensação”, soçobrando um longo caminho para a investigação longitudinal relativa ao imenso caudal de variáveis que, de qualquer modo, se convidam perpetuamente ao (des)equilíbrio constante entre teorias e experiências, no domínio interdisciplinar, entretanto enriquecido, de médicos e terapeutas.
Tal objecto abre novos capítulos na relação entre a Otorrinolaringologia e a Fisioterapia, que devem poder fazer a ponte entre uma dinâmica teorizante e a prática, até casuística, dos profissionais, sobrepondo, sempre a dúvida “céptica” à tentação dogmatizadora ou, até mesmo, corporativista.
Referências bibliográficas
1. Bricot B. Posturologia (3ª edição). São Paulo: Ícone Editora; 2004 (edição brasileira).
2. Mézières F. La révolution en gymnastique orthopédique. Paris: Vuibert; 1949.
3. Souchard Ph-E. Le champs clos. Paris: Maloine; 1981.
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