Em entrevista à agência Lusa, José Carlos Martins afirma que a aprendizagem feita em março, quando começou a pandemia em Portugal, demonstra que foi muito importante “a articulação integrada” do conjunto das entidades e agentes locais na preparação da resposta local a surtos e ao aumento de novos casos.

“Esta articulação integrada do conjunto de entidades do hospital, do centro de saúde, da escola, da autarquia, da IPSS, da Misericórdia, tem hoje na lei uma designação formal que se chama sistemas locais de saúde”, explica.

Isto quer dizer, defende, que “o Governo e o Ministério da Saúde deveriam ter desenvolvido a regulamentação dos sistemas locais de saúde para que agora, nesta fase que se aproxima, do ponto de vista formal, essa resposta local fosse uniforme e mais consentânea com as necessidades que vão emergir”.

A exigência desta regulamentação “é uma questão de fundo” com o dispositivo do Serviço Nacional de Saúde, “porque resulta da aprendizagem avaliada como sendo positiva e, aliás, no plano outono-inverno, o Governo continua, e bem, a apontar para esse funcionamento ainda que informal”.

Sobre se o SNS está preparado para responder à nova fase da epidemia, afirmou que a nível de enfermeiros está “insuficientemente preparado”, porque não foram admitidos “a tempo e horas” e em “número suficiente” para todo o país.

Desde janeiro, segundo os dados oficiais, foram contratados 1.517 enfermeiros, um número que considera insuficiente tendo em conta que anualmente morrem nesta época cerca de três a quatro mil idosos, sobretudo com problemas cardiovasculares e respiratórios, fruto da gripe e de outras infeções respiratórias.

“É expectável que tenhamos uma mistura explosiva, como o próprio Governo reconhece, a partir do momento em que venha a gripe sazonal em articulação com a covid-19″, sublinha.

Esta situação exigiria que as populações mais vulneráveis tivessem acompanhamento no domicílio para evitar idas aos hospitais, mas para isso devia ter-se “apostado muito” na contratação destes profissionais para “as unidades de cuidado na comunidade”.

As unidades de saúde pública e os centros de saúde também “estão insuficientemente dotados” para responder ao aumento do número de casos e de surtos, que obriga a contactos telefónicos para despiste das cadeias de transmissão.

Perante esta realidade, José Carlos Martins considera que “há um risco sério de exaustão, a curto prazo, dos profissionais porque “irão ser muito absorvidos pela resposta às necessidades que decorrem da pandemia”, mas também dos outros doentes.

“Temos mais de 3,5 milhões de pessoas com mais de 65 anos, das quais mais de um milhão tem mais de 75 anos, e destes mais de 50% referem ter duas ou mais doenças crónicas, o que quer dizer que a potencialidade de agudização da doença cardiovascular, designadamente respiratória, etc, vai requerer muitos cuidados”, elucida.

Por outro lado, também há enfermeiros em situações de risco em termos de saúde, que devem estar mais resguardados, o que também diminui o potencial de resposta.

Há ainda carências que dificultam o trabalho como a falta de telemóveis, de centrais telefónicas, de sistemas informáticos que permitam as videoconferências ou transportes para cuidados domiciliários.

Relativamente à Brigadas de Intervenção Rápida para apoiar os lares com surtos de covid-19, José Carlos Martins disse que “são importantes e podem fazer a diferença” até para substituição das equipas clínicas que podem ficar infetadas.

Mas o mais relevante é existir “um dispositivo sistémico em permanência” que garante essa resposta, inclusive nos lares e nas unidades da rede de cuidados continuados que devem ter planos de contingência.

Saudou ainda a criação de uma ‘task force’, prevista no Plano de Saúde Outono-Inverno, para responder às situações não-covid: “A certa altura até poderemos ter uma boa resposta às situações covid, mas temos pessoas a piorar o seu estado de saúde ou falecer” por falta de resposta” à sua doença, uma situação que “requere medidas organizativas”.