Healthnews (HN) – Em que medida considera que o projeto RIPA representa uma abordagem inovadora no tratamento das perturbações do comportamento alimentar (PCA) em Portugal, especialmente ao evitar o internamento tradicional e priorizar a manutenção das ligações familiares e sociais?

Dulce Bouça (DB) – A inovação no tratamento em Hospital de Dia diz respeito á abordagem destas doenças no que hoje se sabe sobre estas patologias, não são um ideal de magreza, não são a resposta a estigmas sociais, são uma vivencia de desconhecimento e desconforto com o corpo físico e emocional que em situações de stress ou traumas, leva a uma fixação no controlo do corpo através da restrição alimentar ou da compulsão. No Hospital de Dia a abordagem terapêutica dirige-se á consciência do corpo, ao estímulo de competências do corpo e da mente e aos aspetos cognitivos e emocionais, nas terapias psicológicas.

O tratamento em Hospital de Dia privilegia a manutenção das relações e dinâmicas familiares em que esta é parte ativa no processo de tratamento, bem como a manutenção da vida social, durante o tratamento.

HN – Com uma equipa multidisciplinar que inclui especialidades como psicomotricidade, terapia ocupacional e expressão artística, como é que estas áreas complementam as intervenções clássicas (psiquiatria, psicologia) para alcançar resultados tão significativos na redução de comportamentos compensatórios e na reinserção laboral/académica?

DB – As atividades propostas para além da intervenção médica e psicológica estão interligadas com estas e visam melhorar a consciência corporal, reconhecer a linguagem corporal, as suas necessidades e carências e estimular a descoberta de novos interesses e competências que estão apagadas pela vivência obsessiva do controlo do corpo, com graves repercussões metabólicas delas decorrentes.

Com esta tomada de consciência e com a decisão sobre a modificação dos comportamentos que suportam a doença, a maioria das utentes retomaram a atividade profissional/académica e outras melhoraram no âmbito do sucesso escolar.

HN – Os dados indicam que 90% das participantes evitaram agravamento ou internamento. Que fatores específicos do modelo do RIPA considera mais críticos para estes resultados, e como são adaptados às necessidades individuais de cada utente?

DB – O projeto RIPA surgiu como resposta para pessoas com doença do comportamento alimentar, funciona em regime de Hospital de Dia, permite um acompanhamento diário de pessoas em situações em que a gravidade da doença não exige internamento hospitalar, ou de pessoas que após alta hospitalar necessitam de intervenção especializada para um processo de reabilitação mais consolidado.

No Hospital de Dia trabalha-se para que os utentes tomem consciência da situação crítica em que se encontram e decidam que se querem tratar. Cada utente tem um plano individual de intervenção com todas as atividades terapêuticas que vão contribuir para o seu tratamento de acordo com as suas necessidades pessoais.

Terminado o tempo de acompanhamento no Hospital de Dia, o tratamento continua em consulta de ambulatório, na especialidade de psiquiatria e psicologia do comportamento alimentar, em articulação com a família.

HN – Quais foram os maiores desafios operacionais ou clínicos na implementação deste projeto-piloto?

DB – O maior desafio foi a referenciação e a divulgação desta resposta para que possa chegar a quem está a experienciar uma doença do comportamento alimentar. Nesta segunda fase do projeto, que contamos com uma candidatura aprovada ao Portugal Inovação Social e com dois parceiros sociais, estamos a apostar na comunicação do projeto e dos resultados obtidos no projeto-piloto.

O importante era poder haver maior colaboração com outros serviços que prestem assistência em consulta ou internamento no Serviço Nacional de Saúde (SNS) ou Cuidados de Saúde Primários.

HN – A manutenção do vínculo familiar e social é destacada como uma vantagem do RIPA. De que forma é que esta integração influencia diretamente a recuperação das utentes, comparativamente a abordagens que isolam o utente do seu contexto habitual?

DB – Como foi referido anteriormente as relações familiares e sociais, são parte integrante do processo de recuperação

O objetivo no Hospital de Dia é proporcionar uma articulação com a família, nas reuniões familiares e nas conversas individuais sempre que o solicitem, para que as indicações dadas sejam postas em prática em casa, num compromisso entre utente, equipa terapêutica e famílias. A mudança nos comportamentos diz respeito a todos.

HN – Tendo em conta o sucesso inicial do projeto, que estratégias estão a ser consideradas para expandir ou replicar este modelo noutras regiões de Portugal, e como avaliam a possibilidade de incluir outros perfis, como homens ou faixas etárias diferentes, futuramente?

DB – Essa abertura já existe. Neste momento já são recebidos pacientes de faixas etárias diferentes (a média de idades é de 22,68 (DP=9,45,31; min=13, max.=62) com abertura para os dois géneros.

Face ao sucesso do projeto a escalabilidade do mesmo para outras regiões é possível ser ponderado, quer através do SNS, quer através da rede de Centros das Irmãs Hospitaleiras que dispõe de 12 Unidades de Saúde Mental no país.

Entrevista MMM