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Distribuição de amostras gratuitas de leite em unidades de saúde entre as causas
22 de janeiro de 2014 - 09h43
A indústria do leite infantil em Portugal viola a legislação sobre publicidade aos substitutos do leite materno, sem que haja controlo das autoridades, segundo um relatório da rede internacional pró-alimentação infantil que é hoje apresentado.
“O cumprimento da legislação sobre o marketing de substitutos de leite materno não é monitorizado, as violações à lei estão disseminadas e são comuns”, refere o relatório da rede International Baby Food Action Network (IBFAN, na sigla inglesa) sobre Portugal, que hoje é discutido no Comité dos Direitos das Crianças, das Nações Unidas.
Segundo a coordenadora da IBFAN em Portugal, Jacqueline Montaigne, durante cerca de dois anos a organização esteve atenta ao comportamento da indústria dos leites artificiais e das fórmulas infantis (leite em pó).
“Vamos expor práticas chocantes, ilegais e com grande falta de ética que estão a ser usadas pelas companhias de leites artificiais”, afirmou à agência Lusa.
Distribuição de amostras gratuitas de fórmulas e de leites de transição (a partir dos seis meses) em unidades de saúde ou de presentes gratuitos e material promocional a mães e grávidas são algumas das violações detetadas pela IBFAN ao Código Internacional de Substitutos de Leite Materno.
“Não há monitorização da lei a nível nacional, apesar de haver estruturas a quem reportar essas violações”, como a Direção-geral de Alimentação e Veterinária, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica e a Direção-Geral do Consumidor, refere o relatório que é hoje discutido.
Sobre a legislação portuguesa no que respeita ao marketing e publicidade destes leites, que resultou da transposição de uma diretiva comunitária, a IBFAN recomenda que seja “reforçada”, de forma a estar mais alinhada com o Código Internacional, de que Portugal é signatário.
“Há uma cultura de marketing agressiva e sistemática para vender e distribuir leites de transição e infantis que tem desempenhado um papel importante no consistente declínio da amamentação a partir dos seis meses”, critica o relatório.
Aliás, a rede IBFAN considera que a influência da indústria alimentar para crianças nas linhas de orientação em Portugal e nos profissionais de saúde ligados à nutrição “continuam a minar a amamentação”.
Um exemplo dado no relatório é o do financiamento pela empresa Milupa ao Estudo do Padrão Alimentar e de Crescimento da Infância, divulgado no ano passado, que “promoveu e justificou o uso de leites de fórmula em crianças a partir dos 12 meses.
A IBFAN considera que também as recomendações da Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP) na área da nutrição infantil podem encorajar ao uso de leites de transição até aos três anos.
Jacqueline Montaigne refere que a Organização Mundial da Saúde indica que os leites de crescimento não são necessários para crianças a partir dos 12 meses e critica que as recomendações da SPP tenham tido patrocínio de uma empresa de leite artificial.
Num editorial escrito em outubro de 2012, após a publicação do texto “Alimentação do Lactente” na Acta Pediátrica, a direção da SPP esclarecia que o artigo era “ totalmente independente”, tendo sido “elaborado com o maior rigor científico”, e considerava não haver nele “algo que possa levantar qualquer tipo de dúvida quanto à sua isenção”.
Após alguns pediatras terem manifestado dúvidas ou reservas relativamente à utilização do logótipo do Nestlé Nutrition Institute (NNI) no suplemento da Acta Pediátrica, a SPP justificava que todos os números da publicação contêm publicidade de empresas ligadas a produtos farmacêuticos, nutricionais ou de cosmética, “em páginas separadas das relativas aos conteúdos científicos”.
“Como em qualquer publicação que sustente os seus custos de impressão e distribuição por via de inserções publicitárias, estas inserções publicitárias em nada se relacionam ou condicionam a idoneidade do conteúdo dos artigos da publicação”, garantia ainda a direção da Sociedade.
No relatório do IBFAN que é hoje discutido no Comité dos Direitos das Crianças mostra-se uma “significativa quebra” nas taxas de amamentação entre os quatro e os seis meses em Portugal, que é em parte atribuída às recomendações para iniciar a alimentação complementar.
Enquanto entre os dois e três meses de vida de um bebé ainda são mais de 50% as mães que amamentam em exclusividade, entre os cinco e os seis meses essa percentagem desce para os 22,4%.
Em Portugal, desde junho do ano passado, a rede IBFAN pretende “melhorar a saúda das crianças e bebés, através da promoção, suporte e proteção do aleitamento materno”.
Segundo Jacqueline Montaigne, o trabalho desta rede não pretende ser “uma guerra entre mães que amamentam e mães que dão leite artificial”.
“Nós também lutamos e defendemos as mães que dão leite artificial, porque têm o direito de ter informação correta baseada em ciência e evidência sobre leite artificial”, argumenta.
Lusa
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