“Este inverno não houve gripe. Houve um caso de gripe e que não foi necessário ser internado. Foi o único teste positivo que deu no laboratório. Um caso de gripe não covid que não necessitou de internamento”, destacou Ana Lemos.
Em declarações à agência Lusa, a propósito do primeiro ano de registo de doentes covid-19, no CHTV, que se assinala em 15 de março, a diretora do serviço contou que os profissionais de saúde, há um ano, “saíram da gripe e apanharam-se logo com a covid, porque o ‘gripanário’ também funciona na Medicina”.
Um departamento que, habitualmente, “acolhe 80% dos doentes que entram na urgência”.
“Quando não querem, o doente é da Medicina. É um bocado assim, porque o doente complicado é da Medicina ou quando há um berbicacho também é nosso”, disse a internista, que diz ser esta a especialidade que “tem uma visão mais holística sobre o doente”.
Contou como foi vivido o último ano e como fez a gestão, que teve de ser diária, principalmente em janeiro, em que “eram internados diariamente 66 doentes” com o vírus.
“Estávamo-nos a apoderar do hospital e a ‘despejar’ os nossos doentes não covid para outros serviços”, reconheceu, enquanto discriminava as enfermarias que os doentes foram ocupando.
Em 15 de janeiro, havia 241 camas covid distribuídas por “vários andares, era praticamente metade do hospital”.
Foi nesta altura que abriu a unidade de internamento do Fontelo, em 18 de janeiro, e foi quando “chegaram todos os internos de formação específica para a Medicina que, portanto, atrasaram a sua formação” nas especialidades que pretendiam.
Também nesta fase, a Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) “tinha de escoar os doentes mais rapidamente para poder receber outros” e a Medicina “preparou uma enfermaria para doentes de nível dois e três que, em situação não covid, ficariam mais tempo nos cuidados intensivos”.
“Nós fizemos o papel dos cuidados intermédios numa enfermaria sem condições de intermédios. Nós aguentámos os doentes até haver uma vaga na UCI e depois recebíamo-los para escoar a unidade, porque havia já outro a entrar e que estava pior”, contou.
Para isso acontecer, os profissionais tiveram de fazer, “no meio desta confusão toda, uma pequena formação para trabalhar com determinado tipo de ventiladores que permitiam uma ventilação mecânica e não invasiva”.
“No dia 02 de fevereiro, foi o pico no CHTV: 280 internados covid, com 259 em enfermaria, 21 na Unidade de Cuidados intensivos, com 19 ventilados, e 108 profissionais infetados, em todo o hospital, ou seja, uma diminuição de recursos”, contabilizou.
Outra ajuda com que contaram foi com a transferência para outras especialidades de “alguns doentes não covid da Medicina, que nunca foram esquecidos” durante a pandemia e que continuaram a ter “todas as consultas”, como aconteceu com os diabéticos, os autoimunes e as grávidas diabéticas”.
“E mantivemos as prioritárias da tiroide, da obesidade, de medicina e das doenças hepáticas”, referiu.
Esta responsável lamentou ainda que, “por medo, as pessoas não tenham recorrido ao hospital com outras patologias a tempo de tratamento” e, “em alguns casos, chegaram mesmo em fases muito avançadas”.
“Muitas vezes vinham sem possibilidade de serem tratados e a taxa de mortalidade no serviço de urgência aumentou muito, porque chegavam e praticamente morriam, porque vinham sempre na última, O doente não covid evitava vir ao serviço de urgência”, reconheceu.
A título de exemplo falou de “casos de enfartes agudos de miocárdio que chegavam ao serviço de urgência e passado umas horas estavam a fazer paragem e já nem chegavam a poder ser tratados”.
Um medo que compreende, mas que “não se justifica”, até porque “o hospital é um lugar seguro na área não covid” e, por isso, as pessoas têm de recorrer às urgências quando são verdadeiras urgências, quando os sintomas persistem”.
“Aliás, os números de covid baixaram e já há um aumento de procura do serviço de urgência”, adiantou.
Um ano depois, novamente com doentes covid “só no setor D da Medicina, onde tudo começou”, Ana Lemos reconheceu que no pico da pandemia preparou os profissionais para a “eventualidade de ser necessário escolher” entre um ou outro doente, uma decisão que seria “sempre difícil de tomar e deixaria marcas”.
“Nós estamos formatados para tratar doentes e não para os deixar morrer. (…) Conversámos sobre isso e eu seria a própria a tomar a decisão final sobre uma decisão dessas se tivéssemos de a fazer. Graças a Deus não foi preciso”, assumiu.
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