A fibromialgia é uma doença reconhecida pela Organização Mundial de Saúde, comum, que se traduz por sintomas muito reais e incapacitantes: dores que podem atingir o corpo todo, cansaço extremo sem explicação e perturbações do sono, em associação com uma variedade de outras manifestações menos frequentes e relevantes. A ausência de alterações visíveis e de anomalias nas análises causa incompreensão, que agrava ao sofrimento, mas não o torna menos real nem menos impactante.

Uma observação praticamente universal na fibromialgia reside na relação estreita entre a gravidade dos sintomas e a intensidade do stress que se vai vivendo. Os doentes têm quase sempre uma maneira especial de ser e de sentir a vida que se caracteriza por preocupações permanentes, insatisfação ditada por perfeccionismo, intranquilidade persistente e ausência de serenidade. A relação é tão forte que a esmagadora maioria dos doentes que estudei, e são muitos, estima que os seus sintomas melhorariam de 80 a 100% se conseguissem atingir e manter um estado de razoável tranquilidade espiritual.

A força desta relação torna evidente o papel que o stress desempenha no desencadeamento e sobretudo na manutenção da fibromialgia e isso é muito fácil de explicar. Torna também evidente que dificilmente será possível diminuir os sintomas da doença sem controlar o stress que a comanda.

Infelizmente, esta perspetiva, que oferece a única via que conheço para sair da fibromialgia, enfrenta muitas vezes a oposição dos próprios doentes. Ao que consigo entender, as pessoas sentem que se diminui a importância da sua doença ao atribuir-lhe uma conotação psicológica, como se a psicologia fosse uma coisa menor e não o que dá especificidade e nobreza ao ser-se humano. Parece-me, por vezes, que os doentes sentem desta forma lhe estamos a atribuir a culpa pela doença ou a responsabilidade de a resolverem sozinhos. Alguns médicos parecem pensar o mesmo! Quando dizem que “a fibromialgia não existe - está tudo na sua cabeça!” parecem entender que o doente poderia muito bem viver sem ela ou mudá-la a seu bel-prazer!

Se queremos ajudar os doentes com fibromialgia é essencial mudar esta perspetiva nos doentes, nas suas famílias, nos profissionais de saúde e na população em geral.

A nossa maneira e de sentir é, essencialmente, o resultado dos nossos genes e da nossa história de vida. Não é obra nossa, e logo não nos cabe nela mérito nem culpa. A maneira de ser traduz algo tão químico e concreto com as dores ou a força muscular: o resultado dos equilíbrios de neurotransmissores que temos no cérebro. Calha-nos em sorte, na roleta dos genes e da dinâmica familiar na primeira infância, um cérebro mais positivo ou mais negativo, com o qual temos que lidar toda a vida. As pessoas com fibromialgia tiveram, na roleta dos cérebros, o azar de lhes sair um preocupado, tenso, excessivamente exigente, sobretudo consigo próprio que lhe torna vida muito mais difícil do que as outros e ainda por cima, os brinda com os sintomas da fibromialgia!!

Isto retira lugar a qualquer noção de culpa no entendimento que propomos para esta doença e na orientação que advogamos para o seu tratamento: foco na construção de bem-estar e harmonia emocional. Se tivermos sucesso, conseguiremos que a fibromialgia feneça e despareça, por falta de alimento.

A maneira de ser e de sentir que origina e alimenta a fibromialgia não é culpa nem responsabilidade do doente. A sua responsabilidade não é nula, contudo: é legítimo esperar-se dele(a) que faça os possíveis para compreender o que se passa dentro de si, para abrir o espírito à importância desta conversa entre corpo e mente e, sobretudo, para assumir o compromisso de fazer o possível para encontrar formas mais harmónicas e construtivas de sentir a vida. Porque isso é possível, ainda que esteja longe de ser fácil. Porque daí resultará não apenas a melhoria ou “cura” da fibromialgia, mas de toda a sua vida e daqueles que gostam de si.

A nós, os que tivemos s sorte de escapar à fibromialgia, cabe a responsabilidade de ajudar a que isso aconteça.

O doente disponível poderá encontrar ajuda decisiva em psicólogos e psicoterapeutas. Em www.myfibromyalgia.org encontra um programa terapêutico alinhado com estas premissas e uma equipa especialmente dedicada a esta matéria e acessível em qualquer lado, através da Internet.

Para saber mais

Um artigo do Professor José António Pereira da Silva, médico especialista em Reumatologia na Universidade de Coimbra.