Serão necessárias um milhão de assinaturas de cidadãos europeus para abolir a venda de produtos de tabaco e nicotina para as próximas gerações, tal como acaba de ser aprovado pelo parlamento da Nova Zelândia.

A ONG Espanhola Nofumadores e a ENSP (European Network for Smoking and Tobacco Prevention), em colaboração com organizações de 15 países europeus – entre as quais a Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) - acabam de lançar uma proposta para fazê-lo também na Europa.

Foram oito cidadãos da União Europeia que submeteram a proposta à Comissão Europeia (CE) e um deles é português: a atual coordenadora da Comissão de tabagismo da SPP, a médica pneumologista Sofia Ravara. A CE, após uma avaliação técnico-jurídica preliminar, aprovou o lançamento da iniciativa considerando que tem poderes e competências para legislar neste âmbito e que está de acordo com os valores e funcionamento jurídico da UE.

Uma vez alcançado um milhão de assinaturas através da Iniciativa de Cidadania Europeia (ECI) que acaba de ser lançada, distribuídas por, pelo menos, sete países da UE, a Comissão Europeia é obrigada a avaliar as medidas e a decidir se poderão entrar na engrenagem de negociação das políticas da UE. O objetivo desta ECI, apelidada Europa Sem Tabaco, é a abolição progressiva da venda de tabaco e produtos derivados da nicotina aos cidadãos nascidos a partir de 1 de janeiro de 2010. A corrida continua, apesar da escassez de recursos, e as organizações que apoiam a iniciativa começam a recolher assinaturas a partir de 26 de janeiro e terão até o dia 15 de janeiro de 2024 para atingir o número desejado.

15 países

Cidadãos e organizações da Bélgica, Bulgária, Chipre, Eslovénia, Espanha, França, Irlanda, Itália, Lituânia, Malta, Holanda, Polónia, Portugal, Roménia e Suécia reuniram-se para chamar a atenção dos decisores políticos para travar eficazmente a epidemia do uso do tabaco e dos produtos de nicotina, apelando à necessidade absoluta de colocar a saúde dos cidadãos europeus e do nosso planeta à frente dos interesses da indústria do tabaco.

Raquel Fernández Megina, presidente da Nofumadores e organizadora da iniciativa em Espanha, afirma que "ao fazer isto, estamos a declarar que a soberania da UE repousa sobre os ombros dos cidadãos e não na capacidade de lobby da nociva indústria do tabaco".

"Certamente, as organizações e cidadãos que apoiam esta iniciativa admitem que estão a realizar uma tarefa gigantesca, mas insistem que esta é a coisa certa a fazer. Esta indústria baseia-se em aliciar e aprisionar as crianças e os adolescentes ao uso uma substância altamente viciante e nociva que causará a morte de 1 em cada 2 fumadores e matará 8,5 milhões de pessoas em todo o mundo a cada ano. O objetivo é salvar a próxima geração dessa pandemia totalmente criada pela indústria. Para a indústria do tabaco, os adolescentes são a substituição dos clientes que precisam para perpetuar esse ciclo de dependência, doença, sofrimento, e morte prematura", informa a Sociedade Portuguesa de Pneumologia em comunicado.

"Mesmo que a Comissão Europeia apoie a proibição progressiva de produtos de tabaco, a UE precisará acompanhar essa medida com uma restrição maciça de locais onde os fumadores atuais podem acender, vaporizar ou usar qualquer dispositivo de aquecimento de tabaco. Também será necessário, como foi feito na Austrália, reduzir drasticamente o número de lugares onde o tabaco pode ser vendido", acresenta.

Como explica a médica Sofia Ravara, "a liberdade de escolha não tem nada a ver com o uso de produtos de tabaco e/ou nicotina: está provado que mais de 80% dos consumidores destes produtos experimentam-nos durante a infância ou adolescência, como resultado da sua exposição ao marketing agressivo e perverso da indústria, especialmente dirigidos a estas faixas etárias; e como estes produtos são muito viciantes e o cérebro jovem tem maior plasticidade, rapidamente as crianças e os jovens tornam-se dependentes; quando alguém se torna dependente, não existe escapatória, dificilmente conseguem libertar-se deste ciclo vicioso".

Proteger os menores

Muitos dos fumadores adultos, só conseguem deixar de fumar quando adoecem. "Para esta plataforma de cidadãos europeus, a verdadeira liberdade começa por proteger os menores que nunca fumaram para que não caiam nas mãos de uma indústria que os manipula para se viciarem no seu produto letal. A forma de evitar isso é não disponibilizar tabaco para esta geração porque quem nunca experimentou nunca vai sentir falta ou precisar", declarou a presidente da Nofumadores, Raquel Fernández Megina.

"Assim, para evitar a manipulação por parte da indústria do tabaco, que tenta aliciar os nossos jovens para a dependência da nicotina, a iniciativa de cidadania exige também que a Comissão Europeia elimine a publicidade a todos os produtos de tabaco e de nicotina, além da sua presença em produções audiovisuais e nas redes sociais, abordando especialmente a publicidade encoberta através de influenciadores e posicionamento dos produtos", defende a SPP.

"Os organizadores da iniciativa também levaram em consideração que cigarros e cigarros eletrónicos não são sustentáveis num mundo de aquecimento global e de destruição dos ecossistemas naturais, pois causam danos significativos ao meio ambiente. As beatas de cigarro são o item mais colocado no lixo, estimando-se que 4,5 triliões de beatas sejam descartadas a cada ano, indo parar em praias e cursos de água. Os filtros de tabaco, feitos de acetato de celulose, são o plástico número um dos oceanos, mais numerosos do que garrafas de plástico, sacos de plástico ou palhinhas de plástico. Esses filtros acabam por se dissipar em microplásticos e entram na cadeia alimentar. Até agora, a UE tomou medidas para reduzir a produção de palhinhas de plástico, mas ainda não proibiu a fabricação de filtros de cigarro. Por tudo isto, a iniciativa pede também à Europa que crie uma rede de praias e ribeiras sem tabaco e sem beatas e compromete-se a fazer o mesmo com os Parques Nacionais para reduzir a poluição e travar o risco de incêndios, que tem aumentado com as alterações climáticas", refere ainda.