Nos últimos dias, assistimos a um episódio lamentável na Assembleia da República que deveria envergonhar qualquer cidadão que preze os valores democráticos, a dignidade humana e o respeito pelo próximo. A ex-Secretária de Estado da Inclusão, Dra. Ana Sofia Antunes, foi alvo de ataques profundamente ofensivos por parte de deputados da bancada parlamentar do Chega. As palavras dirigidas à deputada – “aberração”, “drogada” e “parece uma morta” – não são apenas insultos grosseiros e inaceitáveis, mas representam uma forma de violência verbal e psicológica que, em qualquer outro contexto, seria classificada como bullying ou assédio moral.

Este episódio não pode ser visto como um mero caso de falta de decoro parlamentar. O que ocorreu naquele hemiciclo é um espelho de um problema muito maior: a normalização da violência verbal e da discriminação na sociedade portuguesa. Como pessoa com deficiência auditiva e visual, como cidadão e como presidente de uma associação que defende os direitos das pessoas com deficiência auditiva, não posso ficar calado perante este ataque vil e cobarde.

A Assembleia da República deve ser um espaço de debate, sim, mas também de respeito. Quando deputados – representantes eleitos do povo – recorrem ao insulto e à humilhação pública para descredibilizar uma adversária política, enviam uma mensagem perigosa: a de que vale tudo, mesmo a degradação do outro, para atingir fins políticos. Mas o que aconteceu naquele plenário é mais do que um mero ataque político – é um atentado contra os direitos fundamentais, contra a inclusão e contra a dignidade humana.

A urgência de penalizar o bullying, seja onde for

Infelizmente, aquilo a que assistimos no Parlamento não é um caso isolado. O bullying e o assédio verbal são uma realidade persistente em escolas, locais de trabalho e espaços públicos. A diferença é que, neste caso, aconteceu à vista de todos, num dos órgãos mais importantes da democracia portuguesa.

Ora, se um deputado eleito pode usar insultos tão graves contra uma colega num espaço público e com transmissão televisiva, o que impede que este tipo de comportamento se perpetue noutros contextos? O que impede que um estudante com deficiência ou um trabalhador vulnerável sofra ataques semelhantes na escola ou no emprego?

A resposta é clara: a impunidade. Em Portugal, o bullying e o assédio verbal ainda não são tratados com o peso que merecem. Nas escolas, muitos alunos vítimas de bullying continuam a não receber apoio adequado. Nos locais de trabalho, casos de assédio moral são frequentemente ignorados ou desvalorizados. E agora, vemos que até no Parlamento há quem se sinta à vontade para praticar este tipo de violência sem receio de consequências.

É por isso que urge uma revisão da legislação para garantir que comportamentos como este sejam efetivamente penalizados, independentemente do contexto em que ocorram. A lei deve ser clara e firme no combate ao bullying e ao assédio, seja ele praticado na Assembleia da República, numa escola, num ambiente profissional ou em qualquer outro espaço público.

Um apelo à ação: suspensão da bancada e reformulação das normas parlamentares

Perante a gravidade do ocorrido, a presidência da Assembleia da República tem o dever de agir. A bancada parlamentar do Chega deve ser alvo de medidas disciplinares, incluindo a possibilidade de suspensão, pois o Parlamento não pode ser palco de ataques pessoais e difamações.

Mais do que isso, é essencial repensar as regras de conduta parlamentar. Em outros países, casos de insultos e discursos de ódio no Parlamento resultam em suspensões, multas e até na perda de mandato. Em Portugal, é tempo de seguirmos esse caminho e garantirmos que a democracia não seja usada como escudo para a violência verbal.

Este caso deve servir de ponto de partida para uma discussão mais ampla sobre o respeito no espaço público e a forma como a sociedade lida com a diversidade. Não podemos permitir que pessoas com deficiência, mulheres, minorias ou qualquer outro grupo vulnerável sejam alvos fáceis de ataques gratuitos e impunes.

Conclusão: um momento de reflexão coletiva

O que aconteceu com a Dra. Ana Sofia Antunes é sintomático de uma sociedade que ainda permite que a violência verbal passe despercebida ou seja relativizada. Mas não podemos aceitar isso. Como pessoa com multideficiências, como presidente de uma associação que luta pela inclusão e pelos direitos das pessoas com deficiência auditiva, sinto-me pessoalmente atingido por este episódio – e sei que milhares de portugueses também o sentem.

O bullying não pode ser tolerado em nenhuma circunstância. E cabe a todos nós, enquanto sociedade, exigir que haja consequências. Se permitimos que isto aconteça no Parlamento, estamos a aceitar que possa acontecer em qualquer outro lugar.

A Assembleia da República tem agora uma escolha: ignorar o episódio e compactuar com esta normalização da violência verbal ou agir com firmeza e mostrar que Portugal é, de facto, um país onde o respeito e a inclusão são valores inegociáveis.

O tempo de agir é agora.