Ambiente de alta diversidade e propício à produção de compostos naturais, o mar tem sido fonte de novas substâncias e microrganismos contra os tumores descobertos pela equipa de Letícia Veras Costa-Lotufo, do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), em Fortaleza (Brasil).

A cientista apresentou as potencialidades das espécies oceânicas no combate ao cancro durante um workshop sobre biodiversidade marinha: avanços recentes em bioprospecção, biogeografia e filogeografia, realizado pelo Programa Biota-Fapesp nos dias 9 e 10 de Setembro.

«No ambiente marinho, há pressões ecológicas que favorecem a defesa através da produção de substâncias», disse Letícia, explicando que essas moléculas são produzidas pelo chamado metabolismo secundário de animais e vegetais marinhos.

O grande número de predadores e a acirrada competição por espaço são algumas ameaças presentes no mundo marinho. Tais adversidades fazem com que esses seres desenvolvam um metabolismo secundário muito eficiente, o que os torna capazes de se defender quimicamente, segundo Letícia.

Como resultado, as espécies marinhas formam uma grande fábrica de moléculas complexas e que apresentam mecanismos de acção inéditos e de interesse científico.

Mar é fonte de compostos com potencial para tratar tumores

Letícia ressalta que essa complexidade adiou as descobertas de substâncias marinhas, sendo que as pesquisas na área intensificaram-se somente a partir da década de 1950, quando surgiram as primeiras técnicas de estudo.

«A nossa fronteira mais recente são os microrganismos marinhos. Um grama de sedimento marinho chega a conter mil milhões de bactérias, um número bastante alto», disse. Esses microrganismos são encontrados em invertebrados, sedimentos e até na água do mar e a sua fermentação em laboratório também resulta em substâncias bastante complexas.

De uma espécie de ascídia endémica no litoral do Nordeste, por exemplo, o grupo da UFC isolou duas moléculas estauroporinas que apresentaram actividades anticancerígenas. Agora, os investigadores estão a isolar microrganismos da ascídia na tentativa de encontrar entre eles os produtores dessas moléculas. A partir dessa identificação será possível produzir os compostos através da fermentação.

A acção antitumoral foi testada com sucesso em animais e também in vitro. Para os testes em células, os cientistas contam com um banco de 50 linhagens de células tumorais mantido pelo Laboratório Nacional de Oncologia Experimental da UFC. «Os testes mostraram que os compostos atacam preferencialmente as células tumorais», disse Letícia.

Da alga marinha parda Sargassum vulgare, a equipa isolou uma substância capaz de atenuar os efeitos colaterais da quimioterapia, além de potencializar a actividade antitumoral do agente quimioterápico.

«Os quimioterápicos atacam o sistema imunológico, diminuindo as defesas do organismo. Conseguimos inverter esse efeito mantendo ou até melhorando a actividade antitumoral», disse Letícia, ressaltando que até agora só foram realizados testes em animais.

A leucopenia, queda do número de glóbulos brancos provocada pela quimioterapia, foi completamente revertida nesses ensaios e a actividade antitumoral chegou a aumentar cerca de 30%.

Os resultados abrem perspectivas para que a substância seja aplicada como um coadjuvante no tratamento quimioterápico. Já está em andamento o processo de depósito de uma patente para esse produto antitumoral e imunoestimulante, resultado de parceria entre a UFC e uma empresa privada.

2010-09-14

Fonte: Lusa