De acordo com este trabalho, feito a nível nacional e que foi promovido pela Sociedade Portuguesa de Oncologia (SPO), quase metade das unidades inquiridas “refere a inexistência de uma estrutura multidisciplinar organizada para o seguimento das famílias com cancro hereditário, sendo necessário recorrer à referenciação/complementaridade de cuidados”.

“Esta complementaridade é desejável, numa perspetiva de organização de recursos, no entanto, é necessário que esteja organizada e com circuitos bem definidos”, refere o estudo.

Gabriela Sousa, médica oncologista e membro da SPO, considera que esta área “requer melhor organização nacional e circuitos de referenciação definidos”.

Em declarações à Lusa a especialista reconhece que nem todas as unidades têm de ter estas equipas multidisciplinares, mas frisa que é preciso que esteja bem definido e organizado o desenho da rede de referenciação.

"Às vezes acontece conseguirmos referenciar um doente porque recorremos aos nossos contactos", explicou, considerando que os resultados deste trabalho permitiram "conhecer melhor o estado da arte".

A responsável defende que agora é necessário, com os dados recolhidos, trabalhar em conjunto com a coordenação do Programa Nacional das Doenças Oncológicas e com a Direção-Geral da Saúde para uma boa rede de referenciação dos doentes.

Para este trabalho, a SPO inquiriu 31 unidades de saúde e hospitalares em Portugal de norte a sul do país para avaliar os recursos disponíveis na área do cancro hereditário. Mais de metade (64,5%) disse registar anualmente mais de 1.000 novos casos de cancro.

Um outro estudo que será igualmente apresentado no Congresso Nacional de Oncologia, da responsabilidade da EVITA - Associação de Apoio a Portadores de Alterações nos Genes Relacionados com Cancro Hereditário, indica que 78% dos inquiridos com histórico familiar de cancro não chegaram sequer a realizar teste genético, mais de metade (65%) por falta de indicação médica.

Dos que o fizeram, mais de metade (57%) foram encaminhados pelo seu oncologista e a maioria (60%) tinha já um diagnóstico de cancro no momento da realização do teste.

Apenas 7% dos doentes realizou o teste genético no setor privado, 46% fizeram-no no hospital onde eram acompanhados e 47% noutra instituição do Serviço Nacional de Saúde.

Este questionário, que abrangeu uma amostra de 611 pessoas, a maioria mulheres adultas residentes no Litoral, indica que uma vasta maioria dos inquiridos (85%) disseram ter histórico familiar de cancro, 31% de ambos os lados da família (paterno e materno).

Três em cada quatro dos inquiridos que fizeram teste genético receberam resultado positivo e 92% viram a sua família ser referenciada para a consulta genética.

Dos que receberam resultado positivo, 33% não tiveram qualquer ação preventiva, por diversos motivos: estar fora da idade recomendada/desejo maternidade (22%); não considerar as ações preventivas necessárias (16%); acompanhamento prévio ou em tratamento (16%); a aguardar ação preventiva ou consulta (13%); sem indicação médica (10%); probabilidade de doença não justificada (3%); tempo de espera elevado (3%) e custo elevado da ação preventiva (3%).

As ações preventivas maioritariamente aditadas incluem a remoção de trompas e ovários (55%), a cirurgia preventiva/mastectomia bilateral (31%) ou o acompanhamento e rastreio mais regular (27%).

Desde a marcação de consulta de genética médica até à realização de cirurgia preventiva, os inquiridos permanecem, em média, 36 semanas.

Os dados do questionário da EVITA indicam ainda que os tipos de cancro com maior prevalência a nível de histórico familiar são, por ordem de grandeza, os da mama, colorretal, gástrico e pulmão.

O estudo identificou igualmente áreas a melhorar, como a celeridade do processo e a clareza na comunicação (informação sobre os riscos consequências, tratamentos e ‘follow-up’)

O teste genético consiste numa análise ao ADN da pessoa com o objetivo de detetar mutações nos genes associados ao cancro hereditário. O aconselhamento genético é recomendado a pessoas com história familiar indicativa de síndrome hereditário (diagnóstico de cancro em idades jovens, vários tipos de cancro no mesmo familiar, tipos de cancro mais agressivos ou cancros raros).