Nos últimos dias, as notícias que nos têm chegado acerca do rumo das negociações entre o Governo e os enfermeiros são preocupantes.

Sete sindicatos de enfermagem iniciaram negociações com o Governo. Dois deles, decidiram marcar greves e o Governo recusa-se a negociar nesse contexto. Os restantes cinco estão unidos na plataforma “Compromisso pela Enfermagem” e continuam a negociar a grelha salarial e um acordo coletivo.

Porém, a proposta inicial de grelha salarial que receberam do Governo ficou muito aquém das expetativas dos enfermeiros, havendo mesmo quem a considere um insulto.

A verdade é que a maior força de trabalho da Saúde encontra-se num estado de desilusão e descontentamento como não me recordo de alguma vez ter testemunhado. E isso deve ser encarado seriamente.

Estamos a criar terreno fértil para o surgimento de movimentos inorgânicos de enfermeiros, e que se equacionem protestos como o abandono de serviço, como aconteceu na Finlândia há uns anos e que, em Portugal, também se ensaiou na histórica greve de 1976.

Há mais de uma década que os enfermeiros do setor público não veem qualquer atualização na sua tabela salarial, que acaba por ser uma referência para todos os outros setores — privado, social e militar — enquanto outras profissões na área da saúde têm sido valorizadas, sob diversas formas. Esta estagnação salarial é uma injustiça à dedicação e ao sacrifício dos enfermeiros e compromete a dignidade do seu exercício profissional.

Quanto à progressão na carreira, é necessário aproximadamente um século para atingir o topo. Esta realidade não só desmotiva os profissionais, como também tem repercussões diretas na qualidade dos cuidados prestados.

A falta de reconhecimento e a ausência de valorização são inaceitáveis numa profissão que exige tanto em termos de responsabilidade e compromisso. Acresce que também é inconcebível a precariedade dos contratos de trabalho de muitos enfermeiros que o sistema precisa em permanência. O setor público, que deveria ser um exemplo na luta contra a precariedade laboral, continua a perpetuar esta gestão irracional de recursos humanos, deixando muitos enfermeiros numa situação de instabilidade e insegurança.

A Ordem dos Enfermeiros tem demonstrado apoio aos impulsos reformistas do Governo, mas é importante compreender que, por um lado, as mudanças reais não acontecem por decreto e, por outro, sem uma valorização dos enfermeiros, quaisquer reformas serão inviáveis.

Num momento em que a Saúde enfrenta desafios sem precedentes, é fundamental que se reconheça o papel vital dos enfermeiros.

É certo que o descontentamento dos enfermeiros é um reflexo de falhas sistémicas que têm sido ignoradas ao longo de muitos anos. Mas, agora, o tempo esgotou-se.

O país não pode dar tudo a todos. Mas é essencial que se definam prioridades. E, na Saúde, os enfermeiros, pela indiferença a que têm sido, sucessivamente, condenados, devem ser considerados prioritários.

Faço um apelo ao bom senso. Os enfermeiros não podem, nem vão, continuar a ser os profissionais de saúde, altamente diferenciados, que o país aplaude e apelida de heróis, que trabalham incansavelmente sem o devido reconhecimento e valorização, mas que se mantêm invisíveis aos olhos do Governo.