HealthNews- Como é que avalia a atribuição deste prémio?
Mário Dinis Ribeiro– Este prémio é o reconhecimento pela capacidade de iniciativa que a equipa tem no sentido de, sempre pensando em melhorar os cuidados aos doentes, integrar e desenvolver tecnologias. Foi uma ideia que surgiu na equipa mais dedicada a trabalhar nestes doentes, designadamente a Dr.ª Catarina Brandão e Dr.ª Claúdia Pinto, tendo conhecimento de um desenvolvimento tecnológico que ainda não tinha sido usado para este fim. Portanto, seria a aplicação de uma tecnologia de forma original.
É um reconhecimento da equipa. Significa que a equipa está atenta ao que vai sucedendo e inova ao serviço dos doentes.
HN- Inovar tem sido uma das vossas grandes preocupações, para melhor tratarem os doentes, certo?
MDR- Exatamente. Os cuidadores de saúde não existem não existindo pessoas que precisem deles, e as perguntas de investigação surgem porque queremos cuidar melhor – é esta a motivação. E isso pode levar a perguntas para determinar se existe algum perfil de risco, se determinados doentes beneficiam ou não de um tratamento ou de ato diagnóstico, etc. Neste contexto, foi também com esse propósito.
Quisemos perceber se neste grupo (doentes com Lynch) a utilização de inteligência artificial na realização de colonoscopias ia acrescentar benefício, sendo que a progressão entre a existência de pólipos e o cancro é mais rápida nestes doentes. Apesar de o nosso programa ser regularmente verificado e ser seguro, e termos os melhores cuidados oferecidos aos doentes, a Dr.ª Catarina Brandão e a Dr.ª Cláudia Pinto tiveram a ideia de questionar: se nós virmos mais pólipos, menos pessoas podem vir a ter cancro?
HN- Em que grupos de doentes seria mais benéfico recorrer a esta técnica?
MDR- O que nós sabemos é que a utilização de inteligência artificial na observação do cólon é custo-eficaz. Temos esse dado para publicação, em colaboração com um grupo internacional. Ou seja, demonstramos que a utilização destes sistemas num contexto da população geral é custo-eficaz. Nesse sentido, antevemos que a colonoscopia futura deverá ser realizada com o apoio da inteligência artificial. Claro que isto depois levanta outras questões, de avaliação de qualidade, médico-legais, etc., que a comunidade está a discutir.
Esse ganho na população geral poderá ser maior em fases precoces do treino, para profissionais mais cansados ou em profissionais em que a taxa de diagnóstico é subótima. Portanto, ela é custo-eficaz, mas poderá ser mais vantajosa em grupos com necessidade de ajuda, nas fases de treino, na fase de recuperação do treino ou na fase de manutenção das competências. Isto na perspetiva dos profissionais, que, no final, é na perspetiva do doente – se auxiliarmos melhor, haveremos de tratar melhor os doentes.
Esta bolsa foi lançada no biénio 2019-2021, sendo que as primeiras bolsas foram atribuídas em 2021. Por tudo o que se passou nestes últimos anos, houve algum atraso no arranque da bolsa e do projeto. Nesta colaboração entre a Sociedade Europeia de Endoscopia Digestiva e a Medtronic, através de bolsas, foi aberta a possibilidade de investigar áreas em que não se antevia um benefício óbvio. Por exemplo, no contexto que nós estamos a investigar, os doentes têm mais pólipos do que a população geral, e mais precocemente. Nessa perspetiva, sabendo que há pólipos, será que vale a pena termos um sistema destes? Será que vai acrescentar alguma coisa? É isso que queremos saber.
Quando me pergunta que outros grupos, eu admito que a inteligência artificial terá desenvolvimentos por exemplo na área da doença inflamatória do intestino, ou eventualmente fazendo substituir algumas das métricas de qualidade e facilitando a avaliação de qualidade. Provavelmente não há um grupo específico, será transversal.
A colonoscopia era sempre feita apenas com os olhos do médico ou da equipa. Agora, com o desenvolvimento da tecnologia, acrescenta-se uma informação que terá certamente pontos positivos e menos positivos. Poderá eventualmente haver um excesso de diagnóstico, que nem sempre é benéfico, mas isso é, para já, provavelmente demasiado específico.
HN- Como é que se caracteriza a síndrome de Lynch?
MDR- São indivíduos que herdaram mutações, em alguns genes, que fazem com que o processo de carcinogénese – o processo de desenvolvimento de um cancro – possa ser mais acelerado, e surge em idades jovens e em vários órgãos. Estima-se que estas pessoas sejam uma em cada 300 da população geral, mas representam a principal forma de causa hereditária do cancro colorretal. Entre as pessoas que infelizmente têm cancro, até cerca de um quarto terão uma história familiar, e nestas, o principal grupo onde conseguimos saber qual a mutação envolvida é a síndrome de Lynch. Nestes indivíduos, uma vez identificado o facto de essa pessoa pertencer a esse grupo, é-lhe sugerido um programa específico de vigilância e de cuidados, por forma a prevenir aquilo que não queremos: que essa pessoa venha a falecer de cancro.
