“Na Novartis, trabalhamos para que a ciência se una a uma estratégia inovadora e que a concretização da mesma mude os resultados em saúde: acreditamos que é também esse o valor que trazemos em pipeline”.
Em entrevista exclusiva ao Healthnews, a Diretora Médica da Novartis, Dra. Maria Rita Dionísio, destaca a impactante carga das doenças cérebro-cardiovasculares em Portugal, que se mantêm como principais causas de mortalidade com envolvimento económico e social significativo. E defende a necessidade urgente de uma estratégia política abrangente para combater essas doenças, apontando ainda lacunas e soluções inovadoras para melhorar a prevenção e tratamento dessas condições. Ao nosso jornal, a responsável destaca a colaboração da Novartis no projeto “Nação Invisível”, inspirado pelo Global Heart Hub, como uma abordagem inovadora que nasce da comunidade representativa de doentes e que pretende mobilizar a sociedade para a urgência de ação individual e coletiva.
Healthnews (HN) – Qual o peso das doenças cérebro-cardiovasculares no contexto da saúde pública no nosso país?
Dra. Maria Rita Dionísio (MRD) – As doenças cardiovasculares são a principal causa de mortalidade e morbilidade. Se olharmos para os dados no contexto europeu e falando da doença coronária e cerebrovascular (nomeadamente os AVC), no pré e pós pandemia por Covid 19, mantêm o estatuto de principal causa de mortalidade com 9 a 10% para a área do AVC e entre 6 e 7% para a área coronária. Ou seja, mantemo-nos na liderança da mortalidade nessa área, infelizmente.
HN – Existem dados que permitam determinar o impacto económico, social, familiar… dessas doenças na população?
MRD – Trata-se de uma questão muito interessante, que nos transporta para além dos dados, focando-nos no que eles significam para a população. Quando avaliamos os custos diretos e indiretos (e estes dados estão disponíveis), vemos que eles rondam os 2 mil milhões de euros de acordo com os dados divulgados pela Sociedade Portuguesa de Aterosclerose. Sendo que os custos diretos “pesarão” cerca de 58% do total e os indiretos, cerca de 42%, ou seja, 1160 milhões e 840 milhões, respetivamente. E aqui, contabilizamos como custos diretos os gastos com os internamentos, cuidados primários e também gastos não médicos, como por exemplo com os transportes. Como custos indiretos contabilizamos, por exemplo, os associados ao absentismo laboral (e aqui são cerca de 48% de entre os doentes que não conseguem trabalhar por causa cardiovascular). É um número muito expressivo e preocupante.
HN – E também temos os custos associados à perda de qualidade de vida…
MRD – Sem dúvida. E quando falamos de perda de qualidade de vida estamos a falar não apenas do doente, mas do agregado familiar, que muitas vezes não consegue estabelecer o básico da dinâmica familiar.
HN – Sendo uma doença com uma prevalência tão significativa, como é que ela se compara com as demais prioridades de Saúde Pública?
MRD – Se houvesse uma escala, a questão seria onde deveríamos incluir estas doenças. Se olharmos para a segunda causa de mortalidade que é a por doença oncológica, vemos uma “agenda” a trabalhar de uma forma diferente do que é feito para a doença cardiovascular.
HN – Como assim?
MRD – É verdade que temos planos para diferentes áreas patológicas, elaborados, por exemplo, pela Direção-Geral da Saúde. Ora, o que acontece é que a implementação desses planos não tem ocorrido da mesma forma nas diferentes áreas. Há ainda um longo caminho a fazer na área cardiovascular, para que esses planos tenham de facto impacto na vida das pessoas. Há uma necessidade muito grande de que a agenda (que não é só política, mas de todo o ecossistema) se torne ativa focando-se nas prioridades. Neste caso, na abordagem da doença cardiovascular, que é a primeira causa de morte e de morbilidade no nosso país.
HN – Onde é mais urgente atuar para combater as doenças cérebro-cardiovasculares?
