“Os orçamentos hospitalares são `não orçamentos´, toda a gente sabe que não chegam. Não estão organizados à volta do que interessa, o tratamento da condição clínica” dos utentes, adiantou à agência Lusa o presidente da Associação Europeia de Saúde Baseada em Valor (EAVBHC, na sigla em inglês).
Perante isso, o economista da saúde e professor na Nova SBE defendeu que os hospitais devem passar a receber um pagamento único para fazerem todo o tratamento da doença de um utente, incluindo a possibilidade de haver complicações.
Este novo modelo justifica-se perante a atual situação dos sistemas de saúde, que se debatem com um problema de sustentabilidade, provocado por custos que “estão sempre a subir e com tendência para se agravarem”.
O especialista em saúde baseada em valor adiantou que esta sustentabilidade está em risco devido a uma população envelhecida e com diversas comorbilidades, mas também a “medicamentos que são cada vez mais caros” e à maior exigência dos utentes relativamente aos serviços de saúde.
“Não se sabe exatamente quem está a fazer o quê, que custos e que resultados está a conseguir e que processos está a utilizar”, referiu o presidente da EAVBHC, para quem os hospitais “não sabem” quanto é que custa o tratamento específico da condição clínica de um utente, porque “eles não estão assim organizados”.
De acordo com este modelo, de aplicação tanto a hospitais públicos, como privados e do setor social, o valor gerado neste setor deve ser medido pelos resultados de saúde alcançados e pelos custos suportados e não pelo volume dos serviços prestados aos utentes.
Perante os custos “galopantes em saúde, ninguém sabe onde se trata melhor e de forma mais eficiente”, referiu ainda o especialista em saúde baseada em valor, que comparou a gestão da saúde à gestão da floresta.
“Quando eu tenho um incêndio, quero que seja tão circunscrito quanto possível, apagado tão rapidamente quanto possível e que não volte a haver reacendimentos. Com a doença é a mesma coisa, que tem de ser atacada tão depressa quanto possível, curada tão depressa quanto possível e que não haja complicações”, sublinhou João Marques Gomes.
Segundo referiu, esta reorganização do financiamento dos cuidados passa por “medir ao longo de toda a linha” os seus resultados e os seus custos, com o objetivo de perceber onde se está a falhar e onde “se pode melhorar a prática clínica”.
Para isso, João Marques Gomes defendeu ser importante a criação de equipas multidisciplinares de profissionais de saúde, assim como trazer “para cima da mesa as dimensões que têm importância para o doente”, financiando estes cuidados de uma “forma que não incentiva o ato, mas sim a qualidade”.
“O que defendemos são pagamentos por pacotes de serviços para toda a linha de cuidados” contratualizados com os hospitais, referiu o especialista, para quem esta é também uma das formas de minimizar as dificuldades de acesso aos serviços de saúde.
O atual modelo de financiamento dos hospitais é um “mundo ao contrário”, lamentou ainda o presidente da associação, ao exemplificar com o “hospital da aldeia de cima”, que faz 100 cirurgias ao coração, e com “hospital da aldeia de baixo”, que realiza apenas 20.
“Neste momento, na maneira como está organizado em termos de pagamento, o hospital da aldeia de cima recebe cinco vezes mais do que o hospital da aldeia de baixo, porque na base está o ato” realizado, referiu João Marques Gomes, mas para quem esta “história não deveria acabar aqui”.
Ou seja, mesmo que os doentes do “hospital da aldeia de cima” apresentem complicações clínicas após a operação, que “obrigam a mais cirurgias, tratamentos, internamentos e consumo de medicamentos”, esse hospital “vai continuar a receber mais dinheiro” do que a outra unidade hospitalar, disse.
“É importante que o cidadão tenha noção destas dificuldades e ponha isso na agenda política para que essa transformação ande o mais rápido possível”, preconizou o presidente da EAVBHC, uma organização sem fins lucrativos fundada por 21 especialistas em saúde baseada em valor de 10 países e que foi apresentada recentemente no Parlamento Europeu, em Bruxelas.
Além de Portugal, outras nove nacionalidades europeias estão representadas no seu conselho de fundadores: Dinamarca, França, Alemanha, Grécia, Itália, Polónia, Espanha, Suíça, Reino Unido.
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