“Creio que [a decisão] faria sentido se estivéssemos a sair de um período crítico para um período naturalmente tendente a uma melhoria da situação. Não é o caso. Vem aí o inverno e devemos estar alerta para o evoluir da situação, logo não me parece uma medida oportuna”, adiantou à agência Lusa o especialista do Instituto de Medicina Molecular (iMM) da Universidade de Lisboa.
Na quinta-feira, no Conselho de Ministros, o Governo não renovou a situação de alerta em Portugal continental, com o ministro da Saúde a justificar a decisão com a elevada vacinação dos portugueses, com a proteção conferida pela vacina, com a menor agressividade das estirpes em circulação e com a estabilização da doença na saúde da população e nos serviços de saúde.
Já na segunda-feira, Manuel Pizarro refutou as críticas dos médicos de saúde pública sobre o fim da situação de alerta, o nível mais baixo de resposta a situações de catástrofes da Lei de Bases da Proteção Civil, garantindo que a decisão tem sustentação técnica e o apoio da maioria dos profissionais de saúde.
Para Miguel Castanho, o próximo inverno “pode trazer uma pioria da situação, eventualmente com a necessidade de tomar medidas” e só depois desta estação é que será possível ter “uma noção minimamente exata sobre a tendência da atividade viral” do SARS-CoV-2.
“Com o número de reinfeções que se tem registado e com uma percentagem significativa de portugueses ainda sem imunidade natural, é precipitado assumir que já entrámos numa fase estável e segura que seja duradoura”, alertou o especialista.
Em relação à sustentação técnica que esteve na base decisão do Governo, o professor da Faculdade de Medicina de Lisboa considera que “conviria saber em que parâmetros e com que pressupostos se fez a análise da atividade viral e sua evolução” no país.
“A sustentação técnica seria isso. Os indicadores conhecidos são relativamente escassos, mas podem existir outros que não estejam disponíveis”, afirmou.
De acordo com a Direção-Geral da Saúde (DGS), a não prorrogação do estado de alerta visou adequar a legislação ao estado epidemiológico atual em Portugal, equiparando, em termos legais e dos procedimentos, a “infeção covid-19 às outras doenças”.
Na prática, o isolamento deixou de ser obrigatório e terminou a atribuição de incapacidade temporária para o trabalho por covid-19 e o subsídio associado, que deixaram de ter um regime especial, passando a beneficiar do regime das outras situações de doença.
Para Miguel Castanho, ainda que termine este sistema de seguimento individualizado dos doentes ou dos casos positivos, “há que manter uma política de aconselhamento no sentido de tomar atitudes que protejam os outros de contágio, isto é de algum grau de isolamento”.
O investigador alerta que as cadeias de contágio podem levar a infeções na população mais vulnerável e a casos de `covid longo´ (persistência de sintomas após a infeção), com consequências que podem ser graves.
“Não podemos decretar que a covid-19 passa a ter a importância de uma constipação comum”, salienta Miguel Castanho, para quem, em matéria de doenças contagiosas, “é um dever dos doentes evitar contágios”.
“A saúde é um direito, mas também é um dever. Estejamos a falar de sarampo, de gripe ou de covid-19, este é um princípio geral”, sublinha o especialista.
Segundo os últimos dados do Instituto Ricardo Jorge (INSA), o índice de transmissibilidade (Rt) - que estima o número de casos secundários de infeção resultantes de cada pessoa portadora do vírus – do coronavírus SARS-CoV-2 estava nos 1,06 em Portugal e todas as regiões apresentavam este indicador acima do limiar de 1.
A mortalidade e as hospitalizações por covid-19 continuam em níveis estáveis em Portugal, mas o país regista uma tendência crescente de novos casos de infeção, indicou também relatório sobre a evolução da pandemia divulgado na sexta-feira.
O INSA estima que, desde 02 de março de 2020, quando foram notificados os primeiros casos, Portugal tenha registado perto de 5,5 milhões de infeções pelo vírus que provoca a covid-19.
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