HN- Como é feito o diagnóstico da síndrome de Lynch?
MDR- O diagnóstico é feito do ponto de vista clínico e genético. Há um pequeno grupo de pessoas em que não se lhes consegue encontrar o gene, mas a maior parte tem genes específicos. Se pertencerem a uma família onde há múltiplos cancros, principalmente em idades jovens, ou os próprios tiverem tido duas neoplasias, devem recorrer ao seu médico assistente. E porque este caso concreto é o mais frequente, os médicos de família sabem muito sobre isto. Depois, há uma cadeia de referenciação. A norte do país, a referência ao IPO é possível.
HN- O que gostaria que fosse desenvolvido em termos de diagnóstico?
MDR- Se me pergunta por um sonho, seria que ninguém morresse de cancro digestivo. É preciso que as pessoas estejam atentas à sua história familiar, aos seus sintomas e façam rastreio e diagnóstico precoce. É importante estar atento a pequenos sintomas e pensar que a partir dos 45/50 anos podemos ter alguma coisa. Claro que devemos também ter hábitos de vida saudáveis: fazer exercício; consumir uma dieta rica em frutas e vegetais, pobre em oxidantes; não fumar e não beber álcool. Porque, de facto, das 100 mil pessoas que falecem anualmente em Portugal, cerca de 25 mil morrem de cancro, e uma enorme proporção é de cancro do intestino.
O cancro digestivo tem três ou quatro fatores de risco fundamentais: o tabaco, o álcool, consumo de sal e algumas infeções. Pode ser diagnosticado precocemente e, ainda, pode-se diagnosticar as lesões que vão levar ao cancro. E mais, é importante, como eu disse há pouco, a história familiar. Portanto, a investigação que eu antevejo que possa ser muito útil é na área da informação ao doente, da literacia em saúde, da chamada de atenção para que estes problemas importantes.
Por outro lado, sem sobre-medicalização. O que é que isto quer dizer? Ter-se-ão que desenvolver metodologias não invasivas muito próximas do cidadão. Isto pode-se traduzir em biópsias líquidas, biomarcadores, testes na saliva, testes nas fezes, testes no sangue ou testes no hálito. Eu antevejo uma enorme investigação nessa área, e a inteligência artificial poderá fazer uma ponte muito interessante nesse sentido. Por exemplo, um cidadão que desconhece que os familiares estão com um problema de saúde, não precisa especificamente de saber que aquela pessoa tem aquele problema de saúde, mas um sistema que comunicasse os vários dados poderia alertar o médico de família.
Indo um pouco mais além, perante o diagnóstico de uma lesão pequena, precoce, tratável, ser possível tratar com preservação do órgão. Hoje, um doente que tem uma pequena neoplasia do esófago, estômago ou cólon consegue fazer o seu tratamento por via endoscópica, sem perfurações, sem cirurgia, preservando o seu órgão. E de acordo com os dados que temos vindo a publicar, os doentes preferem que assim seja, apesar de terem de manter alguma vigilância.
Um outro eixo é, nesta ponte entre o diagnóstico não invasivo e o tratamento não invasivo, melhorar o que se faz do ponto de vista endoscópico. Mais uma vez, a inteligência artificial é útil no apoio à imagem, no desenvolvimento de novos sistemas de visualização.
Portanto, em gastroenterologia, e especificamente em gastroenterologia oncológica, temos quatro eixos: informação adequada ao cidadão e ao doente, testes não invasivos, melhoria no diagnóstico precoce, por exemplo através de desenvolvimento de imagem, e tratamento minimamente invasivo. O nosso grupo do IPO tem sido líder e patrocinado através de bolsas nas mais variadas áreas. Somos um dos centros participantes no programa de rastreio regional, temos projetos financiados para o desenvolvimento de biópsias líquidas e temos sido líderes a desenvolver as tecnologias que deram origem às mais recentes recomendações no diagnóstico e no tratamento minimamente invasivo. É um privilégio trabalhar no IPO.
HN- E conseguiram desenvolver este estudo em plena pandemia de Covid-19, quando se fala muito de cancros por diagnosticar.
MDR- O mundo parou, dedicou-se à Covid – e bem. Os IPO ficaram a tratar de doentes com cancro sem Covid. Mas um indivíduo com 50 anos, em março de 2020, assintomático, a sua preocupação não era saber se tinha alguma coisa no tubo digestivo. Lá está, mais uma vez, a razão para estes quatro eixos. Se apesar de tudo isto houvesse uma melhor capacidade, por exemplo, de diagnóstico não invasivo, se calhar não haveria tanto atraso, porque as pessoas poderiam não ter necessidade de ir ao sistema. De facto, houve um atraso. O sistema está a recuperar, e todos estão atentos.
Entrevista de Rita Antunes
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