MRD – Não posso deixar de ligar essa pergunta à nossa realidade nacional. A nossa população tem uma longevidade muito acentuada (81.7 anos). Vivemos muito; acima da média europeia. Ora, quando me faz essa pergunta, temos que ter em conta este facto e tentar definir o que podemos fazer já para que essa longevidade se traduza, não só em número de anos, mas em qualidade de vida. Temos uma necessidade urgente de uma estratégia política em várias camadas (literacia em saúde, investimento na investigação, nos cuidados de saúde primários, nos cuidados de retaguarda, em centros de reabilitação…). Sendo certo que não conseguiremos fazer tudo ao mesmo tempo.
HN – Como é que a Novartis Entra nesta causa.
MR – Enquanto empresa de inovação, inovação esta que nós gostamos de definir como transformadora e ativadora, que melhora e prolonga a vida das pessoas. Se nós desenvolvemos ciência para mudar a vida dos doentes, então responsabilizamo-nos por todo o ciclo, incluindo a definição de prioridades e de como essa ciência se torna real na vida dos doentes. E não é só na entrega do medicamento.
HN – Por exemplo…
MRD – Temos um exemplo muito concreto que é o da participação no Programa Longevidade e Inovação Cardiovascular, que resulta de um protocolo com a Secretaria Regional da Saúde e Proteção Civil da Região Autónoma da Madeira. Trata-se de uma parceria que visa explorar novos modelos de colaboração no ecossistema da saúde, através da implementação de uma abordagem integrada às doenças cérebro-cardiovasculares (DCCV) e que assenta em três eixos: Data Intelligence, Inovação Tecnológica combinada com Inovação Terapêutica e Criação de uma Unidade Avançada de Longevidade Cardiovascular. O objetivo é afirmar a Região Autónoma da Madeira como pioneira na abordagem das DCCV, de forma a reduzir o seu impacto e a contribuir para uma longevidade mais saudável. A Novartis está assim posicionada de forma única para colaborar na alteração do cenário atual destas patologias, graças a uma combinação do seu legado de investigação, desenvolvimento e conhecimento, nomeadamente na área de intervenção do projeto, presença global e liderança em ciência e inovação.
HN – É fácil gerir um projeto com esta abrangência?
MRD – Existe um desejo forte de que o projeto funcione. Como em todos os projetos há desafios inerentes, mas temos um enorme poder: as nossas equipas e o sermos verdadeiros parceiros do sistema
HN – É recorrente a queixa de que é difícil aceder aos dados para efeito de investigação. Como se ultrapassa esse obstáculo?
MRD – Conseguimos ultrapassar essa dificuldade com uma estratégia “passo a passo”. Primeiro temos que perceber o porquê de precisarmos dos dados. Se quisermos alimentar a inteligência artificial com valor real, temos que, primeiro, criar uma plataforma para alimentar com dados. Esses dados passam também por nós, individualmente, enquanto cidadãos; de percebermos o que significa dar ou não acesso aos nossos dados; em que nível de acesso esses dados podem estar disponíveis (para os profissionais de saúde, para as estratégias governamentais), desde as unidades locais que possam aceder a esses dados ou apenas para identificar quais os doentes que necessitam de uma intervenção urgente (que é um dos projetos que temos em curso). E ver também como é que essa rede de dados deixa de ser pensada como parcelar para passar a ser pensada em rede.
HN – Olhando o território nacional, registam-se especificidades em função da demografia. Como abordam esta diversidade?
MRD – Muitas vezes, só quando olhamos para os dados é que podemos identificar especificidades. E por vezes somos até surpreendidos. A prevenção primária regional é necessária em todo o país. No que toca à prevenção secundária, temos, claramente, que deslocar as populações para os centros de referência, onde os doentes são bem tratados. Ora, estes centros de referência nunca poderão existir em todos os hospitais, nem em todos os pontos do país. Não sendo isso possível, o que interessa é que existam hospitais de referência.
