79 milhões de veganos no mundo é um número impressionante, mas se lhe dissermos que corresponde apenas a 1% da população mundial, a história passa a ser outra.

No entanto, uma adaptação a um estilo de vida vegano nunca foi tão popular como é agora. O que começou por ser um movimento ativista para excluir a crueldade infligida aos animais, agora embarca motivos mais globais, como a saúde, sustentabilidade e o combate às alterações climáticas.

De acordo com vários estudos, nomeadamente um da Vomad Life, de 2019, e citado pelo site Redefine Meat, 68,1% dos veganos têm motivações contra a crueldade animal, seguidos da saúde em 17,4%. As causas ambientais reúnem 9,7%, apesar da indústria de carne e laticínios ser um dos principais contribuintes para as emissões globais de gases de efeito estufa, para citar uma das muitas ameaças ambientais.

Por cá, em 2021, um estudo da consultora Lantern e divulgado pela Associação Vegetariana Portuguesa estimava que existiam 43 mil veganos em Portugal, correspondendo a quase 0,5% da população. Contudo, se englobarmos também os vegetarianos (que diferem dos veganos por consumirem ovos e lacticínios), o número aumenta significativamente de 43 para 180 mil.

Apesar do grupo dos vegetarianos ter aumentado 137% entre 2019 e 2021, o número de veganos desceu de 0,7% em 2019 para 0,5% em 2021. Existe ainda o grupo dos flexitarianos, que tentam reduzir o consumo de carne e peixe, que eram 796 mil pessoas à data.

Ainda segundo este estudo nacional, é entre os mais jovens (18-34 anos) que nos deparamos com um maior número de veganos e vegetarianos.

As mulheres também parecem ter aderido mais do que os homens a este estilo de vida, correspondendo a 60% do total da população vegetariana portuguesa.

A maioria dos inquiridos que segue uma alimentação vegetariana reside nas grandes cidades, mas a diferença, face a quem vive em cidades com menos de 100 mil habitantes, é de apenas 2%. Desta forma, 51% vive em grandes centros urbanos e 49% em cidades menos populosas, ou seja, o local onde se vive poderá não ter um impacto tão considerável como seria esperado.

Estudo afirma que mudança para o veganismo é a melhor forma de reduzir o nosso impacto ambiental
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Os dados do II Grande Inquérito da Sustentabilidade em Portugal, realizado pelo ICS confirmam que são as mulheres, mais do que os homens, que manifestam disposição para esta mudança de hábitos.

Era uma vez um omnívoro...

Lucas, Filipe e Rafael não se conheciam, pelo menos pessoalmente, e juntamo-los numa pastelaria (vegana, claro está) para uma entrevista sobre o veganismo e a masculinidade. Este é o resultado:

Lucas Oliveira, vegano há 5 anos

Nasceu no Brasil, em Belo Horizonte, há 31 anos e fez as malas para a cidade do Porto para estudar Nutrição depois de ter passado mais de quatro anos numa mineradora. Além do ativismo passivo nas redes sociais faz palestras académicas e tem uma empresa de entrega de refeições (veganas, claro) prontas, a Plantz.

Lucas Oliveira, vegano há 5 anos
Lucas Oliveira, vegano há 5 anos Lucas Oliveira, vegano há 5 anos créditos: Something New

Adorava comer carne, mas vi uma palestra de Gary Yourofsky e foi tão chocante o que vi que mudei completamente. Tornei-me vegano num espaço de um mês.

Lucas conta que, no início do processo de alterações alimentares, sentia-se derrotado pela pressão social, quando nos contou que quis comer uma piza margarita [tomate e queijo], mas os colegas disseram-lhe para deixar de "frescura" e optar por uma com linguiça.

Acabei por ceder pelo propósito da pressão dessa masculinidade, mesmo reconhecendo que o sabor era bom.

Lucas conta que a família aceitou bem, o pai melhor ainda, mas que lhe lembrou das preocupações naturais com a saúde. Contudo, com os meus amigos foi mais complicado, ao ponto de perceber que não eram assim tão meus amigos.

Além de dicas de nutrição, Lucas gosta de exercitar o corpo com frequência e diz, com orgulho, que se trata de uma forma de afirmação e motivação.

Para ser um exemplo. Sei que isto tem um peso enorme entre os homens. Podemos fazer essa mudança e manter a massa muscular, sempre de uma forma inteligente e com acesso a boa informação.

