A intervenção cirúrgica, que decorreu em abril e que foi agora divulgada, durou 15 horas e passou por três fases - excisão do tumor, colocação da prótese em substituição dos ossos de metade da pélvis do paciente de 27 anos que foi removida e encerramento do procedimento. Envolveu uma equipa de vários profissionais, chefiada pelos dois cirurgiões da Unidade de Tumores Ósseos do CHUC que trabalham juntos há oito anos.

"É uma cirurgia complexa pelas localizações anatómicas de diversas estruturas que estão na vizinhança dos locais intervencionados no ato cirúrgico. Envolvem vasos sanguíneos que transportam sangue para as pernas, vísceras ocas, como a bexiga, e também a parte óssea e a parte nervosa e obriga a um grande planeamento pré-operatório", disse à agência Lusa o médico José Casanova.

O convite surgiu depois de um ortopedista do Hospital Universitário das Canárias (conhecido pela antiga sigla da unidade de saúde portuguesa, HUC, e localizado na ilha de Tenerife) ter feito um estágio em Coimbra: "Não é uma cirurgia que se faça todos os dias, é complexa e o doente teria de ser enviado para outro local em Espanha. Chamaram-nos e realizámo-la pela primeira vez fora de Portugal", explicou, por seu turno, o ortopedista João Freitas.

O especialista adiantou que o doente de 27 anos estava acamado há quatro meses com uma lesão "que o impedia de andar e punha em perigo a sua vida" e que a prótese utilizada, numa liga metálica específica, substituiu os ossos removidos da parte direita da bacia e permite que o jovem leve uma vida próxima do normal.

A intervenção cirúrgica começou ao início da manhã e terminou perto da meia-noite e envolveu "procedimentos muito demorados porque se solta tudo", ilustrou João Freitas, acrescentando que a intenção é curar o doente, mas também dar-lhe função motora.

"Isso tem de estar sempre presente na mente de um cirurgião, porque senão o homem ficaria ou numa cadeira de rodas ou numa cama, para sempre. E ele já anda", destacou.

"Andar é extremamente importante. Vai fazer, de certeza, as coisas básicas do dia-a-dia: levantar-se, ir à mesa, à casa de banho, sair à rua, até conduzir, talvez um carro adaptado numa fase inicial, mas terá potencialidade de fazer uma vida normal atendendo também à sua idade", frisou João Freitas.

Já José Casanova lembrou que a funcionalidade de um doente a quem é colocada uma prótese de substituição óssea depende de vários fatores, desde logo o grau de extensão da intervenção.

"E, depois, depende também da idade do doente. Um jovem de 27 anos tem um potencial de recuperação muito maior do que doentes de 70 anos e da vontade de recuperar, o empenho que põe na recuperação é muito importante", declarou o ortopedista.

O paciente mais antigo, intervencionado há 10 anos com uma prótese precursora da atual - a mais recente é usada há cerca de quatro anos - é um professor de engenharia de Lisboa que, segundo José Casanova, "conduz o seu carro e anda de bicicleta", apesar de usar uma canadiana na qual se apoia nos movimentos diários.

Hoje em dia, adianta João Freitas, é possível retirar e reconstruir "qualquer" osso do corpo humano afetado por tumores, embora note que há situações "que são impossíveis", nomeadamente as que surgem "muito tarde".

"Mas salvar a vida, primeiro, e poder salvar o membro, é fantástico. E temos meios para isso", sublinhou.

O doente espanhol vai continuar a ser seguido pelos especialistas do país vizinho - a nível oncológico e na parte ortopédica - mas também pelos ortopedistas do CHUC: "Continuamos a receber informações e a dar indicações em parceria com os colegas espanhóis. Estaremos sempre ligados a esse doente", afirmou João Freitas.

Ouvido pela Lusa, José Martins Nunes, presidente do conselho de administração do CHUC, lembrou a "dimensão de cooperação" do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, quer a nível interno, onde foi "pioneiro" em parcerias com outros hospitais, quer a nível internacional e dos países de língua oficial portuguesa.

"Temos vindo a trabalhar no reconhecimento internacional do nosso hospital. Estamos a começar a ser solicitados para integrar equipas de países estrangeiros e isso significa o prestígio da medicina portuguesa. Este hospital e os seus profissionais, de uma forma muito sólida, têm trabalhado no sentido da qualidade", referiu.