Quando se fala de dados, não posso deixar de referir um estudo muito importante que é o “Estudo Latino: Lipid mAanagemenT IN pOrtugal) ” que nos permitiu passar a conhecer os dados do perfil de controlo da dislipidemia em Portugal (utilização de Big Data). Através deste estudo, que foi realizado na Unidade Local de Matosinhos, com a Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e com a Novartis, percebeu-se que a percentagem de doentes de alto risco que estão a fazer terapêuticas que podem evitar a morte é de apenas 7%. E que em doentes de muito alto risco, essa percentagem desce para 3%. Até para os próprios médicos que conduziram o estudo, estes resultados foram surpreendentes, pela negativa, em termos de controlo terapêutico deficitário.
HN – Nesse estudo detetaram-se lacunas de diagnóstico e terapêutica que justificassem esses resultados?
MRD – Estes números permitiram uma reflexão sobre o que é que não estava a acontecer. E identificaram-se várias oportunidades de melhoria no seguimento destes doentes na sua jornada terapêutica. Desde logo com os próprios doentes dizerem “Sim!” a fazerem as análises e a se comprometerem com os resultados.
HN – Como assim?
MRD – O compromisso com os resultados é, na relação médico/doente, por exemplo, haver uma proposta terapêutica e o doente cumpri-la. E do lado do médico essa proposta terapêutica ser monitorizada: haver um real tracking do doente; se está a cumprir ou não e porquê. Qual o algoritmo que temos que seguir (temos que conhecer muito bem as guidelines) e sermos agressivos na terapêutica. Este estudo suscitou-nos essas reflexões. Recordar que o valor deste estudo não são só os resultados que gerou, mas tudo o que está a acontecer à volta em termos de discussão e implementação de ações, que é também um aporte importante quando nos propomos a gerar dados.
HN – Nas lacunas que encontraram, emergiu alguma medida que fosse urgente implementar, tendo em conta a dificuldade de acesso a cuidados de saúde que hoje se verifica (eg. 1.700.000 utentes sem médico de família atribuído…)
MRD – Essa é uma macro pergunta que tem muito a ver com recursos e com a própria organização dos cuidados. E os cuidados de saúde primários são a base da pirâmide. A verdade é que hoje, quando olhamos para o Sistema de Saúde e não só para o Serviço Nacional de Saúde vemos que os doentes podem ter mais opções. Nem todos as terão, é certo, mas uma boa “fatia” deles tem. Ao mesmo tempo há uma micro-pergunta para todos nós, Indústria, profissionais de saúde, cidadãos. Se começarmos por estes, temos que concordar que devem ser exigentes. A doença é um processo biunívoco entre o doente e o sistema. E os doentes devem procurar respostas; ser exigentes, estar mais bem informados. Depois temos os restantes atores, que não podem esperar que essa macro pergunta esteja respondida. Enquanto esperamos por recursos, o que podemos fazer? Muitas coisas, desde logo levar soluções inovadoras para problemas que estão cristalizados no tempo. E é nisso que trabalhamos diariamente.
HN – Que soluções novas são essas?
MRD – Por exemplo, investindo em ensaios clínicos que nos forneçam as respostas de que necessitamos (em Portugal temos um investimento de mais de 20 milhões de euros em ensaios clínicos incluindo de fase 1 e fase 2) e também através de soluções tecnológicas (com a parceria com a Madeira, por exemplo). E neste eixo, conseguirmos identificar os doentes em maior risco. É uma forma de responder a esse acesso. Se conseguirmos identificar os doentes em risco mais rapidamente, também mais rapidamente os doentes terão acesso a cuidados especializados e à melhor terapêutica.
HN – Há décadas que o foco das ações de sensibilização se centram na prevenção primária, ficando a prevenção secundária em segundo plano. Como mudar este paradigma?
