"Antes todos os enfermeiros queriam vir trabalhar aqui, agora vão para outros lugares como França", explicou à agência France Presse o enfermeiro Joan Pons, um espanhol de 41 anos que mora há 17 anos no Reino Unido.
O número de novos enfermeiros chegados ao National Health Service (NHS, o serviço de saúde público) diminuiu 90% desde o referendo de 23 de junho, segundo dados do Conselho britânico de enfermeiras e parteiras (NMC). "É o primeiro sinal de uma mudança", disse em comunicado Jackie Smith, diretora do NMC.
Mais de 5% dos 1,2 milhões de funcionários da saúde pública britânica, cerca de 60.000, são da UE, segundo dados do NHS Digital. Segundo um estudo elaborado para o programa Dispatches, do Channel 4, 42% dos europeus do NHS considera sair do país e 70% acreditam que o país se tornou menos atrativo por causa do Brexit. Já 66% temem pelo futuro das suas carreiras.
Atualmente, proliferam apelos para que o governo dê garantias aos europeus de que poderão continuar a viver e trabalhar no Reino Unido após a saída da UE. De contrário, "enfrentaremos uma séria escassez de pessoal que adicionará mais pressão à saúde pública", comentou Charlie Massey, diretor-executivo do General Medical Council (GMC, Conselho Médico Geral) num comité parlamentar.
No entanto, a primeira-ministra Theresa May quer condicionar a situação dos europeus no Reino Unido à dos britânicos na Europa, dando motivo ao lema "não somos moedas de troca", da organização "The 3 Million", que reúne europeus residentes no Reino Unido que temem pelo seu futuro. Um dos rostos mais conhecidos do "The 3 million" é Joan Pons, o enfermeiro espanhol que trabalha num hospital de Norfolk, no leste da Inglaterra.
Para Pons, o silêncio do governo está a dar asas a uma minoria racista, o que pode ter contribuído para o aumento notável dos episódios de xenofobia desde o referendo. "Dizem-me de tudo nas redes sociais. No outro dia uma enfermeira polaca explicou-me a chorar que um paciente jovem se tinha recusado a ser atendido por ela, uma estrangeira", lamenta.
Pons tem três filhos nascidos no Reino Unido, de 5, 11 e 14 anos, que não param de lhe perguntar se os pais terão que voltar para Espanha. "Eles têm medo de sair de férias e que não nos deixem voltar", comenta. "Nunca", acrescenta Pons, " me tinham feito sentir que não sou britânico. E agora estou consciente disso".
Próximo destino: Austrália
Pons apontou que, se os europeus que trabalham no NHS fossem embora e os aposentados britânicos radicados em Espanha voltassem para o Reino Unido, "a saúde pública colapsaria".
As frases mais ridículas ouvidas pelos médicos
Sobre este assunto, Paul MacNaught, diretor do programa europeu do NHS, disse recentemente numa comissão parlamentar que os cuidados de saúde a um aposentado britânico instalado em Espanha custam aos cofres britânicos 3.500 euros por ano, mas que se ele voltasse o custo subiria para 4.500 libras (cerca de 5.180 euros).
"Estamos a pensar em ir para a Austrália", disse à AFP uma enfermeira de Barcelona de 45 anos estabelecida no Reino Unido e casada com um médico espanhol, que não quis revelar a sua identidade porque ainda não comunicou as suas intenções ao hospital onde trabalha.
Ela mora há três anos no Reino Unido, mas neste pouco tempo "as condições mudaram", diz. As vantagens de estar em um país anglo-saxónico perto de casa desaparecem quando começam os obstáculos burocráticos. De repente, as desvantagens tornam-se mais evidentes: "O mau tempo esgota-me e antes isso não me importava".
Para esta enfermeira, a perda de atrativo do Reino Unido começou antes do Brexit, quando as condições das provas de inglês se tornaram mais rigorosas. "Antes, se você tinha a capacidade de manter uma entrevista de trabalho, não faziam mais testes".
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