A comida é mais saborosa quando se come de consciência tranquila, parece uma frase bonita, mas é a verdade. Já não vejo um animal como um alimento, já não é mais natural.

Lucas confessa que nunca deixou de gostar do sabor da carne ou do peixe, mas a questão ética fala mais alto, alertando para que ninguém consegue mudar o outro.

A mudança vem de uma chama interna. Não conseguimos impor nada, devemos ser exemplos. Dizer o que é certo e errado não funciona. Sei que a comida envolve tradição, cultura e praticidade, mas as pessoas, querendo, superam.

Rafael Pinto, vegano há 7 anos

Nasceu em Celorico de Basto, tem 26 anos, e as suas três grandes paixões são o fitness, política e o ambiente. Em 2021 lançou o primeiro livro em Portugal sobre saúde e fitness vegan, em que analisa e explica a ciência existente sobre dietas de base vegetal na vertente da saúde e performance desportiva.

Rafael Pinto, vegano há 7 anos
Rafael Pinto, vegano há 7 anos Rafael Pinto, vegano há 7 anos créditos: Something New

Na altura, tinha 19 anos e seguia a típica dieta dos praticantes do fitness: muita proteína de origem animal. Rapidamente percebeu que não precisava de comer carne para ser saudável, sendo impulsionado a rever todo o raciocínio.

Porque estamos a matar tantos animais e a destruir o planeta se não temos essa necessidade? E não consegui encontrar uma justificação lógica. Nesse dia ainda comi carne, senti-me mal ao fazê-lo, mas dois dias depois era vegano.

Os pais, que sabiam das suas preocupações com a alimentação - e pelo fitness - acreditavam que era só mais uma panca do filho, mas não.

Foi nessa altura que comecei a partilhar nas redes sociais, como uma verdadeira forma de ativismo, mas também como motivação para treinar. Quando nos vêem a levantar grandes pesos e nos perguntam o que comemos, a reação é espantosa.

Rafael Pinto não quer normalizar o consumo de origem animal, uma vez que atualmente temos escolha, e a escolha normal deveria ser não fazê-lo.

O objetivo do meu ativismo não é tornar as pessoas veganas, é fazer as pessoas comerem menos produtos de origem animal. O rótulo não é importante.

Rafael tem a consciência de que para a maioria das pessoas a alimentação é uma questão emocional e não lógica.

Aqui fazem-se petições para deixar de comer carne de cão e do outro lado do mundo há alguém a pedir-nos para deixar de comer vacas. Um vegano acredita que todos os animais são iguais.

Filipe Cardoso, vegano há 5 anos

Filipe Cardoso, vegano há 5 anos
Filipe Cardoso, vegano há 5 anos Filipe Cardoso, vegano há 5 anos créditos: Something New

A Padoca parece uma pastelaria convencional, localizada em Vila Nova de Gaia, e quando se está  lá dentro nem se percebe que todos os produtos [ver alguns no vídeo mais abaixo] estão livres de origem animal.

O homem por detrás desta nova Padoca [existe outra em Valadares que agora também tem produtos veganos] é Filipe Cardoso que, aos 27 anos, quer mudar a forma como os portugueses comem, se possível em qualquer uma das refeições.

Revolucionei um pouco a minha família, a vida do meu pai, que tem 68 anos. Trabalhou em padaria durante 55 anos neste setor e não foi fácil. O feedback que tenho é que os produtos agora são mais leves e saborosos do que eram antigamente, quando juntávamos produtos de origem animal.

A transformação, se é assim que ainda lhe podemos continuar a chamar, deu-se depois de uma investigação pela industria alimentar, nomeadamente a pecuária.

Fui tentar descobrir o que faziam aos animais para eles crescerem de uma forma tão rápida e comecei a perceber que aquilo não era bom para o [nosso] organismo. Também comecei a achar que era só reciclar e fechar mais vezes a torneira em casa para ajudar o meio ambiente e percebi que não era assim. Comecei a estudar mais sobre a indústria alimentar e percebes que aquele pedaço de carne não é um só um produto, é um animal. As pessoas estão alheias a essa lógica.

São croissants, donuts, pastéis de nata, bolas de Berlim [doces] e francesinhas, hambúrgueres ou rojões ao estilo minhoto, mas com seitan. Filipe Cardoso deixa o convite para experimentar e fazer a sua própria avaliação.

