Dois jornalistas - o fotógrafo Simon Wohlfhart e o repórter cinematográfico Dimitri Korczak-  acompanharam-na ao longo de quase um ano, desde o dia em que recebeu a autorização para a eutanásia, em março de 2023, até aos seus últimos momentos num hospital belga.

Neste relato, os dois repórteres revelam os dilemas da cobertura e relação que construíram com Lydie.

Primeiro contacto

O primeiro encontro entre Simon e Lydie aconteceu em março de 2023, quando ela viajou até Bruxelas para consultar um psiquiatra, o primeiro passo para a eutanásia.

O estado de Lydie, de 43 anos, agravou-se após um acidente durante um passeio a cavalo, uma atividade que amava.

Simon logo percebeu o efeito "libertador" da autorização do psiquiatra. A partir desse momento, o fotógrafo foi descobrindo a sua personalidade e o seu grande sentido de humor.

Durante os 10 meses entre a primeira consulta e a eutanásia, no dia 1 de fevereiro, Simon esteve em contacto com ela com muitas ligações telefónicas e mensagens de texto.

"Enviava-me sempre piadas, memes, coisas humorísticas. Brincava connosco o tempo todo porque éramos os seus paparazzi", contou o fotógrafo.

Para Simon, Lydie decidiu expor os seus últimos dias perante as câmaras porque "não entendia por que tinha que ir para o exterior" para ter acesso à eutanásia.

"Acredito que foi uma forma de criticar essa situação" no seu país, França, onde a eutanásia é ilegal.

"Respeitar a sua vontade"

Durante todo o processo, Simon e Dimitri avaliaram o que mostrariam dos últimos momentos de Lydie. Deixaram claro que Lydie teria "controlo total da sua imagem" e poderia desistir da reportagem em qualquer instante.

"O ponto central era se deveríamos estar presentes no momento da injeção. Lydie decidiu que não estivéssemos presentes e não queria ser fotografada nesse momento", contou o fotógrafo.

Apesar de querer tornar a sua situação pública, "Lydie quis guardar alguns momentos para ela". Para Dimitri, embora fosse brincalhona, "havia um sofrimento profundo que não queria partilhar".

Isto "tornou ainda mais comovente a nossa jornada ao seu lado, já que nos deu a oportunidade de acompanhá-la, sem mostrar o lado mais difícil, que guardou para si", contou o cinegrafista.

Tema polémico

Apesar da confiança entre Lydie e os jornalistas da AFP, a eutanásia continua a ser um tema muito polémico, o que dificultou a cobertura.

"Muitas pessoas não quiseram aparecer diante das câmaras para não serem associadas ao procedimento", contou Simon. O hospital belga onde foi realizado, por exemplo, não quis ser identificado, temendo receber uma onda de perguntas sobre o procedimento.

A ideia dos dois jornalistas era testemunhar a jornada de Lydie, mas sempre com algum distanciamento.

"Apesar de sentir algum apego e de todos os momentos que vivemos, das risadas nos bastidores (...), tínhamos  o objetivo jornalístico de registar algo que reflete a realidade", indicou Dimitri.

Dimitri admitiu que ficou emocionado durante vários dias após o fim da cobertura. "Basta olhar as imagens que tudo volta", afirmou. O repórter recorda-se bem do olhar amável de Lydie, que "tocou a todos".

*Entrevistas realizadas por Michaela Cancela-Kieffer em Bruxelas. Editada por Catherine Triomphe e Fiachra Gibbons em Paris.