A 17 de novembro último, assinalou-se o Dia Mundial de Combate ao Cancro da Próstata. Transcendendo o quadro temporal para além deste dia, como avalia a sensibilização da população portuguesa para este problema de saúde pública?

A literacia em saúde da população portuguesa é fundamental para que possam ser adotados comportamentos adequados na prevenção da doença, neste caso da doença oncológica. Para tal, devemos continuar a apostar em campanhas de sensibilização sublinhando a importância da prevenção e do rastreio não só para o cancro da próstata, mas também para outros tipos de cancro mais prevalentes em Portugal. Considero igualmente importante colocar este tema na agenda mediática de forma a informar e sensibilizar o maior número de pessoas possível.

Quer, brevemente, traçar-nos um quadro da incidência do cancro da próstata em Portugal e a sua evolução nos últimos anos?

Em Portugal, anualmente, são detectados entre 5000 a 6000 novos casos de cancro da próstata. Com os avanços da Medicina, por um lado as pessoas vivem mais tempo e, por outro, as técnicas de detecção precoce da doença foram sendo aprimoradas ao longo das décadas o que justifica um aumento de novos casos nos últimos anos.

Em Portugal, anualmente, são detectados entre 5000 a 6000 novos casos de cancro da próstata.

Dados publicados pela Lancet apontam para que o número de casos de cancro da próstata duplique em todo o mundo até 2040. O que explica este crescimento e que desafios coloca à comunidade médica e sistemas de saúde?

Sendo uma doença intrinsecamente relacionada com o envelhecimento, é expectável que este número aumente nas próximas décadas o que implica um enorme desafio em Saúde. É necessário capacitar as equipas com recursos humanos, não só médicos, mas também enfermeiros e técnicos superiores de diagnóstico com formação específica, assim como proceder à actualização dos equipamentos tecnológicos para que se possam cumprir os tempos de resposta aos doentes com a máxima qualidade.

Vem a desenvolver trabalho na terapêutica com radioligandos (RLT). Esta tem demonstrado resultados promissores no tratamento do cancro da próstata avançado. Poderia detalhar como funciona esta abordagem e o seu impacto na sobrevivência e qualidade de vida dos pacientes?

“Se os jovens fossem habituados a irem a uma consulta de urologia, encarariam a sua saúde sexual com mais naturalidade”
“Se os jovens fossem habituados a irem a uma consulta de urologia, encarariam a sua saúde sexual com mais naturalidade”
Ver artigo

A vertente terapêutica da Medicina Nuclear está ascensão sobretudo nas últimas décadas e irá, certamente, integrar o futuro da oncologia. A terapêutica com radioligandos ou terapêutica radiometabólica, veio enriquecer o leque de opções terapêuticas disponíveis para cancro da próstata numa fase mais avançada da doença, a chamada fase paliativa. É um tratamento simples e pouco invasivo que consiste na administração de um medicamento radioactivo por via endovenosa sem necessidade de internamento hospitalar. Este medicamento dirige-se selectivamente às células do cancro da próstata poupando os tecidos saudáveis e, por isso, apresenta poucos efeitos secundários. Desta forma, o impacto na qualidade de vida do doente é menor, algo que na fase avançada da doença é de extrema importância preservar. Relativamente à sobrevivência os estudos científicos vieram provar um benefício da terapêutica radiometabólica com aumento do tempo de sobrevivência global dos doentes.

Da teoria à prática, quão acessível é a terapêutica RLT em Portugal e quais os obstáculos à sua implementação generalizada no SNS?

A acessibilidade da terapêutica com radioligandos não é igualitária para a população portuguesa devido à heterogeneidade da distribuição dos serviços de Medicina Nuclear. Para a implementação generalizada no SNS é necessário renovar ou construir novas infra-estruturas, facilitar e desburocratizar o licenciamento dos serviços e apostar na formação diferenciada. É igualmente importante dar a conhecer à comunidade médica, e no caso específico do cancro da próstata à comunidade urológica e oncológica, esta nova abordagem terapêutica disponível em Portugal.

Muitos casos de cancro da próstata em fases iniciais são assintomáticos. De que forma a Medicina Nuclear pode ajudar na vigilância ativa de forma a evitar uma progressão grave deste cancro?

A Medicina Nuclear não tem intervenção na fase diagnóstica ou precoce do cancro da próstata. Assume um papel mais relevante na fase do chamado estadiamento e re-estadiamento, quando é necessário determinar a localização e extensão da doença no organismo, através da aquisição de imagens por tomografia por emissão de positrões (PET/CT) que irão revelar onde se localiza uma molécula que se expressa nas células do cancro da próstata – o Prostate Specifc Membrane Antigen (PSMA). Esta mesma molécula é utilizada na terapêutica radiometabólica à qual será dirigida radiação mais energética que irá ter um efeito destrutivo nas células malignas do cancro da próstata.

Todas as unidades de saúde que recebem este tipo de doentes deveriam disponibilizar, de forma gratuita, especialistas na área da Psico-Oncologia.

O IPO Porto tem sido pioneiro em várias áreas. Pode partilhar algum exemplo específico do impacto do trabalho da sua equipa na gestão do cancro da próstata?

A implementação de novas terapêuticas tem sempre impacto na dinâmica de qualquer serviço. Para além da preparação teórica inerente e experiência em terapêuticas semelhantes, é necessário criar um protocolo de acção e formar todos os profissionais de saúde envolvidos para cada passo do processo o que implica tempo e flexibilidade por parte de todos na gestão dos desafios que se colocam quando começamos algo novo. Esta terapêutica, o Lutécio-177 PSMA, não era inteiramente desconhecida para os médicos do Serviço de Medicina Nuclear do IPO Porto uma vez que alguns tiveram contacto com este tratamento em centros de referência fora de Portugal.

Em Portugal é dado um eficaz acompanhamento psicológico aos doentes portadores de cancro da próstata? O que se faz e, idealmente, o que deveríamos estar a fazer?

O cuidado com a saúde mental e o acompanhamento psicológico da população em geral em Portugal está muito aquém do que deveria ser feito. Deveríamos apostar no cuidado psicológico não só do doente com cancro, mas também das famílias. Não podemos dissociar o doente do seu papel social e familiar e um diagnóstico de cancro é uma verdadeira avalanche para todos. Na minha opinião e no caso particular do cancro, todas as unidades de saúde que recebem este tipo de doentes deveriam disponibilizar, de forma gratuita, especialistas na área da Psico-Oncologia desde o primeiro momento começando nas unidades de cuidados de saúde primários.