SAPO Lifestyle: Ouvimos recentemente o ministro da saúde, Adalberto Campos Fernandes, dizer que quer manter e trazer para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) o maior número de exames, consultas e cirurgias possível. Sabemos que os hospitais estão com problemas, não só de sustentabilidade como de resposta médica. Será esta uma boa ideia?

Germano de Sousa: Tenho a melhor das impressões deste ministro da saúde. É um homem com uma visão muito moderna daquilo que deve ser a gestão da saúde. Tem introduzido medidas interessantes… Mas neste caso, o que ele disse é que vai aproveitar todas as potencialidades do SNS. Muitas vezes, por razões económicas, vale a pena que o Estado recorra aos privados. No caso das análises clínicas, o SNS não tem capacidade para absorver o número de análises clínicas que são necessárias. Todos os dias 24 mil pessoas colhem sangue, sem falar nos números dos hospitais privados. São 170 milhões de euros em análises clínicas por ano. O Estado não só não tem capacidade, como há sérias dúvidas de que fazê-las dentro do SNS compensaria do ponto de vista económico.

SAPO Lifestyle: Porque é que não compensa do ponto de vista económico no SNS, mas compensa no privado?

Germano de Sousa: Os hospitais públicos têm de estar focados no doente grave. Não se podem dispersar no doente leve e de ambulatório... Isso poderia provocar atrasos na assistência ao doente grave internado. Por outro lado, e há estudos nesse sentido, o preço que é pago aos privados é mais barato do que custaria fazê-lo no Estado.

SAPO Lifestyle: Se o privado pudesse competir com os hospitais públicos pela captação de doentes…

Germano de Sousa: Defendo isso há muitos anos. Essa é a única maneira que temos de tornar mais sustentável o SNS e torná-lo mais leve e melhor gerido. Há muito desperdício. Qual é a melhor maneira de evitar o desperdício? O esquema de livre concorrência. O doente procura o serviço que quer. O hospital deixa de ter a certeza que o “dono”, o Estado, cobre quaisquer que sejam os resultados da administração hospitalar. Por outro lado, o médico deixa de achar que tem um ordenado fixo. Ganhará em função da sua prestação e dos doentes que tiver e dessa capacidade. Os hospitais têm de passar a ser sustentados em função da procura que conseguem. Isso vai significar uma gestão muito mais eficaz, mais flexível e mais amiga do doente. Se eu souber que a sustentabilidade do hospital do qual sou administrador ou cirurgião vai depender da capacidade que tenho de angariar doentes, garanto-lhe que o doente não se vai esquecer do seu tratamento. E vai voltar, quando precisar.

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SAPO Lifestyle: Com esse modelo não se corre o risco de tornar os médicos e hospitais mais simpáticos e menos eficazes?

Germano de Sousa: O que me pode dizer é que os médicos com este tipo de metodologia vão trabalhar para além das horas. Sim, é verdade. Mas nós temos formação médica e temos formação deontológica. Se eu tiver um doente que precisa de mim, presto-lhe a mesma assistência quer esteja no privado, no SNS ou no serviço convencionado. É esse o meu dever. Com este método, os médicos prestam mais tempo ao trabalho, porque sabem que são mais remunerados. Estou a trabalhar mais horas, vejo mais doentes. Se eu for um médico funcionário público, tenho uma cota para ver. A partir daquele número já não vejo nenhum. Se eu não tiver horário e receber em função do que faço, penso três vezes: se não estou cansado por que não hei-de continuar a trabalhar? É isso que faz o médico do privado.

Temos de ensinar os meninos da escola que não se podem encharcar em doces… Está mais do que provado que esse tipo de alimentação provoca alterações no ADN que podem desencadear tumores e outras doenças na velhice

SAPO Lifestyle: A falta de médicos de família em Portugal também se poderia resolver dessa forma?

Germano de Sousa: Se transpusermos este mecanismo para o SNS, não só há médicos e especialistas para todos os doentes, como podem tornar-se mais baratos. Porque toda a gente conhece, hoje em dia, a enorme burocracia que existe dentro dos hospitais. Em grande parte o dinheiro que se gasta não tem a ver com o doente nem com o médico, é pela burocracia que existe. No futuro a saída terá que ser essa por uma questão de sustentabilidade do sistema. Caso contrário continuaremos com hospitais que são monstros, que aconteça o que acontecer, podem ser bem ou mal geridos, o Estado paga sempre.

SAPO Lifestyle: Esse modelo existe há já vários anos em outros países da União Europeia…

Germano de Sousa: Sim. A própria clínica-geral na Bélgica e Franca é convencionada. Ou seja uma consulta vale 20 ou 30 euros e o doente escolhe o seu médico. E deixa lá o “papelinho” do SNS que vale esse dinheiro. E o médico recebe em função dos “papelinhos” que recebeu. O que se tem feito no estrangeiro, na Alemanha, Bélgica e Espanha é privatizar-se por concurso público e com resultados económicos e médicos interessantes. As ideias estatizantes de alguns partidos ou movimentos de esquerda, na maioria das vezes por razões puramente ideológicas, podem ser altamente ruinosas do ponto de vista da gestão. Eu lembro-me muitas vezes da frase de Deng Xiao Ping, antigo secretário-geral do PCP chinês, “não importa a cor do gato, mas sim se ele caça o rato”. Não interessa se é público ou privado, o que importa é que haja resultados positivos para o doente e para o Estado.

SAPO Lifestyle: Acha que é esse o principal desafio deste Governo na Saúde?

O aparecimento de novas tecnologias, medicamentos, em várias áreas, é um dos principais desafios que o senhor ministro tem pela frente, assim como fornecer a quem precisa os medicamentos inovadores, quer na oncologia quer noutras áreas. A nossa população está a envelhecer bastante. Vão surgir mais doenças crónicas e mais cancros. Por outro lado há cada vez mais hipóteses de curar o cancro ou torná-lo uma doença crónica, mas esses medicamentos são caríssimos.

SAPO Lifestyle: E o Estado português vai conseguir pagá-los?

Germano de Sousa: Este é o grande desafio. Com a sensibilidade que o senhor ministro tem relativamente a estes problemas, obviamente vai tentar arranjar soluções razoáveis. Mas temos de perceber que ele não é mágico e que isto não está só na mão dele. Está nas mãos de todos nós. Temos que decidir para onde vai o dinheiro. Investe-se mais no Exército ou na Saúde? Isto é um cobertor que destapa sempre alguém. O problema também está aí. Por outro lado, o ministro da Saúde não sabe o que é a evolução de medicina nos próximos anos. E essa gestão é difícil.

SAPO Lifestyle: Como foi o caso do Sofosbuvir, o medicamento inovador que cura a hepatite C…

Germano de Sousa: Quem é que se atreve a não subsidiar esse medicamento? Tem que se subsidiar! Mas essa é uma gota de água comparativamente ao que vem aí. Quando temos um pai, uma mãe ou um filho com cancro e sabemos que há um medicamento que o cura e que evita a morte, mas que custa 50 mil euros, exige-se que o Estado o forneça, não é verdade? Temos que multiplicar esses casos por muitos portugueses. Daí eu achar que é altura de nos prepararmos para o futuro. Ou seja, temos de cortar nos excedentes para investir o dinheiro onde é realmente necessário. E é isso que eu acredito que o senhor ministro está a fazer. Por outro lado tem de se investir em prevenção. Temos de ensinar os meninos da escola que não se podem encharcar em doces… Está mais do que provado que esse tipo de alimentação provoca alterações no ADN que podem desencadear tumores e outras doenças na velhice.