Já sentiram preconceito? É mais difícil para um homem? Que alterações surgem? Veja o vídeo  abaixo com algumas das possíveis respostas.

Masculinidade vs Carne?

Os psicólogos mostram-se muito atentos a este fator. Uma das possibilidades está relacionada com a 'masculinidade precária', isto quer dizer que os homens estão constantemente preocupados em manter a virilidade, portanto, sentem a necessidade de provar isso em todas as oportunidades. Por exemplo, quando os homens são ‘obrigados’ a fazer algo mais ‘feminino’, como fazer uma trança no cabelo de uma boneca, tendem a querer exibir a sua virilidade depois.

Steven Heine, psicólogo da University of British Columbia, sugere que este ‘obstáculo’ se deve, em grande parte, à História.

"A carne sempre foi associada ao perigo e ao desafio, porque era necessário caçar para obtê-la. Além do estatuto, porque era um alimento valorizado nas nossas sociedades patriarcais, então os homens queriam a carne para eles", disse, em declarações à BBC.

Afinal, porque existe tanto ódio à volta do veganismo?
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Também se acredita que foi perpetuado pelo marketing. A partir do século XIX, quando se tornou socialmente aceitável que existissem ‘jantares de mulheres, os responsáveis de marketing e publicidade tiveram que distinguir os alimentos para um público feminino outro para o masculino. Resultado: sobremesas requintadas e saladas deliciosas para mulheres, enquanto o bife era para homens.

Se analisarmos o atual período, vai observar que as mesmas visões são passadas de gerações em gerações. Milhares de gerações levam-nos a associar carne à masculinidade, por isso é expetável que os homens sejam mais relutantes ao veganismo, com receio de obter uma reação intimidante ao seu redor.

O Dr. Michael J. Richardson, professor de Estudos Humanos na Universidade de Newcastle, está a fazer um estudo sobre a relação entre carne e masculinidade, referindo que a maneira como as pessoas reagem a este ‘desafio à masculinidade’ pode variar.

“Como qualquer outro desafio às estruturas da masculinidade hegemônicas, quando existe uma ‘transformação vegana’, as acusações imediatas de fraqueza e homossexualidade vêm à tona.”

Insultos como soy boy [menino de soja na tradução literal], servem para descrever “homens com uma carência completa de todas as qualidades masculinas necessárias”. Isto está ainda relacionado com a ligação (cientificamente não comprovada) entre o consumo excessivo de produtos de soja e os danos ao físico e à libido masculina.

Durante a sua pesquisa, Heine descobriu que apenas listar os alimentos vegetarianos de que uma pessoa gosta pode ser o suficiente para fazê-los parecer menos masculinos. Sabendo disso, “talvez alguns homens estejam preocupados com o que pensarão se pedirem uma salada num restaurante”, diz o professor.

Margaret Thomas, psicóloga do Earlham College, no estado de Indiana, EUA, descobriu que os veganos são vistos como menos masculinos - mas apenas se for esta a perspetiva que querem ter deles próprios.

A razão pela qual há mais mulheres veganas não se resume apenas à virilidade do homem. Estudos mostram que as mulheres são mais compassivas no geral e particularmente quando se trata de animais. É mais provável que o sexo feminino tenha mais sensibilidade quanto aos abusos e preferência na aquisição de animais de estimação.

Por fim, há a "teoria da dominância social", em que é mais apelativo para os homens comerem carne porque os lembra da dominância da espécie sobre os animais, reforçando assim o sentimento de superioridade.

Em Portugal, existem poucas pesquisas credíveis sobre o veganismo, muito menos quanto à diferenciação de género. Porém, um estudo da consultora Nielsen, divulgado em 2018, mostrou que nos últimos dez anos o número de vegetarianos [diferente de veganismo] quadruplicou. Estima-se serem cerca de 120 mil portugueses, o que corresponde a 1,2% da população.

Ser ou não ser vegano? A opinião de três nutricionistas

Antes de tentar responder a esta difícil, talvez impossível, questão, é importante recordar, segundo os entrevistados, que o veganismo vai além do regime alimentar, uma vez que os produtos têxteis e materiais e de higiene também são excluídos da rotina por questões éticas.

Posto isto, recordamos três opiniões diferentes sobre este tema. Sandra Gomes Silva, Leonor Santos Loureiro e António Pedro Mendes são nutricionistas e, em diferentes ocasiões em entrevistas aos canais do portal SAPO, deram as suas visões sobre a alimentação vegana.