A deficiência visual e a cegueira são as maiores causas de incapacidade em Portugal. Facto para o qual contribui a inexistência de cuidados primários para a saúde da visão no Serviço Nacional de Saúde (SNS), as enormes listas de espera para consulta hospitalar da especialidade de oftalmologia no SNS, uma força de trabalho mal planeada com exclusão dos optometristas, práticas ultrapassadas e uma total ausência de estratégia, planeamento ou concertação.

Não basta tratar a doença, é necessário oferecer bem-estar e qualidade de vida pelo maior número de anos possível. Pelo que é necessário transmutar a abordagem de listas de espera do SNS para prevenção, deteção e tratamento atempado, na comunidade e de proximidade, sempre que possível.

A solução, reconhecidamente experimentada à escala mundial, é a integração dos optometristas no SNS. Ensaiada por vários anos em Portugal no Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, resultou na eliminação das listas de espera para consulta e cirurgia da especialidade de Oftalmologia[1], sem custos adicionais para o orçamento de estado, SNS ou utentes.

Os optometristas são especialistas dos cuidados primários para a saúde da visão com formação universitária extensa e profunda para a prescrição da compensação de erros refrativos e síndromes de visão binocular. Condições que representam mais de 85% da referenciação da medicina geral e familiar, pelo que é evidente o benefício de ter estas condições tratadas e geridas ao nível dos cuidados de saúde primários. Não só se presta cuidados na comunidade e de proximidade reduzindo o tempo, distância e custos de acesso, como se reserva os cuidados hospitalares e os recursos humanos especializados para as condições que realmente necessitam dos mesmos. É um princípio simples com vantagens evidentes: assegurar que os utentes acedem no local e momento certo a quem está mais bem preparado para ajudar. Que o digam os milhares de adultos e crianças com cataratas, glaucoma, retinopatia diabética ou ambliopia, que sofrem de deficiência visual e cegueira evitável, aguardando na mesma lista de espera onde 85% apenas pretende uma prescrição para óculos. Os utentes da ADSE e seguradoras beneficiam desta abordagem há décadas, pelo que é legítimo que os utentes do SNS se questionem porque lhes é negado acesso à mesma solução e cuidados.

Não é de desvalorizar o efeito colateral de aproveitar os recursos humanos e financeiros investidos na formação de optometristas e da investigação assinalável realizada pelas universidades portuguesas.

Mais de 80% da deficiência visual e cegueira é facilmente evitável, o investimento realizado nestes cuidados retorna em produtividade dez vezes o valor investido, segundo o Governo português no discurso de aprovação na Assembleia-Geral da Organização Mundial de Saúde e da Organização das Nações Unidas. À decisão, sucede a ação.

[1] Hospital põe fim à lista de espera (dn.pt)

Um artigo de Raúl de Sousa, Presidente da APLO e Perito do Grupo Externo de Revisão da Tecnologia Assistida na Área da Visão da OMS.