HealthNews (HN)- Este ano assistimos a uma “turbulência” de acontecimentos no sistema de saúde, entre escusas de responsabilidade, encerramento de serviços, demissões, greves e, talvez a mais marcante, a saída de Marta Temido do gabinete da Saúde. Em que medida a saída da ministra afetou as negociações com os sindicatos médicos?
Joana Bordalo e Sá (JBS)- Como bem disse, 2022 foi um ano muito turbulento. Infelizmente, à semelhança de anos anteriores, este ano assistimos à degradação do Serviço Nacional de Saúde. É lamentável ver o estado da saúde pública em Portugal. O encerramento de urgências e o facto de mais de 1,4 milhões de portugueses não terem acesso a um médico de família é uma situação muito grave.
É preciso perceber que esta “turbulência” se deve à falta de condições de trabalho no SNS. A negociação para revermos esta questão, assim como também a grelha salarial dos médicos e a progressão da carreira não aconteceu. Estamos desde há sete anos com este Governo e ainda não vimos nada a acontecer. É evidente que durante a pandemia estes assuntos ficaram suspensos, mas com esta situação já controlada é hora de reverter tudo isto.
HN- Uma das principais críticas apontadas à antiga ministra era a falta de diálogo e abertura nas negociações com os sindicatos. O que mudou com a chegada de Manuel Pizarro?
JBS- Com o novo ministro da Saúde começamos a ter alguma “esperança”. A nova equipa do Ministério da Saúde deu continuidade ao protocolo negocial que foi assinado com a equipa anterior. A doutora Marta Temido, de facto, não reunia connosco. Com o doutor Manuel Pizarro isto mudou. O ministro da Saúde tem vindo às reuniões… Entretanto já tivemos três reuniões, mas as negociações estão a ir muito devagar. Apesar de termos conseguido definir algumas matérias que podem melhorar as condições de trabalho dos médicos (que têm a ver com normas de organização e disciplina do trabalho), estas questões ainda não estão fechadas. Tudo isto está a ir muito lento e gostávamos efetivamente de ver alguma celeridade neste processo.
HN- Significa que o balanço que faz sobre as reuniões decorridas em 2022 com a tutela não é positivo…
JBS- Tenho de admitir que o que tem sido feito até agora é melhor que nada. Estamos ainda numa fase de processo negocial e temos a esperança de conseguir levar as propostas da Federação Nacional dos Médicos a bom porto.
HN- Para bem do SNS e dos doentes
JBS- Correto. É por isso que queremos mais rapidez. Não há volta a dar. Enquanto não se resolver o problema estrutural do SNS não se vão conseguir cativar médicos… Estes profissionais estão exaustos, não veem qualquer perspetiva de futuro e estão a sair em debandada todos os dias.
HN- Fez um ultimato ao Governo, afirmando que o Executivo irá “empurrar” os médicos para greve se não estiver disposto a uma “negociação seria” das grelhas salariais. Os problemas do SNS irão ficar resolvidos com mais dinheiro para os médicos?
JBS- Não se trata apenas de dinheiro. A questão salarial é uma medida no meio das outras todas. Tal como disse anteriormente, as condições de trabalho dos médicos são muito importantes. Ou vemos, de facto, isto a acontecer ou então vamos ter que endurecer a luta. Não é por aí que queremos ir, mas é preciso ver o que é que o Governo, nomeadamente o ministro da Saúde está disposto a negociar com os sindicatos. ´
HN- Que outras matérias devem ser negociadas para garantir a satisfação dos profissionais e a equidade dos doentes no acesso aos cuidados de saúde?
JBS- Por exemplo, a questão dos descansos compensatórios para os médicos que trabalham durante o período noturno, ao fim-de-semana ou ao feriado. Não é normal que estes profissionais trabalhem a noite toda e que no dia seguinte continuem a trabalhar. É uma questão que coloca em causa a própria segurança dos doentes.
Outro problema que temos é a questão dos tempos das consultas. Há tempos bem definidos para os médicos poderem ver os seus pacientes, mas que em muitos hospitais não são aplicados no dia-a-dia.
A questão da progressão na carreira é um tema muito importante. Portanto, são este tipo de medidas que queremos ver implementadas.
HN- A falta de profissionais no SNS é uma realidade que tem afetado o normal funcionamento das unidades de saúde. Qual a leitura que faz sobre a possibilidade, agora levantada, de ver encerrados serviços de Obstetrícia e Ginecologia em alguns hospitais do país?
JBS- Voltamos ao mesmo. É lamentável que isso tenha que acontecer. O que era desejável era termos serviços abertos e que pudessem servir as populações nas suas áreas de residência. É por causa da falta de condições de trabalho que os médicos, neste caso os Obstetras, acabam por fugir do serviço público. Portanto, ter que reorganizar as urgências é uma realidade, mas não passa de uma medida paliativa. Não é uma medida que responda aos problemas de fundo. Percebe-se que pontualmente se tenha que tomar esta medida, mas se estas medidas pontuais se tornarem crónicas é preocupante. É evidente que tem de haver reorganização dos serviços, mas é preciso que haja muita ponderação e que se tenham em conta as necessidades dos cuidados dos doentes.
HN- E ainda sobre medidas pontuais para problemas crónicos, segundo uma decisão da direção executiva do Serviço Nacional de Saúde, os hospitais de Setúbal e Barreiro vão partilhar recursos para garantir o funcionamento de pelo menos dois serviços de urgência de Ginecologia e Obstetrícia durante o Natal e o Ano Novo. Como olha para esta solução?
JBS- É uma medida paliativa que pode fazer com que doentes demorem muito tempo a ter o atendimento que necessitam. É preciso ter muita cautela com esta reestruturação. Volto a repetir, se este encerramento de serviços se torna crónico é um problema. Já sabemos que as políticas de fecho de serviços públicos levam à desertificação da população em determinados territórios.
É preciso frisar que esta medida só aconteceu nesses hospitais por causa de uma mobilização dos autarcas porque parecia terem sido esquecidos. Os presidentes de Câmara tiveram que pedir uma reunião com o ministro da Saúde para que se chegasse a esta solução.
HN- A decisão recentemente conhecida de reorganizar os cuidados em Unidades Locais de Saúde parece-lhe constituir uma medida positiva para a melhoria do acesso dos doentes aos cuidados de saúde?
JBS- Em relação a esse modelo o que posso dizer é que tem de existir uma avaliação que indique se vai ser uma solução positiva ou não. Mas uma coisa é certa, é preciso que essa medida também traga mais-valias para os profissionais envolvidos, nomeadamente os médicos. Tem que se ver se este modelo garante a prestação de cuidados com qualidade.
HN- A FNAM tem enfatizado a necessidade de atualizar as grelhas salariais. O Orçamento do Estado de 2023 atribuiu o valor mais elevado de sempre à área da saúde. Considera que as verbas são suficientes?
JBS- O subfinanciamento continua a existir. Apesar de as verbas serem das mais altas de sempre, a parcela que está atribuída para os recursos humanos é de apenas 2,9%, portanto não se percebe como é que este valor vai poder ajudar à negociação séria que temos em cima da mesa.
HN- Qual o futuro que perspetiva para o Serviço Nacional de Saúde em 2023?
JBS- Se conseguíssemos levar a negociação a bom porto, se o ministro da Saúde conseguir resolver o problema dos médicos e dos restantes profissionais, se conseguir parar com esta debandada de médicos e conseguir retê-los, o cenário do SNS pode melhorar. Caso tudo isto não aconteça, vai ser negativo para a população em geral.
Entrevista de Vaishaly Camões
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