A especialista falava no âmbito do VIII Congresso Nacional de Cuidados Paliativos, realizado recentemente em Lisboa, onde afirmou, em entrevista ao Raio-X, que “a referenciação das crianças para Cuidados Paliativos Pediátricos deve ser mais precoce” e não deve ser conotada com “o final de linha”.

Para Ana Lacerda, apesar dos grandes avanços que têm sido feitos nos últimos três anos, há ainda muito a fazer, não só ao nível da formação dos profissionais de saúde, mas também na necessidade de despertar “consciências que ainda estavam adormecidas relativamente às necessidades das crianças com doenças limitantes ou ameaçadoras da vida e suas famílias”.

Uma das grandes barreiras “que, até aqui, tem limitado o desenvolvimento de soluções” é o facto de os profissionais ainda verem o sofrimento das crianças “como uma derrota da Medicina Moderna. É contranatura nós aceitarmos que uma criança sofra e que possa vir a morrer”, mas reforça que “quando uma criança é referenciada para Cuidados Paliativos, isso não significa que desistimos dela. Muito pelo contrário, pretendemos ajudá-la (e à sua família) a atravessar um processo que é naturalmente doloroso com o menor sofrimento possível”.

Ana Lacerda reforça que, neste contexto, há ainda muito trabalho de sensibilização por desenvolver, nomeadamente para as próprias famílias, pois reconhece que “é difícil para as famílias aceitarem a referenciação de uma criança para uma equipa de Cuidados Paliativos e esta realidade é reconhecida a nível internacional e, por isso, recomenda-se a utilização de uma terminologia diferente. Planeamento Antecipado de Cuidados, Controlo de Sintomas, Equipas de Suporte são algumas das opções para substituir o termo Cuidados Paliativos. Na prática, o nome não será o mais importante, desde que sejam seguidos os princípios e as boas práticas daquilo que é considerado o acompanhamento de Cuidados Paliativos”.

A oncologista pediátrica foi responsável por um workshop sobre Cuidados Paliativos Pediátricos no âmbito do VIII Congresso Nacional de Cuidados Paliativos, e reforça a importância do momento em que deve ser feita a referenciação das crianças para os Cuidados Paliativos. Existe “uma recomendação internacional, que tem como objetivo que as crianças sejam avaliadas por uma equipa de Cuidados Paliativos antes de chegarem ao tal ‘fim da linha’ ou seja, apenas quando se abandonam as opções terapêuticas potencialmente curativas. A referenciação deve sim acontecer quando se reconhece que uma criança e a sua família vão viver com necessidades de saúde complexas”.

No seu entender, qualquer médico deve estar apto a prestar Cuidados Paliativos e, “no mínimo a promover a abordagem paliativa da pessoa com doença limitante ou ameaçadora da vida”, mas reconhece que há ainda muito trabalho por desenvolver em Portugal no que diz respeito à formação pré-graduada nesta área, pois “muito poucas escolas e faculdades contemplam a abordagem paliativa na formação pré-graduada”.

O primeiro passo foi dado este ano letivo de 2015-2016 “com a criação da primeira unidade curricular opcional de Cuidados Paliativos Pediátricos na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Lisboa. Pela primeira vez, estudantes do 5.º ano de Medicina têm a possibilidade de aprenderem sobre esta área. Na mesma faculdade, dentro da cadeira de Pediatria, há também aulas de Cuidados Paliativos”, uma realidade que Ana Lacerda espera que seja alargada a outras instituições de ensino em Portugal.

A médica coordenou em 2014 um Grupo de Trabalho que entregou ao anterior Governo um relatório que propunha que todos os Serviços de Pediatria criassem equipas de profissionais mais atentas a estas questões dos Cuidados Paliativos Pediátricos que “deveriam ser ajustadas à dimensão e recursos de cada Serviço de Pediatria. Os profissionais destas equipas devem ter como missão a sensibilização dos colegas para a necessidade de referenciar a uma avaliação de Cuidados Paliativos e de promover o que consideramos serem os princípios essenciais dos Cuidados Paliativos, nomeadamente as discussões antecipatórias, o planeamento de cuidados, a melhoria da comunicação com a família, a articulação entre prestadores, o controlo de sintomas, a promoção de cuidados domiciliários, entre outros”.

Ana Lacerda lembrou ainda a existência da plataforma www.cuidandojuntos.org.pt criada em 2014 pela aTTitude, uma associação sem fins lucrativos, sob orientação técnico-científica do Grupo de Apoio à Pediatria da APCP e do Grupo de Cuidados Continuados e Paliativos da Sociedade Portuguesa de Pediatria, onde é disponibilizada informação às famílias, aos profissionais de saúde e que se pretende assumir como uma plataforma de discussão e de entendimento para dinamizar a área em Portugal.

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