MRD – Quando olhamos para o futuro, acreditamos que é a prevenção primária que nos vai levar a que grande parte dos comportamentos/estilos de vida se alterem evitando-se deste modo o recurso a prevenção secundária. Trata-se de uma visão que assenta muito na responsabilização do doente/cidadão; de como ele se responsabiliza pelo tratamento/investimento que está a fazer. O mais fácil na prevenção secundária é o ato direto da prescrição. O que é muito pouco. A prevenção secundária é muito mais do que isso. Portanto, a pergunta que se coloca é a de como podemos criar uma estrutura para o doente e para a sua unidade familiar que permita um acompanhamento integral. E isso é justamente aquilo que precisamos. Por exemplo, os hospitais poderiam disponibilizar planos de exercício físico obrigatório para doentes que comprovadamente aderem à terapêutica, ou uma consulta de nutrição, etc.
HN – Mas o sistema não está preparado para isso…..
MRD – É uma questão de mindset. Ainda assim, começamos a ver algumas unidades já a pensar diferente. Temos alguns exemplos, quer no setor público, quer no privado em que o doente “entra” dentro de uma “célula” que inclui não só o medicamento mas o comportamento à volta do medicamento. Há uma maior interdisciplinaridade abrangendo áreas que não só a cardiologia.
HN – A Novartis associou-se, recentemente ao projeto “Nação Invisível”. Como é que surgiu esse desafio?
MRD – No fundo, associámo-nos dando assim a possibilidade de três instituições (Fundação Portuguesa de Cardiologia (FPC), a Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca (AADIC), a Portugal AVC – União de Sobreviventes, Familiares e Amigos (PT.AVC) funcionarem em rede percebendo e trabalhando necessidades reais, que muitas vezes não têm “voz”, criando um espaço de discussão e ação para esta problemática.
HN – Existem exemplos internacionais que se destaquem nesta área?
MRD – Há uma plataforma comum que importa destacar quando coloca essa questão, que não se cinge exclusivamente à área da cardiologia. É importante – na cardiologia e também noutras áreas – envolver os doentes no ciclo da investigação. A Novartis assume a responsabilidade, por exemplo, de ao criar protocolos de investigação nos ensaios clínicos, envolver os doentes para manifestarem a sua opinião/crítica sobre a pergunta que está em investigação nas diversas áreas e ao mesmo tempo como é que eles são envolvidos na própria investigação.
Na prática isto traduz-se no seguinte: um doente vai entrar num protocolo clínico e tem que fazer 10 colheitas. A pergunta que surge é, por exemplo, se isso é ou não apropriado para o fim em causa e como o doente vive a própria investigação. Este é um exemplo em como a Novartis une médicos, investigadores e os próprios doentes nesta plataforma de investigação.
Salientar que a própria “Nação Invisível” foi inspirada por um projeto internacional do Global Heart Hub, que é uma plataforma internacional que reúne várias associações de doentes a nível mundial, que em colaboração com a Novartis lançaram este conceito/campanha “Nação Invisível” que depois se materializa nas estratégias locais das próprias associações que nós tentamos também rentabilizar através da parceria que a Novartis estabeleceu com a Coligação “Nação Invisível”.
O Global Heart Hub concentra-se em sensibilizar, educar e advogar por melhores cuidados, tratamentos e apoio para doentes com condições cardíacas em todo o mundo.
HN – Qual tem sida a contribuição da Novartis, enquanto companhia de investigação, nesta área?
MRD – A Novartis tem um grande legado na área cardiovascular e metabólica. Estamos a falar da investigação Novartis na área da dislipidemia/hipercolesterolémia, quer na área da hipertensão arterial, sobretudo na insuficiência cardíaca e também na área da diabetes que é uma comorbilidade importante quando falamos da área cardiovascular.
Para além deste legado, continua a acontecer investigação com novas moléculas nestas áreas que no fundo se materializam nestes novos ensaios clínicos aos quais a população portuguesa também tem acesso.
Ou seja, é uma história de passado, presente e futuro.
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