Perante o aumento do número de casos de covid-19, que ultrapassou os 10 mil na quarta-feira, o ex-presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar defendeu que as medidas a serem tomadas devem ser “muito restritivas e muito dirigidas à população de maior risco e aos locais de maior risco”.

“Temos que desenvolver um apoio muito explícito dirigido às pessoas com maior risco, que são os idosos, quer sejam os que estão nos lares como os que estão em casa”, disse Rui Nogueira à agência Lusa.

Ressalvando que a situação dos lares é “um problema grave, porque são idosos e estão muito juntos”, mas são 100 mil pessoas e têm apoio organizado, enquanto fora das instituições são 2,3 milhões que “também estão em risco”.

Alguns vivem com a família, mas muitos vivem sozinhos ou com outro idoso, disse, observando que “o isolamento é bom” para evitar contrair a covid-19, mas, defendeu, “estas pessoas “precisam de apoio no domicílio para que tenham aquecimento, alimentos adequados, apoio para que tenham roupa, apoio para os acompanhar até mesmo nos medicamentos porque não podem sair de casa”.

No seu entender, deve haver uma política dirigida a esta população que enfrenta agora também os efeitos do frio e que, por permanecerem nas suas casas, carecem de apoio.

Já sem a infeção pelo SARS-CoV-2, que provoca a covid-19, disse, “a situação é dramática todos os anos [no inverno], este ano ainda é mais dramático tendo em conta que os serviços hospitalares e os centros de saúde estão muito cheios e, portanto, fica muito difícil responder bem a todas as situações. É uma pressão enormíssima sobre os serviços”, advertiu.

Rui Nogueira salientou que quantos mais casos ativos houver maior é a probabilidade de haver mais casos, o que exige “um isolamento rigorosíssimo e maior quer das pessoas que estão infetadas, e que já tinham de estar rigorosamente isoladas, fechadas no seu quarto, sem contacto com ninguém”, como das outras.

“Temos de fazer uma visa antissocial, contrário a tudo o que é a norma habitual, mas essa é a norma de hoje. O contacto deve ser à distância, através dos telefones ou pelas vias digitais. Não é possível juntar pessoas de forma alguma”, alertou, lembrando o “mau exemplo no Natal”.

No Ano Novo, apesar de não ter havido festejos coletivos na comunidade, houve dentro da casa de cada pessoa, disse, relatando o caso de uma avó que levou o vírus para casa da família onde foi celebrar a passagem do ano.

Para Rui Nogueira, a situação epidemiológica “é muito preocupante”: “mesmo sabendo que a maior parte dos casos são simples (95%), quando temos 10 mil vamos ter uma pressão muito grande sobre os internamentos e especialmente uma pressão muito grande sobre os cuidados intensivos”.

“É expectável que daqui a cinco, seis dias, tenhamos muito mais doentes internados e muito mais em cuidados intensivos e nós não temos mais capacidade”, lamentou.

Alertou para a situação dos doentes não-covid, que “são muito mais do que covid”, no sentido de “não haver recursos materiais e humanos para responder a tantos doentes ao mesmo tempo”.

“Ainda não resolvemos a segunda onda e tudo leva a crer que estejamos a iniciar a terceira onda. É uma situação de facto alarmante”, vincou.

"A segunda onda teve uma dimensão quatro vezes maior" do que a primeira e as respostas que houve em março/abril "não foram adequadas": "Não tivemos a mesma capacidade, a mesma força de resposta", porque a dimensão foi muito maior "e os recursos eram os mesmos ou menos".

Esta pressão também está a ser sentida nos centros de saúde onde são seguidos os casos mais simples. “Quando nós temos 10 mil casos novos, 9.500 (95%) são seguidos pelos médicos de família”, assinalou.

A pandemia de covid-19 já provocou mais de 1,8 milhões de mortos no mundo desde dezembro de 2019, incluindo 7.377 em Portugal.