Finalmente temos uma nova orgânica do Ministério da Saúde com um Diretor Executivo no topo.

A ideia de um CEO é uma boa ideia. Aliás, no último capítulo do meu livro, ”Um manual para a mudança na Saúde”, onde apresento uma proposta de programa de governo, é por aí que começo:

  • Transformando numa primeira fase o SNS numa Holding presidida por um Presidente do SNS. h• Dotando cada uma das instituições do SNS de um estatuto jurídico próprio que consagre a sua autonomia jurídica e financeira.

Mas acrescento:

  • Transformando a Rede do SNS numa Rede Social Convencionada (com uma tabela social de referência e aberta aos privados que a ela se queiram ligar) em que as várias unidades passam a estar em competição e se autofinanciam através dos serviços que prestam. O seu financiamento será feito através de um Instituto Financiador Autónomo‑ partilhado pelo Estado, cidadãos e prestadores‑ que terá como receitas as verbas do Orçamento de Estado para a Saúde e eventuais comparticipações dos cidadãos. Para efeitos práticos este fundo será doravante chamado de Instituto Seguro Social de Saúde.

  • Numa segunda fase, assim que estiver a funcionar a nova organização financiadora, nada obsta, e é de incentivar, a concessão da exploração‑ ou a privatização integral‑ da totalidade ou por setores, das várias unidades‑ centrada, como primeira opção, nos próprios quadros da instituição segundo propostas a apresentar pelos próprios‑ e com a condição de elas se manterem exclusivamente na rede Social Convencionada (S.N.S.)

E aqui duas diferenças fundamentais ao que o Governo propõe: A necessidade prévia de uma nova forma de financiamento da Saúde e a concessão da gestão a entidades privadas (sejam privadas, do setor social ou corporativas de profissionais).

De fato, não se acredita na possibilidade de qualquer melhoria sem libertar o Orçamento da Saúde da ditadura do Ministério das Finanças cujo Orçamento de Estado para a Saúde não pode subir mais que a inflação e nem de longe acompanhar as reais necessidades de crescimento com a população envelhecida a aumentar, novas doenças (como a pandemia e outras) e inovações tecnológicas quer em técnicas, equipamentos e novos medicamentos e terapêuticas.

Nem se acredita que seja possível haver autonomia responsável sem que exista um dono que ganha ou perde conforme o desempenho. A experiência da autonomia das Unidades de Saúde Familiar do Modelo B , analisada num terrível relatório da IGAS sobre as auditorias pedidas há 4 anos, na sequência desta notícia, precisamente por Fernando Araújo quando ainda era secretário de Estado da Saúde e tinha o pelouro dos Cuidados de Saúde Primários, atesta-o. E até agora nada aconteceu para além da promessa da Senhora Ministra da Saúde, há 3 anos, da revisão do DL das USFs. O que vai fazer agora Fernando Araújo novo CEO do SNS?

E no Modelo B apenas falamos de questões de funcionamento dos profissionais sem qualquer envolvimento das outras questões de gestão. Se numa unidade de gestão privada houver má gestão e desperdício quem fica com o custo é o dono. Numa Unidade pública será o contribuinte…

Mas vejamos o que vai mudar:

Em primeiro lugar o colocar no topo da hierarquia um Diretor Executivo. Passamos a uma holding unipessoal.

Em segundo, a ACSS- Administração Central do Sistema de Saúde , desliga-se da tutela política do Ministro da Saúde e passa a funcionar subordinada ao novo Diretor Executivo-SNS e por encomendas deste.

Embora sempre subordinada ao DE, passa da mera coordenação e trabalho burocrático para ter poderes executivos e de decisão.

Vejamos as alterações ao artigo 14 º (ACSS) da lei orgânica do Ministério da Saúde

Financiamento

A ACSS- passa de:

  1. Coordenar, monitorizar e controlar as atividades no MS para a gestão dos recursos financeiros afetos ao SNS, designadamente definindo, de acordo com a política estabelecida pelo membro do Governo responsável pela área da saúde, as normas, orientações e modalidades para obtenção dos recursos financeiros necessários, sua distribuição e aplicação, sistema de preços e de contratação da prestação de cuidados, acompanhando, avaliando, controlando e reportando sobre a sua execução, bem como desenvolver e implementar acordos com entidades prestadoras de cuidados de saúde e entidades do setor privado ou social, responsáveis pelo pagamento de prestações de cuidados de saúde.

