Os maus tratos físicos e a negligência a crianças estão a aumentar com as dificuldades das famílias, que não conseguem assegurar necessidades básicas como alimentação, vestuário e uma casa digna, alerta uma dirigente da Sociedade Portuguesa de Pediatria.

Deolinda Barata é presidente da secção de pediatria social daquela Sociedade e coordena o núcleo de crianças e jovens em risco do Hospital D. Estefânia (Lisboa), onde tem assistido a situações que não surgiam na prática clínica “há 20 ou 30 anos”.

“Estamos a andar para trás na história dos maus tratos. E voltámos a ver maus tratos hediondos”, disse à agência Lusa, atribuindo esta situação, em parte, ao desespero das famílias que, quando excluídas, perdem as suas referência e veem-se “privadas de dar um colo aconchegante” aos filhos.

A pediatra não tem dúvidas de que “os maus tratos vão aumentar e de uma maneira brutal, indigna e dolorosa” para as crianças.

A negligência é uma destas formas de maus tratos que é cada vez mais frequente e “devastadora”.

“Não dar um vestuário, alimentação, casa e carinho pode não parecer tão penalizador como o mau trato físico”, afirmou, avisando, contudo, que se as feridas do corpo podem sarar, “as da alma” são mais inultrapassáveis.

Segundo Deolindo Barata, algumas famílias têm dificuldade em cumprir as necessidades básicas das crianças, como a alimentação, havendo cada vez mais casos de menores com sinais de uma nutrição inadequada e até bebés com meses a beber leite de vaca.

A par da negligência, começam a surgir nos serviços de saúde mais casos de maus tratos físicos, que os profissionais já não estavam habituados a ver e “com uma roupagem cada vez mais difícil de descodificar”.

Por isso, a responsável da Sociedade de Pediatria alerta os profissionais de saúde para estarem “muito mais atentos”, nomeadamente às justificações que as famílias apresentem perante eventuais casos de fraturas ou acidentes, que podem esconder maus tratos.

O abandono de bebés e crianças começa também a ser “uma chaga social”, a par dos casos de abuso sexual.

“Se a casa não tem condições, a promiscuidade existe e é facilitadora de que esta chaga comece a ter visibilidade. É necessário romper a barreira do silêncio”, declarou, recordando que é no meio familiar que se dão grande parte dos casos.

Perante este cenário, Deolinda Barata estima que vai haver um recuo dos bons indicadores de bem-estar na sociedade e na saúde alcançados por Portugal nas últimas décadas.

“Estes indicadores vão piorar seguramente. Os nossos governantes têm de ter a noção de que os indicadores estão a retroceder e que isto é muito grave”, afirmou, receando voltar a ver níveis que possam envergonhar o país.

Em relação à infância, a médica sublinha que foi preciso uma trajetória ao longo da história universal do Homem para reconhecer às crianças direitos que agora começam a ser esquecidos.

Para isto contribuiu esta crise “com cortes cegos”, que começa a ser “altamente penalizadora” para os mais desfavorecidos e para a classe média.

6 de novembro de 2012

@Lusa