Nos tempos que vivemos, falar de outros temas de saúde para além da Covid-19 não é tarefa fácil. Estamos tão focados na atual pandemia que ostracizamos as outras doenças, em muitos casos com resultados dramáticos, como aconteceu na recém-passada fase de confinamento, em que se registou um decréscimo na vacinação das crianças da ordem dos 40% e um significativo excesso de mortalidade, para além dos óbitos provocados pelo SARS-CoV-2. É o caso do cancro do pulmão, cujos novos casos continuam a ser diagnosticados todos os dias.
O cancro do pulmão é o cancro mais frequente e letal para a humanidade. Todos os anos são diagnosticados mais de 2.100.000 novos casos e registam-se cerca de dois milhões de óbitos - um óbito em cada dez segundos. É a única forma de cancro que integra a lista das 10 doenças mais mortíferas para a humanidade, na qual ocupa o sexto lugar.
No nosso país são diagnosticados anualmente cerca de 5.000 novos casos de cancro do pulmão e registados perto de 2.000 óbitos. Entre nós não sendo o cancro mais frequente é o mais letal.
Um cancro é uma doença em que uma célula normal (neste caso do pulmão) perde essa normalidade, deixa de morrer, como todas as outras, e passa a multiplicar-se intensa e desordenadamente. À medida que cresce, esta nova estrutura invade os tecidos e órgãos vizinhos e dissemina-se à distância, quer através da rede linfática, quer do aparelho circulatório - são as metástases. Não sabemos tudo sobre esta transformação, mas sabemos que nela estão envolvidos determinantes ambientais e alterações genéticas.
Relativamente aos primeiros estão identificadas mais de cem substâncias químicas cancerígenas, muitas delas implicadas nos processos que levam ao cancro do pulmão, com destaque para as três mais importantes: o fumo do tabaco, o radão e o amianto. O fumo do tabaco tem uma composição complexa onde estão identificadas mais de 4.000 diferentes substâncias químicas, das quais cerca de 70 são cancerígenas. O hábito de fumar é a principal causa de cancro do pulmão, estando presente em cerca de 85% dos casos.
A segunda substância, o radão, é um gás radioativo que emana dos solos ricos em urânio. No nosso país toda a área que corresponde aos distritos da Castelo Branco, Guarda, Viseu, Vila Real e Braga é rica nesses solos, pelo que é aí que o problema adquire maior importância. Este gás, incolor e inodoro - portanto indetetável - infiltra-se no interior das habitações, exercendo o seu efeito cancerígeno sobre as células do aparelho respiratório ao ser inalado.
A terceira substância, o amianto, é um mineral fibroso muito utilizado nas mais variadas indústrias (construção civil, naval, automóvel, têxtil, aeroespacial, etc.) devido à sua invulgar durabilidade, resistência térmica, sonora e mecânica. Usado generalizadamente nas décadas de 60-90 do século passado, em revestimentos térmicos e acústicas, paredes e tetos falsos, embraiagens e travões de veículos, portas corta-fogos, telhados, isolamentos, etc., foi proibido na União Europeia a partir do ano de 2005 por ser fortemente cancerígeno. O problema é que apesar dessa proibição, estruturas contendo amianto continuam presentes um pouco por todo o lado. É o caso do fibrocimento (mistura de cimento e amianto) que quando se degrada liberta fibras de amianto para o meio ambiente. Ainda recentemente foi aprovada pelo Governo uma lista de 579 escolas com coberturas e outras estruturas contendo amianto, afim de se proceder à respetiva remoção, com um custo de 60 milhões de euros. Seria um excelente projeto para o município de Alpiarça, fazer o levantamento de todas as estruturas contendo amianto, afim de poder candidatar-se a verbas para a respetiva remoção. A bem da saúde de todos os munícipes.
Para além destes determinantes ambientais é cada vez mais conhecida a relação do cancro com mutações genéticas. No caso do cancro do pulmão foram já identificadas mutações em numerosos genes implicados no processo cancerígeno. Este conhecimento tem levado à descoberta de novos fármacos capazes de neutralizar esses genes, com resultados muito promissores no prolongamento da vida e da sua qualidade. O mesmo está a acontecer com os novos fármacos capazes de fazer com que o sistema imunitário do doente passe a reconhecer as células malignas e assim as consiga destruir - a imunoterapia oncológica.
Os tempos são, pois, de esperança, relativamente a uma doença cada vez mais frequente e que, até há bem pouco tempo frustrava a expectativa dos médicos e dos doentes. Entretanto, caro leitor, pense na relação do fumo do tabaco com o cancro e se for fumador comece a pensar em abandonar essa prática, reconhecida cada vez mais como particularmente perigosa para a saúde.
O hábito de fumar é, atualmente, a principal causa de doença e de morte evitáveis. Força, por si e pelos seus.
Um artigo do médico Jaime Pina, imunoalergologista e pneumologista, vice-presidente da Fundação Portuguesa do Pulmão.
Comentários