"Independentemente dos mecanismos, é muito provável que existam muitas pessoas imunes sem que isto seja detectado no teste serológiaco", ou seja, através de testes de anticorpos, disse à AFP Yonathan Freund, professor de Medicina de Emergência no hospital parisiense Pitié-Salpêtrière.

Esta tese é baseada em dois pilares. De um lado, a hipótese de uma imunidade cruzada, ou seja o facto de estar protegido contra o novo coronavírus por ter sido infetado anteriormente por outros vírus da mesma família, que provocam as gripes comuns.

De outro, o papel ainda pouco conhecido dos linfócitos T, um tipo de glóbulo branco responsável pela segunda parte da resposta imune (a imunidade celular), sendo a primeira procedente dos anticorpos.

"O sistema imunitário é complexo", recorda à AFP o especialista em mineralogia alemão Andreas Thiel, coautor de um estudo publicado em 29 de julho na revista médica Nature.

"O nosso principal resultado é que pelo menos um terço dos adultos que nunca tiveram contacto com o SARS-COV-2 (o vírus responsável pela COVID-19) tinham linfócitos T capazes de reagir a este vírus. Estes procediam provavelmente de infecções anteriores de outros coronavírus", explica o cientista do hospital Caridade, em Berlim.

Os trabalhos de uma equipa de Singapura, publicados a 15 de julho pela Nature, chegaram à mesma conclusão.

Proteção

O mesmo foi apontado em outro estudo publicado na terça-feira na revista Science: em certos indivíduos que não foram expostos ao SARS-COV-2, há linfócitos T que reagem ao novo coronavírus, assim como a outros quatro, responsáveis por gripes comuns.

"Isto pode ajudar a explicar porque algumas pessoas com COVID-19 têm poucos sintomas, enquanto outras ficam gravemente doentes", afirmou uma das autoras, Daniela Weiskopf, do Instituto de Imunologia La Jolla (Califórnia).

De acordo com outra investigação do início de julho do hospital sueco Karolinska, os pacientes de COVID-19 com poucos ou nenhum sintoma poderiam desenvolver uma imunidade ligada aos linfócitos T, mesmo quando os testes de anticorpos apresentam resultado negativo.

As vacinas que estão a ser desenvolvidas procuram ativar os dois tipos de resposta imune.

Taxa de imunidade subestimada?

"Os testes serológicos não dizem toda a verdade. Funcionam apenas por um período determinado", destaca Andreas Thiel.

Os estudos demonstraram que, nos pacientes afetados pela COVID-19, o nível de anticorpos pode descer rapidamente numa questão de semanas.

"Isso pode significar duas coisas: uma, que seria catastrófica, é que a imunidade contra a COVID não dura. Mas não acredito que isso aconteça: em 18 milhões de casos não há casos provados de reincidência", afirmou o professor Freund.

"A outra é que podem existir pessoas imunes que não são detectadas na serologia", completa.

Consequência: a taxa de imunidade da população, baseada na detecção de anticorpos (ou "soroprevalência") poderia estar subestimada em todo planeta.

"Os estudos de soroprevalência apontam números de 15% a 20% nas regiões mais afetadas. Mas algumas regiões podem ter alcançado uma barreira de imunidade suficiente para que não aconteça mais a catástrofe", afirma o professor Freund.

"Entender o impacto da presença dos linfócitos T na população sobre a infecção de SARS-COV-2 é de importância extrema para a gestão da pandemia", afirmam os autores do estudo alemão.

Porém, neste momento isto é apenas uma "hipótese", conclui o professor Freund.