Para:

  1. Planear e gerir os recursos financeiros do MS e do SNS, designadamente definindo e implementando orientações para a obtenção, afetação e aplicação dos recursos financeiros necessários aos estabelecimentos e serviços do SNS, definindo o sistema de preços e de contratação da prestação de cuidados de saúde e acompanhando e reportando a execução dos recursos financeiros, em articulação com a DE-SNS, I. P.;

Desaparece a intervenção política, pois desaparece “de acordo com a política estabelecida pelo membro do Governo responsável pela área da saúde”. Fica só a subordinação à DE-SNS.

E de coordenar passa a assumir de fato a responsabilidade de planear e gerir os recursos financeiros do MS e do SNS, designadamente definindo e implementando orientações para a obtenção dos recursos financeiros necessários aos estabelecimentos e serviços do SNS.

E aqui duas questões:

  1. Quer isto dizer que se o dinheiro do OE for insuficiente pode a DE-SNS, através da ACSS, definir livremente pagamentos ou copagamentos no SNS de forma a conseguir os recursos financeiros necessários? Fora da decisão política?
  2. definindo o sistema de preços e de contratação da prestação de cuidados de saúde e acompanhando e reportando a execução dos recursos financeiros, em articulação com a DE-SNS, I. P.;

Quer isto dizer que as tabelas de preços e as contratações ao sistema privado e social ficam de fora da esfera política e são decidas exclusivamente pela ACSS em articulação (leia-se subordinação) com a DE-SNS?

Recursos Humanos

O mesmo se passa com os recursos humanos, o DE-SNS, através do ACSS passa a assumir totalmente os recursos humanos e até aos regimes de trabalho e a contratualização coletiva.

  1. b) Planear e desenvolver as políticas de recursos humanos na saúde, designadamente definindo normas e orientações relativas a profissões, exercício profissional, regimes de trabalho, negociação coletiva, registo dos profissionais, bases de dados dos recursos humanos, ensino e formação profissional, bem como realizar estudos para caraterização dos recursos humanos, das profissões e exercícios profissionais no setor da saúde;

Perguntas:

É a ACSS, suportada pelo DE, que vai negociar com os sindicatos?

No novo modelo quem e como se procede à contratação de profissionais? Mantendo o atual esquema de concursos nacionais ou da forma que a DE-SNS entender?

As formas de remuneração dos profissionais ficam por conta de decisão da DE-SNS?

Poderá ser diferente de unidade para unidade? E mesmo dentro da mesma unidade? Será decisão de cada administração hospitalar e ACES?

USF Modelo B-O DL vai ser revisto? É um modelo a generalizar ou a acabar (ficando o Modelo A)? Quem tem poder de decisão neste campo?

Quem aprova a passagem a USF e a modelo B? Quem acompanha e quem contratualiza com as USF?

Contratualização Externa

  1. l) Celebrar, sob proposta da Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde, I. P. (DE-SNS, I. P.), acordos com entidades prestadoras de cuidados de saúde, entidades do setor privado ou social e com profissionais em regime de trabalho independente, incluindo nas áreas dos cuidados continuados integrados e cuidados paliativos, bem como celebrar e acompanhar os contratos em regime de parceria público-privada;

A DE- Executiva do SNS fica com poderes para, através do ACSS, contratualizar livremente com privados, incluindo PPP?

Neste campo, contratualização de privados e PPP, qual a latitude de que dispõe a DE-SNS? Autonomia plena ou sob tutela e decisão política?

Sobre o CEO escolhido

Fernando Araújo parece neste momento ser a pessoa indicada para o cargo. Tem experiência política como secretário de Estado da Saúde, tem experiência bem sucedida como administrador do Hospital de S. João, o 2º do País, tem conhecimento, visão e independência como tem mostrado nos artigos que tem publicado no JN.

Mas não é um super-homem, e fica como CEO de uma empresa com 14 mil milhões de orçamento, mais de 100 000 profissionais e responsável por garantir a Saúde de mais de 10 milhões de pessoas.

A primeira pergunta é quanto vai ganhar. Espero que não menos que a CEO da TAP (por aqui veremos a importância que o governo dá à saúde).

Que staff vai ter? Qual a capacidade operacional a ACSS lhe poderá dar?

Qual a liberdade para recorrer à gestão privada e a prestadores privados, os quais têm sidos desconsiderados nos últimos 7 anos?

Mas, mais importante que tudo: como irá conseguir um financiamento para o SNS ajustado às necessidades sempre crescentes? Como conseguirá passar as unidades do SNS de um ineficiente modelo de Administração Pública para um ágil e eficiente modelo de gestão, contendo o desperdício e melhorando a acessibilidade, a qualidade e os resultados em saúde?